Posted: 28 Feb 2018 11:32 AM PST
Fonte: INE, Contas Nacionais
Se há coisa em que a esquerda tomaria a dianteira à "cultura de compromisso" à direita, era começar a olhar para as contas externas. Para as contas da Balança de Transações Correntes, mas mais em particular para a Balança Corrente.
Por facilidade, os gráficos apenas abordam essa realidade a partir de 1995. Já nessa altura, a economia portuguesa estava entrosada no Sistema Monetário Europeu, com toda a política macroeconómica subordinada à política cambial-monetária europeia, decidida pelo Governo Cavaco Silva e prolongada pelo Governo Guterres, mantendo o escudo português indexado ao marco alemão. Foi a opção europeia. Nessa altura, o nosso défice comercial já era largamente deficitário. E assim continuou após a criação do euro em 2000, até 2010, sem que o saldo positivo da balança de serviços - onde se encontram as receitas de turismo - tivesse evitado essa tendência.
Fonte: INE, Contas Nacionais
A partir de 2010, "miraculosamente", o défice comercial atenua-se. E assim continuou até 2013. Foi o período de intervenção externa, com o devido apoio ideológico do Governo PSD/CDS, de Pedro Passos Coelho/Paulo Portas, tendo Assunção Cristas como ministra. O défice atenuou-se porque o consumo privado foi asfixiado e o investimento privado sofreu a maior queda de que há conhecimento na História recente de Portugal. Mas mal a retoma se iniciou em 2013, os problemas voltaram a revelar-se. Apenas a avalanche de turistas tem compensado o agravamento do défice comercial. E já começa a revelar-se insuficiente...
Se a preços correntes (primeiro grafico), o saldo da Balança Corrente se mostra positiva (Paulo Portas mostrou-se felissíssimo na campanha eleitoral de 2015 com esses escassos valores), já a situação das transações em volume (segundo gráfico) parece revelar melhor as fragilidades presentes.
Há causas para esta situação.
A par de diversos choques externos verificados no início do século passado - aumento das taxas de juro do BCE (1999/2002), rebentamento da bolha dot.com(2000), entrada da China para a OMC (2001), desmantelamento alfandegário da UE face ao exterior (2004), forte apreciação do euro (até 2008), crise internacional..., há uma causa de fundo. E ela está na política seguida desde o início dos anos 90 com a liberalização dos movimentos de capitais, a desregulamentação das actividades financeiras e a privatização das empresas públicas.
Relembro o que se escreveu no livro "A Crise, a Troika e as alternativas" (Tinta da China, Agosto de 2013), de vários autores, alguns deles deste blogue:
Essas opções tenderam "a atrair, de facto, montantes elevados de capital estrangeiro. O grande afluxo de capitais cria condições propícias ao aumento do investimento e do consumo, o que contribui para estimular a economia nacional e atrair mais capitais. Inicia-se, deste modo, um período de rápido crescimento, que se reflecte normalmente num aumento geral dos preços e, nesse sentido, em perda de competitividade dos produtos nacionais nos mercados internacionais. A perda de competitividade deveria conduzir à desvalorização da moeda nacional, permitindo então recuperar alguma competitividade da procura interna face ao exterior. No entanto, as autoridades nacionais estão comprometidas com a política de estabilidade cambial, como parte da sua estratégia de atracção de capitais externos. Assim, estando os preços internos a aumentar e a taxa de câmbio inalterada, os produtores nacionais vão perdendo capacidade de enfrentar a concorrência externa".
A consequência foi a transladação de investimentos para os sectores não transacionáveis (supostamente protegidos), a desvalorização dos activos nacionais (que são adquiridos ao desbarato e procedendo-se a uma concentração internacional) e a subida da dívida externa, com as consequências que se viu na chamada "crise da dívidas soberanas" (que teve associado um programa cujos efeitos prolongou ainda mais a entrada de capitais externos).
E é isto. Como resolver este constrangimento? De cada vez que se cresce, afunda-se o défice externo. Para o resolver, a solução não está no ajustamento salarial. Não é panaceia e não pode estar em nome da nossa sobrevivência como povo que tenderá a emigrar. E a definhar.
Este devia ser o debate nacional.
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