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sábado, 10 de março de 2018

Ladrões de Bicicletas


Do Estado que «asfixia a economia»

Posted: 10 Mar 2018 12:32 AM PST

«São 5,5 mil milhões de euros de ganho, entre poupança com faltas ao trabalho evitadas pelos cuidados de saúde prestados pelo Estado e o retorno económico desses cidadãos que, não tendo ficado doentes em casa, foram trabalhar, produziram, receberam um pagamento por esse trabalho e gastaram parte em bens de consumo. Explicado assim, em economês de grau zero, parece simples, mas o facto é que estamos muito mais habituados a ouvir falar do que o SNS nos custa, a todos enquanto contribuintes, e também do que o serviço faz menos bem ou onde tem falhas graves. A espaços também vamos ouvindo que este é um sistema insustentável, que representa um fardo financeiro excessivo para o país, que consome recursos que seriam mais bem aplicados noutras áreas e, por último, que estaríamos todos muito melhor com uma passagem mais decidida destas responsabilidades para a esfera privada. 5,5 mil milhões é, para que se tenha noção da grandeza, cerca de metade do orçamento do Estado para a saúde, para o SNS. Dito de outra forma, o SNS consegue "devolver" ao país, à economia, metade do que absorve em dinheiro público, dos contribuintes. Será assim um negócio tão mau como nos tem sido vendido?».
Paulo Tavares, Afinal, o SNS vale o que pagamos

«Memorizar e debitar» (reloaded): a educação segundo Crato

Posted: 09 Mar 2018 05:11 AM PST

De quando em quando, Nuno Crato dá sinais de vida. Desta vez, com um artigo no Observador, aparentemente motivado pelo discurso de António Guterres na sessão de atribuição do doutoramento honoris causa pelo IST.
Pergunta Crato se «gostaria algum de nós de ser tratado por um médico que, na universidade, tivesse aprendido Literatura Germânica, não tivesse prestado grande atenção à Anatomia nem à Histologia, mas que tivesse sido fantástico a "aprender a aprender"?». Ou se gostaria algum de nós de «andar num avião mantido por uma equipa de mecânicos que, na sua escola de formação técnica, tivessem estudado Anatomia Patológica, nada sobre motores nem sobre aeronáutica, mas que fossem extraordinários a "aprender a aprender"?». Exagero? «Não», diz o ex-ministro da Educação: «pensemos na mensagem que, no limite, se está a transmitir aos estudantes: aprendam a aprender, não interessa tanto o que aprendem».
Garanto-vos que não faço por isso, mas quando a argumentação chega a este nível vem-me à memória uma recordação de infância: a imagem de vendedores de banha-da-cobra, alçados em carrinhas de caixa aberta, com o frasquinho numa mão e o microfone na outra, a convencer os incautos que têm a solução para todos os males. Ou, numa versão mais atual, os anúncios televisivos a frigideiras anti-aderentes, com o número para as encomendas a passar no rodapé do ecrã durante o engodo. A dúvida com que ficava ao reparar no empenho dos vendedores de banha-da-cobra é a mesma que me assalta com Nuno Crato: acredita mesmo no que diz ou está conscientemente a ludibriar as pessoas?
Será que o ex-ministro Nuno Crato acha mesmo que o que está em causa é a opção entre «conteúdos» e «aprender a aprender»? Terão as matérias programáticas das disciplinas desaparecido e ninguém deu conta? Em que consistirá na prática o programa do «aprender a aprender»? Não perceberá o ex-ministro que os conteúdos continuam lá e que a diferença reside no modo como são tratados, bem como nas finalidades que se pretendem atingir com os processos de ensino e aprendizagem? Que os «conteúdos» servem para «aprender a aprender» e não, simplesmente, para «memorizar e debitar»? Que uma coisa é «aprender a decorar» e outra é «aprender e problematizar»? Perceberá Nuno Crato a diferença entre o papaguear mecânico de uma tabuada e a ideia de que a mesma traduz a soma sucessiva de um algarismo? Ao vir com esta conversa requentada, terá Nuno Crato a expetativa de poder regressar à 5 de outubro com a sua agenda retrógrada, depois de ter ouvido Rui Rio no encerramento do 37º Congresso do PSD?

