Os motores do crescimento português
Posted: 12 Mar 2018 11:05 AM PDT
Ficámos recentemente a conhecer os dados preliminares das Contas Nacionais relativos a 2017. Esses dados permitem-nos fazer um primeiro balanço em relação a como evoluíram na primeira metade da actual legislatura as componentes do produto – consumo privado, consumo público, investimento, exportações e importações – e de que forma contribuíram para o crescimento nestes dois anos, que foi, em termos reais, de 1,6% em 2016 e 2,7% em 2017.
A este propósito, voltou a ganhar vigor um debate que vem grassando há algum tempo acerca de qual tem sido o verdadeiro motor do crescimento da economia portuguesa. Em causa está saber até que ponto é que o crescimento tem assentado mais na procura interna ou na procura externa, mais no consumo ou mais no investimento. A questão não é meramente analítica mas também claramente política: na impossibilidade de argumentar que a política económica deste governo não tem produzido bons resultados, uma parte da direita passou a afirmar que o sucesso verificado se deveu ao governo ter feito o contrário do que anunciara, seguindo uma política económica “de direita” e apostando no investimento e nas exportações em detrimento do consumo privado.
A controvérsia é alimentada adicionalmente por uma questão técnica. É que, das componentes que referi em cima, quatro contribuem positivamente para o PIB mas uma (as importações) contribui negativamente, não havendo consenso relativamente à forma mais correcta de considerar esta última. O INE, por exemplo, agrupa as importações juntamente com as exportações para calcular a procura externa líquida. Já o Banco de Portugal considera que o consumo público e privado, o investimento e as exportações têm todos uma parte importada e por esse motivo “distribui” as importações por cada uma das outras componentes, de modo a aferir o contributo líquido destas. É devido a esta diferença de metodologia que o INE pôde concluir, no Destaque recentemente distribuído e citado nos jornais, que a procura externa líquida teve um contributo negativo (-0,2%) para o crescimento do ano passado, ao passo que o Banco de Portugal, no mais recente Boletim Económico (Dezembro de 2017), projectava para 2017 contributos positivos da procura interna e externa de 1,1% e 1,5% respectivamente. E é também por isso que o Fórum para a Competitividade, um think tank de direita, tem criticado o INE por apresentar os dados do PIB “de forma enganadora, (...) levando os decisores políticos a cometer erros muito graves, de privilegiar a procura interna, quando a chave do crescimento está nas exportações”.
No que diz respeito à metodologia, neste caso são o Banco de Portugal e o Fórum para a Competitividade, e não o INE, quem tem mais razão. Não faz sentido imputar a totalidade das importações às exportações e concluir que a procura externa teve um contributo menor ou negativo para o crescimento, quando boa parte do aumento das importações se deveu à expansão da procura interna e não teve nada a ver com as exportações.
Mas a razão da direita fica-se por aqui. É que se alguma coisa os dados dos dois últimos anos mostram é que o crescimento robusto se deveu tanto à procura interna como às exportações, não havendo contradição ou rivalidade entre uma coisa e a outra. Olhando para os dados das contas nacionais agora disponibilizados, vemos que, no conjunto dos dois anos, o consumo e as exportações tiveram contributos brutos (isto é, não deduzindo as importações) relativamente idênticos para o crescimento verificado: 41% e 46%, respectivamente. Os restantes 13% vieram do investimento, principalmente em 2017. A questão técnica de como passar daqui para os contributos líquidos pode ser discutida, mas será sempre mais favorável à procura interna, visto que é geralmente reconhecido que as exportações têm um maior conteúdo importado do que as outras componentes. A conclusão é, portanto, que o crescimento dos dois últimos anos não teve um motor único, mas sim dois: a procura interna e a procura externa, com contributos relativamente semelhantes. Sem uma ou a outra, o crescimento teria sido muito menor do que foi.
Porém, ainda mais importante do que isso é a conclusão, inegável, que a política de valorização de salários e pensões não só não impediu o crescimento vigoroso do investimento e das exportações, como muito provavelmente foi decisiva para restaurar a confiança que impulsionou o investimento. A direita está errada quando alega que estes resultados validam a sua estratégia. É exactamente o contrário: são uma refutação categórica das ideias de desvalorização interna e austeridade expansionista que durante anos assombraram o debate público.
