por estatuadesal
(Francisco Louçã, in Expresso, 10/03/2018)
Passa-se alguma coisa de esquisito, mas infelizmente é a normalidade: o mercado está nervoso, como agora se diz com leveza, e algumas grandes empresas estão a tomar posições políticas, constituindo-se em oposição ameaçante. Os exemplos são eloquentes.
O mercado está confuso
Os CTT anunciaram esta semana que os seus resultados tinham caído 56%, para 27 milhões de euros, mas que mantinham o plano de distribuição de dividendos e iriam sacar reservas para poderem entregar aos acionistas 57 milhões de euros. A estratégia é esta: administração em dificuldades seduz acionistas carentes. A empresa fica sem fundos para investir, a não ser que se endivide, e é o segundo ano consecutivo. O mercado, evidentemente, gostou desta estratégia e da promessa de despedir mais ainda. A empresa é descapitalizada, mas se há dividendos as ações são reconfortadas — e a cotação subiu. Os maus resultados foram a boa notícia.
Tudo lógico? Na Galp, há duas semanas, foi ao contrário. A empresa anunciou um crescimento dos lucros e dos dividendos, mas a cotação caiu. Os bons resultados foram a má notícia.
Quanto mais dívida mais gritaria
O mercado não percebe o que são bons e maus resultados, mas pelo menos uma empresa, a Altice, sabe o que quer. E ameaça: se até 13 de abril não tiver luz verde para comprar a TVI, desiste do negócio. Ora, duvido. A Altice precisa da TVI, aliás precisa de muitos negócios destes, comprar uma empresa com acionistas aflitos, como a Prisa espanhola, para logo depois a vender ou, entretanto, a utilizar para criar mais dívida para reciclar a própria dívida.
Para a PT, a joia da coroa da tecnologia em Portugal, nem sequer é novidade. A longa história da sua destruição começou há muitos anos. Aliás, cumpre tradição: como tantas vezes em Portugal, foi um Governo em véspera de eleições que precipitou os primeiros passos. Foi Cavaco Silva, a 1 de junho de 1995, quem disparou o tiro de partida, com a primeira fase da privatização (de 27,26%). Já se sabia que Cavaco não se recandidatava, estava designado Fernando Nogueira contra António Guterres, chegava ao fim o consulado cavaquista. Guterres ganhou e tomou posse a 28 de outubro. Escusado será dizê-lo, a privatização prosseguiu e foram mais 21,74% em 1996, ficavam vendidos 49% da empresa. Com o PS no governo houve mesmo um ministro que abria uma garrafa de champanhe quando concluía a venda de uma das empresas públicas. E seguiram-se mais três fases de privatização, até restarem nas mãos do Estado só 500 ações, a golden share, com um poder especial de controlo e cuja liquidação foi das primeiras medidas de Passos Coelho.
A PT tornou-se uma das caixas registadoras do grupo BES, o que deu no que se sabe: queda da empresa, que há uma década valia em Bolsa 11 mil milhões de euros e que agora está a ser desmantelada. A estratégia da Altice, que a adquiriu em 2015, é a mesma, conseguiu que a PT ficasse abaixo da linha dos prejuízos.
Ao comprar a PT, a Altice, um gigante de pés de barro com uma dívida de mais de 50 mil milhões de euros, assegurou que pagaria 5600 milhões de euros à Oi, empresa falida, para que esta pagasse as dívidas acumuladas na PT. A Altice contabilizou então 5600 milhões de euros como dívida da PT à própria Altice e a PT passou a dívida para a MEO, que é onde estão os lucros. A esforçada MEO, que é da Altice, emprestou então 536 milhões de euros ao dono, que registou adiantamento de pagamento. Eis como a Altice comprou a PT gerando dívida e prejuízos e poupando-se a pagar a compra.
O truque é velho
Não é a primeira nem será a última vez que a compra de uma grande empresa se faz com a utilização dos seus recursos. Em 1992, António Champalimaud comprou desta forma o Banco Pinto & Sotto Mayor, pagando com um cheque careca sobre o próprio banco. Explicava ele: “Não regateei a quantia, mandei vir um cheque avulso e preenchi-o logo ali, sacando sobre a minha conta e fechando assim o negócio. Fiquei só a dever, para pagar daí a trinta dias, uma percentagem pequena.” Quando o cheque foi descontado, já Champalimaud estava sentado na presidência da administração.