Pensamento light

Posted: 09 Mar 2018 10:38 AM PST

A poucos dias do Congresso do CDS, a dirigente do CDS deu anteontem uma entrevista à RTP.
Para um partido que não chega aos 10% da intenção de voto, mas que afirma querer liderar a direita, estar-se-ia à espera de ideias mais consistentes sobre o pensamento do CDS. Mas da conversa percebeu-se que o mandato governamental do CDS de 2011/15 ainda está mal digerido e que as grandes linhas de pensamento económico ainda andam muito baralhadas pelo Largo do Caldas. E que o seu discurso está muito colado à espuma dos dias, a surfar os temas mais mediáticos.
A pobreza do pensamento centrista é visível na moção de Cristas ao Congresso. Aliás, convida-se a que se leia as diversas moções para perceber que o CDS tem um pensamento incoerente e inconsistente, variado mas indistinto, sobre temas essenciais e estratégicos, e que por isso lhe é mais fácil surfar o dia-a-dia. Uma delas, considera mesmo que "a nova vaga de emigrantes deve ser vista como uma afirmação da capacidade e do engenho de Portugal no mundo" ou que "Portugal tem de assumir uma política activa para o crescimento da natalidade, financiada pelo Estado e não pelas empresas". Mas ao mesmo tempo, mantendo o esforço para cumprir a regra orçamental de reduzir a dívida pública até 60% prevista no Tratado Orçamental, o que é mais uma quadratura do círculo improvável. Mas tudo isto merece um estudo mais detalhado, proximamente.
O discurso televisivo de Assunção Cristas é mais um exercício, aliás, de quadratura do círculo: camufla o que correu mal, puxa de galões que não são os seus, tudo baralha, sem que o entrevistador a tenha confrontado.
Primeiro. Para Cristas, não houve austeridade: houve necessidade. Na realidade, necessidade foi o que levou ao empréstimo de curto prazo que - nunca é por acaso - trouxe agarrado um conjunto de políticas, fortemente ideológicas, assumidas pela direita (CDS inclusive). Outras políticas poderiam ter sido adoptadas, mas a direita quis aquelas, que fracassaram estrondosamente.
As políticas adoptadas geraram uma montanha de 1,5 milhões de desempregados. Mesmo do ponto de vista orçamental, foi um fiasco: entre 2011 e 2013, dos 20 mil milhões de euros de austeridade (entre cortes na despesa pública e aumento da receita fiscal), o défice apenas se reduziu em 6 mil milhões por causa da recessão provocada. Por cada 1 euro retirado ao défice, retirou-se 1,25 euros ao PIB. Aliás, Cristas a certa altura afirmou aquilo que a esquerda costuma repetir sobre o fracasso das medidas adoptadas: "Mesmo na dívida, diminuiu em percentagem do PIB. Nós continuamos endividados, continua a haver um agravamento da dívida".

Ficou sem saber-se - e ninguém lhe perguntou - por que razão isso aconteceu quando era suposto estar a reduzir-se a dívida, fruto das políticas adoptadas no passado. Estava no Memorando.
Teria sido por culpa do protectorado da troica? Não foi, porque Cristas omite esse facto olimpicamente. Troica e memorando são, aliás, palavras proibidas. Fala do "grande esforço de todos os portugueses", quando esse esforço não serviu para nada e teve de ser invertido! Até a Comissão Europeia já vem dar o dito por não dito.
O fruto da austeridade aplicada transformou-se para Cristas em "crise mundial e europeia" e "depressão", sem que se explique por quê, já que Portugal afundava nessa altura enquanto a UE já crescia. E a retoma é, assim, desvalorizada: "Tínhamos, em Portugal, uma capacidade produtiva instalada que não estava toda aproveitada em virtude da profunda depressão e da crise que foi uma crise mundial e europeia e, claro, com a retoma poderão, com muito pouco investimento, accionar essa capacidade produtiva".
Na entrevista, Cristas sublinha que, se houve retoma, foi por causa - "também" - das reformas adoptadas, nomeadamente a laboral: "Tenho sublinhado muitas vezes o facto de, por exemplo, António Costa ter resistido até agora a fazer mexidas na legislação laboral que eu espero que mantenha, porque hoje temos crescimento económico e desemprego a diminuir e emprego a aumentar também por causa de várias reformas, nomeadamente na reforma laboral feita pelo anterior governo". Quais teriam sido as outras reformas? A famosa reforma do Estado que Paulo Portas sintetizou numa página e que nunca levou à prática porque não lhe convinha voltar à recessão?
Noutra entrevista, de outro dirigente, Adolfo Mesquita Nunes, prevê-se que entre 10 a 40% dos actuais empregos deixarão de existir - devido à famigerada automação dos processos produtivos - e que "é preciso encontrar mecanismos de transição e mobilidade, para que as pessoas possam mudar de emprego, ter formação e ter a protecção social de que precisam nesse período". Para já, pergunte-se, com que dinheiro? "Temos um modelo de Estado Social que tem um conjunto de prestações sociais pensadas para desafios antigos. E, portanto, temos de adaptá-las". Os jornalistas não lhe perguntaram quais... Mas como se articula isso com o papel do CDS de 2011/15? Nessa altura, o CDS defendeu, com unhas e dentes, a redução da duração e do montante do subsídio de desemprego. E das compensações por despedimento. E o congelamento do SMN, que aumentou por razões eleitorais e pouco e sem discussão na concertação social... Algo que pressionou os salários para a descida do seu valor. Em que ficamos?
Pior. Enquanto defende esses méritos da austeridade, usa a austeridade para criticar Costa de a aplicar de forma camuflada: "Não é verdade que seja tudo cor-de-rosa, não é verdade que a austeridade tenha acabado. Não é verdade esta narrativa do primeiro-ministro de que acabou a austeridade e de que agora está tudo muito bem. E nós a cada momento conseguimos comprovar isso mesmo".
Mas se o Governo aplica a austeridade, mesmo que camuflada, Portugal deveria estar melhor. Ou não? Não, porque o CDS acha-se à-vontade para atacar a falta de recursos na Saúde que foi fortemente afectada pela política estúpida da austeridade...
Que tipo de política económica defende o CDS afinal? O CDS tem sido um partido sem espinha nem pensamento. E ainda por cima quer liderar a direita. Não vai longe.

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