(publicado originalmente no Expresso online em 08/03/2018)
Adenda - cálculos:
Os valores referidos em cima têm por base os dados anuais nominais das Contas Nacionais recentemente publicado pelo INE e disponíveis aqui (ficheiro A.1.2.5.1, o primeiro da lista). Neles verificamos que o consumo público e privado (C+G), o investimento (I), as exportações (X), as importações (M) e o PIB (C+G+I+X-M) apresentaram os seguintes valores em 2015, 2016 e 2017 (em milhões de Euros):
C+G
I
X
M
C+G+I+X
PIB (C+G+I+X-M)
2015
150,310.6
28,451.5
72,647.6
71,600.6
251,409.7
179,809.1
2016Po
154,697.8
28,718.1
74,436.3
72,358.3
257,852.3
185,494.0
2017Pe
159,685.1
31,471.0
83,227.2
81,261.4
274,383.3
193,121.9
A partir destes dados, podemos calcular a variação absoluta de cada uma destas componentes entre 2015-2016, 2016-2017 e no biénio 2015-2017:
C+G
I
X
M
C+G+I+X
PIB (C+G+I+X-M)
Variação 2015-2016
4,387.3
266.6
1,788.8
757.7
6,442.6
5,684.9
Variação 2016-2017
4,987.3
2,752.9
8,790.8
8,903.0
16,531.0
7,627.9
Variação 2015-2017
9,374.5
3,019.5
10,579.6
9,660.8
22,973.6
13,312.8
E a partir daqui calculamos o peso relativo da variação de (C+G), I e X, respectivamente, na variação total de C+G+I+X, i.e., nas componentes positivas do PIB. Não deduzir as importações equivale a distribuí-las proporcionalmente pelas componentes positivas, i.e., assumir que têm idênticos conteúdos importados em termos relativos, o que, quando muito, favorece as exportações, que habitualmente têm maior conteúdo importado. Os resultados são os seguintes:
C+G
I
X
C+G+I+X
Var. 2015-2016 (%)
68.1%
4.1%
27.8%
100.0%
Var. 2016-2017 (%)
30.2%
16.7%
53.2%
100.0%
Var. 2015-2017 (%)
40.8%
13.1%
46.1%
100.0%
De onde se conclui que o contributo do consumo para o crescimento durante os primeiros dois anos da legislatura foi de 41%, o do investimento foi de 13% e o das exportações foi de 46%, tal como referido no texto. Vemos também que as contribuições relativas se alteraram bastante do primeiro ano para o segundo, mas isso não se deveu ao consumo ter tido um contributo absoluto menor no segundo ano (se olharmos para a primeira coluna da segunda tabela, vemos que esse contributo foi até um pouco maior). O que aconteceu foi que em 2017 tanto as exportações como o investimento tiveram crescimentos extraordinários, que fizeram com que um crescimento semelhante do consumo tivesse um peso relativo menor. E o mais importante de tudo, como referi no texto, é que estes aumentos extraordinários das exportações e do investimento não só não foram impedidos pela devolução de rendimentos como, especialmente no caso do investimento, foram muito provavelmente impulsionados por ela.
Posted: 12 Mar 2018 09:12 AM PDT
Não há muitas notícias sobre a votação das moções no Congresso do CDS, do fim-de-semana passado. Nem no próprio sítio do CDS...
Sabe-se que as moções não foram debatidas em horário nobre ou que Cristas seixou cair a democracia-cristã. Parece que o essencial foi a votação para os órgãos nacionais do partido e que a moção de Assunção Cristas foi votada de braço no ar e já de madrugada, em alternativa à de Miguel Mattos Chaves.
E no entanto, as moções dizem muito do pensamento de quem está no CDS. Por exemplo, a moção de Mattos Chaves é uma moção estruturada e a pensar no futuro do país, enquanto a moção de Cristas parece um saco de vento, próxima do plafleto de uma arruada do CDS.
Mas se há um tema que não constou da esmagadora maioria das moções ao Congresso do CDS foi o mundo do Trabalho. Esse não é um tema do CDS. Os mais de cinco milhões de activos são um subproduto das pouco mais de 300 mil empresas portuguesas. A sua ideia - pouco moderna e mesmo arcaica - é de que "as empresas é que criam emprego" e por isso tudo lhes é devido.
No Congresso, apenas a moção dos Trabalhadores Democratas Cristãos chamava a atenção para aquilo que nenhum outro militante centrista pareceu sentir: a actual precariedade das relações laborais neste Portugal cada vez mais estagnado e que conduz ao envelhecimento da população."Deve, pois, o CDS atender aos novos pobres que trabalham e não chegam ao final do mês; aos jovens precários, tantos deles na comunidade científica, que adiam projetos familiares por terem trabalhos precários e mal remunerados".