Mais recentemente, a Fosun comprou a Fidelidade por 1100 milhões de euros, fazendo-se pagar com a venda de ativos da própria seguradora. A Altice está a fazer o mesmo com a PT, será que a TVI quer passar por essa praxe?
Quando se deve ao Fisco, é pedir ao Estado
Outro exemplo deste ambiente empresarial é a guerra judicial da EDP, REN e Galp contra a contribuição extraordinária sobre as rendas da energia. Devem 338 milhões de euros e o conflito é estritamente político: nenhuma dessas empresas contestou o pagamento enquanto o governo era do PSD e CDS. No Novo Banco, fala-se agora de mais milhões que o Estado teria que entregar à Lone Star, que comprou mas não paga, parece sina.
Está bom de ver, este normal é estranho. A novidade é que algumas empresas agem agora como partidos, para fazerem o que sempre fizeram: ou dívida ou mão estendida ao Estado.
Uma empresa generosa para o CDS
De 27 a 30 de dezembro de 2004 foi muita a azáfama de fim de ano, mas mesmo assim notou-se, no balcão do BES da Rua do Comércio, que os funcionários do CDS vinham com minutos de intervalo, um atrás do outro. Cada um depositava uma quantia inferior a 12.500 euros, o limiar para a comunicação às autoridades, e voltava. Fizeram assim 105 depósitos, num total de mais de um milhão de euros. Para justificar a operação foram passados 4216 recibos e foi aí que apareceu o notório Jacinto Capelo Leite Rego, logo chamado Capelo Jacinto Rego Leite, coisas da imaginação.
O Ministério Público acusou o tesoureiro e três funcionários, argumentava que este milhão pagava a autorização dada ao Grupo Espírito Santo para uma operação imobiliária no Ribatejo, e extraiu certidão para outra investigação sobre os submarinos. O Tribunal da Relação entendeu que não havia prova, assunto encerrado.
De facto, a lei não permite o financiamento de partidos por empresas. Mas, por vezes, o escrutínio sempre atento das autoridades de contas, honra lhes seja feita, é contornado por subterfúgios. A página semanal de publicidade do CDS no “Correio da Manhã”, publicada desde outubro de 2016, é o caso mais surpreendente.
Foi uma opção arriscada, por colocar no centro da operação a própria presidente do partido. Assunção Cristas, dentro da linha editorial do jornal, é certamente uma cronista bem escolhida. Seria interessante conhecer a opinião dela sobre temas relevantes, Trump ou as eleições italianas, o emprego, a saúde, os grandes debates. Mas o que Cristas assina todas as semanas é uma exposição cândida sobre a agenda do partido, as suas reuniões, os comícios convocados ou as leis que apresenta. Inclui também a sua ida a espetáculos e eventos sociais, com uma tocante profusão de fotos de si própria: nas últimas seis semanas, foram 14 e já chegou a publicar cinco numa página.
Anuncia-se que ela esteve numa procissão ou “com o nosso deputado Nuno Melo, com o presidente da Comissão Europeia”, que vai a uma sessão do partido num café em Coimbra para “ouvir Portugal” com “cinco oradores independentes, notáveis”, outra em Montalegre, “a ouvir Portugal e a trazer maravilhosas alheiras para jantar”. Elogiando a sua Convenção Autárquica, Cristas garante que “o CDS está a crescer”. Noutro dia apresenta a sua moção ao congresso e a evidente recandidatura, pois “fizemos muito trabalho”. Explica que “acredito que o trabalho sistemático e bem fundamentado trará resultados e proponho que o partido continue este caminho de trabalho”. E é trabalho: “esta tarde apresentamos no parlamento 12 diplomas na área da justiça” e segue o cadastro. Folheie-se outra edição qualquer: anúncio de reuniões, listas de leis, agenda da líder, as suas fotografias a ilustrar. Isto chama-se publicidade, que pena não ser um comentário argumentado para ajudar ao debate público.
Só que a publicidade tem um preço. No “Correio da Manhã”, é 15.070 euros por página, mais IVA. Assim, ao chegar às eleições de 2019, Cristas terá recebido o favor de 2,351 milhões de euros em publicidade não paga, mais os 541 mil euros de IVA que poupou, num total de 2,892 milhões.
Não sei se a decisão partiu da Altri, a gigante da pasta de papel que é proprietária do jornal e que conhece bem a ex-ministra, que se destacou enquanto esteve no governo pela proteção ao sector dos eucaliptos, ou da direção do “Correio da Manhã”. Mas que todos trocaram publicidade mal disfarçada pela oportunidade de um debate interessante, isso é facto.
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