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quinta-feira, 29 de março de 2018

será o dr. antónio costa liberal?

29 Março, 2018

rui a.

1. Não há nada de anormal nem de ofensivo no facto de se interpelar um partido político e os seus dirigentes acerca das suas origens e intenções. Tão pouco de confrontar os seus responsáveis com o que eles mesmos disseram, escreveram ou subscreveram. Pelo contrário, chama-se a isso responsabilidade democrática e é isso, entre outras coisas também importantes, que distingue as democracias liberais dos totalitarismos e das ditaduras: ética, transparência, responsabilidade e respeitabilidade. Qualquer partido, em regime democrático, deve cumprir estas regras mínimas

2. O meu interesse pela Iniciativa Liberal nasceu com uma brincadeira em que me envolvi por causa da recente vaga de novos partidos liberais que estão a surgir em Portugal. No facebook rascunhei dois ou três posts a brincar com o tema, sem qualquer destinatário preconcebido. Até que alguém me tagou no mesmo facebook sugerindo que, em vez de maldizer, avançasse para a frente de combate partidário, como alguém já teria feito. A pessoa em causa, constatei depois, tem responsabilidades na Iniciativa Liberal e foi assim que lá cheguei.

3. Fui, então, ver o que é que a coisa era. E, lamento dizê-lo, no site da organização encontrei um amontoado de banalidades que, por si mesmas, poderia encontrar em qualquer site dos nossos três partidos democráticos – PS, PSD e CDS, e que manifestamente não chegam para caracterizar como liberal um projecto político, quanto mais um partido já criado.

Escrevi aqui, no Blasfémias, um post sobre o que li no site do novo partido – o Manifesto Liberal – e logo recebi algumas metralhadas em resposta. O argumento mais falacioso de todos, repetido por várias pessoas envolvidas no projecto, é que aquilo é um «simples» manifesto e não o programa do partido, como se um manifesto de um projecto político nascente não contenha o seu ADN baptismal. Entre os vários ataques, um jovem mais azougado referiu a minha «desonestidade» por o ter feito, enquanto que o mesmo responsável que me tinha interpelado à «acção» disse que me deveria ter dirigido à posta restante do partido, em vez de estar numa página de arruaceiros a expor o tema. Fiquei esclarecido.

Como, todavia, sou uma pessoa de boa vontade, voltei ao site da organização e deparei-me, desta vez, com um documento intitulado «Programa – Portugal Mais Liberal», que terminava com umas frases sobre a União Europeia onde se podia ler que a Iniciativa Liberal pretende «uma maior integração europeia, com novos patamares de governação e de cidadania». Como isto é matéria importante, mas por si só significa pouco ou nada, escrevi outro texto perguntando-lhes o que queriam dizer. Não obtive resposta, a não ser de alguns comentadores de patrulha que insinuaram coisas medonhas sobre o meu interesse pela organização.

Mais recentemente, nuns comentários feitos no facebook, mais uma vez um responsável da Iniciativa Liberal apareceu, em tom irritadiço, a pedir que documentasse o que escrevera numa conversa entre amigos. Tendo-lhe respondido parcialmente ao que pedira, desqualificou a resposta como sendo uma «deturpação». Em face disso, fiquei-me por aí.

4. Ora, aqui chegados, é bom que os responsáveis da Iniciativa Liberal entendam que são eles – que se propõem ir para o governo do país – a prestar esclarecimentos aos eleitores e não os eleitores que lhes têm de prestar esclarecimentos a eles. E, de facto, há ainda muito por esclarecer.

Em primeiro lugar, donde vieram os sentimentos liberais aos protagonistas do partido, que nunca ninguém, em anos, lhos conheceu, nem por escrito, nem em conferências, nem (peço desculpa se errar) em lado nenhum?

Em segundo lugar, como conseguiram criar o partido? Onde disponibilizaram os documentos para serem assinados pelos 7.500 subscritores? Por que não se assistiu, nem sentiu, na sociedade portuguesa, ou nalguns dos seus sectores (nas Universidades, por exemplo, que são um bom caldo de cultura destas coisas) a um movimento de opinião que levasse a essa importante formação?

Em terceiro lugar, que espécie de liberalismo é que defendem, que não está reflectido no Manifesto, que não se lê nas entrevistas que dão nem nos artigos que escrevem, e que acabou num apelo público para que qualquer interessado possa contribuir para o programa, ou seja, para a ideologia do partido?

Em quarto lugar, se ainda não tem o tal programa, nem personalidades públicas relevantes, qual foi o motivo com que convenceram 7.500 cidadãos portugueses a assinarem a constituição do partido.

5. Como não sou pessoa de meias palavras, vou dizer o que penso.

E o que penso é que o grupo de fundadores da Iniciativa Liberal terá saído de círculos próximos do Partido Socialista e que ao Partido Socialista lhe convém ter por perto um partido liberal.

Fundamento.

Em primeiro lugar, porque o esforço de criação do partido não se viu em lado nenhum (pelo menos, a mim passou-me despercebido, pelo que agradeço que me corrijam, se estiver enganado), e não é com duas tretas que se recolhe 7.500 assinaturas para este fim, prontas a serem validadas no Tribunal Constitucional. Exige profissionalismo, que, por enquanto, não se vislumbra na organização.

Em segundo lugar, porque há pessoas muito próximas da Iniciativa Liberal ligadas ao PS ou, pelo menos, directamente a António Costa. As pessoas podem mudar de ideias? Claro que sim. Talvez tenha acontecido aqui. Quem sabe? Esperemos que sim.

Em terceiro lugar, porque não seria coisa nova no PS., que já em tempos, numa tentativa de partir o PSD, contribuiu para a formação da ASDI (com quem se coligaria eleitoralmente) e formou uma ala democrata-cristã, para ir pescar às águas mais conservadoras do CDS. O liberalismo tem já alguma marca política em Portugal, e antes que outros lá cheguem, sobretudo no PSD e no CDS, há que ocupar o espaço. Confesso, de resto, a minha admiração pela insistência com que alguns responsáveis pelo projecto referem que o PSD e o CDS não foram liberais no último governo, como se fosse possível sê-lo num governo que mais não era do que um executor de um programa internacional de reestruturação financeira. E acho que essa minha estupefação ajuda o meu argumento.

6. Dito isto convém que fique muito claro que nada de mal tem em que um partido político viabilize a criação de um outro que, ou por razões puramente ideológicas ou meramente pessoais, não cabe completamente no que já existe. Vejam-se, por exemplo, o caso do PEV, ou aquilo em que o MDP-CDE se transformou no pós-25 de Abril. Como nada de grave há em que um grupo de pessoas, eventualmente mais próximas de um liberalismo social, se constitua em partido. A família liberal não é unívoca e, de resto, a ascendência portuguesa é muito mais próxima dessa forma de ver o liberalismo do que de um liberalismo de raízes anglo-saxónicas ou austríacas. Basta olhar para o século XIX. Como existe uma tradição liberal fortíssima que sai da Revolução Francesa e ainda hoje influencia grupos e partidos por esse mundo fora. Só que temos que ser claros e esclarecer donde vimos, quem somos e o que pretendemos. O jogo da democracia é isso mesmo e quem quer ficar por cá nos próximos cinquenta anos tem que se habituar a ele. Com transparência e clareza, sem azedumes nem azias.

P.S. (não o referido no texto, note-se): o título deste texto, apesar de colocado sob interrogação, é, obviamente, provocatório, esperando, sinceramente, estar enganado. Quando os responsáveis pela Iniciativa Liberal mo demonstrarem, não hesitarei em reconhecê-lo publicamente.

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