E no entanto, para quem olhe para a opinião à direita, todos parecem embandeirar em arco com o "novo CDS". Helena Garrido na Antena 1 hoje de manhã, falava de um CDS jovem, liberal e não conservador - apenas porque Adolfo Mesquina Nunes se assumiu como homosexual e esquecendo os casos em que autores de moção raiam o homofóbico ou o tom de conservadorismo, que nem os defensores pró-vida já assumem. No Observador, quem escreve sobre o CDS vai atrás desta onda criada pelo marketing... (aqui e aqui). Por que razão está a direita a apostar tanto no CDS? Apenas para impedir uma viragem à esquerda do PSD?
O CDS que saiu do Congresso é uma tentativa de tudo ser, sem que seja alguma coisa. E esse é a vantagem de nunca ser poder, senão por arrasto.
Senão é isso, o que dizem as moções ao Congresso do que poderia ser o programa de governo do CDS? Em primeiro lugar, o CDS apostaria numa forte contenção orçamental. Algo que, a julgar pelo discurso de Assunção Cristas, se trata de uma ideia muito negativa, quando o partido se declara muito preocupado com a situação nomeadamente da Saúde e Segurança. Ao mesmo tempo que se pugna por esse linhar de passo com a moeda única, outras moções mostram-se euro-cépticas com o rumo de federalização da Europa...
Duas das moções defendem o estrito cumprimento do Tratado Orçamental, com "cumprimento do limite de 60% do PIB, na dívida pública, consagrado nos tratados da União Europeia" (João Gonçalves Pereira). Ora, só essa obrigação implicará um corte drástico na despesa social do Estado. "Olhamos para o deficit e para a dívida pública, não como um problema conjuntural ou como um dogma contabilístico, mas como um problema estrutural que nos limita a esperança e nos rouba o futuro" (José Lino Ramos)."Cortes devem ser feitos não de forma cega em sectores fundamentais, mas “na melhoria da eficiência dos serviços da AP e na redução de gastos supérfluos", integrando o autor nesse capítulo a própria estruturação actual do Estado (Abel Matos Santos).
Mas depois, defende-se um Estado como um financiador das práticas básicas empresariais - concessão de crédito fiscal às empresas que reinvistam os lucros... (Luís Mattos Chaves) -, do apoio às empresas que contratem mulheres grávidas e mães/pais com crianças até 3 anos (!), apoios vários à natalidade, à conciliação entre trabalho e família, mas sem que isso passe por alterações ao Código do Trabalho (portanto, apenas mais dinheiro para pagar creches...).
Do ponto de vista do que seria a economia portuguesa, seria um misto de mais Turismo, mais Agricultura (sublinhando-se - e bem! - a actual dependência externa) e, sobretudo, mais Mar (sem se perceber bem o que seria).
Desse ponto de vista, a moção mais estruturado é a de Luís Mattos Chaves. Ele defende uma reindustrialização - "um dos estrangulamentos económicos do País ou, se preferirem, uma das razões do nosso fraco desenvolvimento das últimas décadas se deve à ausência de uma estratégia de industrialização, de médio e longo prazo, que sirva de guia aos agentes económicos" -; com um novo papel a CGD e um Banco de Fomento, planos de desenvolvimento na boa tradição dos Planos de Fomento.
É interessante notar que várias moções pugnam por um reforço da Defesa Nacional, com um aumento de verbas para o seu orçamento, o regresso ao Serviço Militar Obrigatório e uma maior participação na NATO.
Mas houve também moções "soberanistas" e euro-cépticas. Pedro Borges de Lemos: "Não podemos é perder de vista a lógica dos Estados soberanos, avessa ao sistema federalizado progressivamente mais tendencial. O combate aos choques assimétricos e a solidariedade com as nações mais desfavorecidas da União Europeia poderão concretizar-se nas ajudas obtidas através das receitas oriundas do incremento de uma taxa uniformizada sobre as transacções financeiras dos respetivos países membros". Ou de Miguel Mattos Chaves: "A actual ingerência da Comissão Europeia, órgão de poder central que não foi eleito por ninguém, que se arroga o direito de aceitar ou reprovar o Orçamento de Estado de Portugal e de outros Estados, é inadmissível e mesmo perigosa pois pode levar á Revolta Justa por parte dos Povos afectados. Cabe-nos colocar as coisas no seu sentido original, no sentido que a esmagadora maioria dos Pais Fundadores indicaram, para que os Países da Europa não se desunam".
O CDS ainda não encontrou o seu rumo. E o único rumo que se conhece é conquistar votos ao PSD e aparecer mais nos telejornais. Tão pobre.
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