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domingo, 25 de março de 2018

“Os lisboetas não vão conseguir voltar para o centro da cidade nos próximos tempos”

25 Março 2018

Edgar Caetano

Subida dos preços muito dificilmente será reversível. Mesmo que acelere a construção, há procura (sobretudo externa) para absorver, garante Nuno Nunes, diretor de investimento da CBRE, em entrevista.

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A cidade de Lisboa foi apanhada “desprevenida” por um “tsunami“, um “crescimento súbito e fora do normal” do turismo, mas esse fenómeno não é o único a fazer disparar os preços do imobiliário no centro da cidade, afirma Nuno Nunes, diretor de investimento da consultora CBRE. As políticas de urbanismo das últimas décadas não prepararam a cidade para o “tsunami” de procura não só por turistas mas, também, por estrangeiros e empresas que querem estabelecer-se na capital portuguesa.

Daqui para a frente, muito dificilmente se voltará ao passado. Mesmo que se acelere na construção e se aproveite o espaço que existe, há procura mais do que suficiente para a absorver. Por outras palavras, os preços não vão baixar e, “a menos que haja uma mudança de paradigma, isto é, que surja outra cidade que passe a despertar este tipo de interesse que Lisboa está a despertar, tão rapidamente os lisboetas não vão conseguir voltar para o centro”. É preciso uma mudança cultural e há que olhar para alternativas na periferia, acredita o head of capital markets da CBRE, em entrevista ao Observador.

Muitas empresas estrangeiras já estão a ter dificuldades em encontrar espaços em Lisboa, diz Nuno Nunes, da CBRE. FOTO: André Carrilho/OBSERVADOR

A CBRE fez uma sondagem alargada a investidores em imobiliário na Europa e uma das conclusões que me chamaram mais à atenção é que, a julgar pelas respostas, com a subida dos preços já começa a haver mais investidores interessados em vender, materializando mais-valias. O que é que isso nos pode indicar sobre o ciclo do mercado?
Essa é umas conclusões engraçadas do estudo, é que estamos a chegar a um momento em que há muito mais investidores interessados em comprar, o que é ótimo, mas também há mais a vender. Isso é verdade nas grandes cidades em que se concentrou o estudo mas também é verdade para Portugal e para Lisboa. Nós estamos, na CBRE, com um pipeline de 1.100 milhões de euros, mais ou menos. Para termos noção, isso seria metade de todo o mercado do ano passado, só com os negócios que angariámos nos últimos meses.

Mas há alguma indicação de que o mercado pode estar a abrandar?
Na Europa já se está a ver alguns setores e algumas zonas em que, apesar de ainda haver procura, cada negócio que se faz já não supera, tanto como dantes, o preço do anterior. Em algumas zonas já se está a atingir uma espécie de plateau.

Já sente isso no mercado português, sobretudo Lisboa e Porto?
Não, ainda não está a acontecer em Lisboa, e mesmo no Porto. Talvez porque os investidores acham que o nosso mercado ainda está menos explorado, por ter entrado mais tarde no ciclo, e por acharem que existe uma perspetiva macroeconómica que compara bem com outros mercados europeus (estamos a crescer relativamente bem e acima do esperado). Houve investidores que não entraram no passado porque achavam que a nossa economia não ia ter esta trajetória e agora estão a tentar recuperar. Por outro lado, continua a haver, em vários setores, um desequilíbrio entre procura e oferta.

"Centros comerciais médios vão desaparecer"

O investimento em logística está a superar, pela primeira vez, a nível europeu, o investimento em escritórios, revela o estudo da CBRE. “Era um setor que valia pouco numa carteira de um investidor. Mas com o desenvolvimento do e-commerce, é uma aposta cada vez maior. Em Portugal, a Amazon estará prestes a entrar, mas não é a única, diz Nuno Nunes. Em contraste, o investimento em centros comerciais está a cair. “Os centros comerciais de centro de cidade, pequenos, bem localizados, quase como um complemento do comércio de rua vão continuar a ter procura. Os grandes centros comerciais, como o Colombo, achamos que continuam a fazer todo o sentido porque têm massa crítica suficiente para oferecer a experiência do retalho, onde há toda uma experiência e a compra vem por acréscimo”, diz Nuno Nunes: “já os centros de média dimensão, no meio de nenhures, deixam de ter razão de ser e muitos vão fechar”.

Quais setores, por exemplo?
O setor dos escritórios. Atualmente, em Lisboa, acredito que há entre 100 e 200 mil metros quadrados que não encontram sítio para onde ir, de acordo com as nossas estimativas aqui na CBRE. Isto cria uma expectativa muito grande sobre as rendas e sobre os preços.

Falando sobre o lado da oferta: acha que Lisboa tem menos aproveitamento do espaço disponível do que outras capitais europeias?
A cidade de Lisboa tem um problema, ou melhor, está confrontada com uma realidade que é crescimento turístico fora do normal, súbito, que houve — para o qual não estava preparada. E, por outro lado, há um desenvolvimento do mercado residencial, nomeadamente de um produto de luxo, de classe média-alta, que apanhou o segmento dos escritórios completamente desprevenido. Estamos a ver as empresas, como sociedades de advogados, a saírem de zonas como a Avenida da Liberdade, onde, é certo, os escritórios também têm características que já não se coadunam muito com as novas tendências. O residencial — sobretudo de gama mais alta — impôs-se como opção: se tenho um prédio e posso optar por residencial ou escritórios, a conta é relativamente fácil de fazer: o residencial é muito mais rentável e está a expulsar os escritórios do centro da cidade.

Três elementos, portanto: o turismo, a procura por imobiliário de gama alta e as empresas. Quando se fala do centro, as empresas estão a perder?
Isso. Há dias, um grande investidor com quem falava, com muita experiência no mercado de Lisboa, dizia que vai chegar um momento em que a cidade vai ter de decidir se quer ser uma cidade turística, uma Disneyland, ou se quer ser uma “gatewaycity“, isto é, uma cidade importante nos negócios e um pólo de atração de empresas. As duas não são compatíveis, não pode ser as duas coisas.

Um grande investidor com quem falava dizia que há um momento em que a cidade vai ter de decidir se quer ser uma cidade turística (uma Disneyland), ou se quer ser uma "gateway-city", uma cidade importante nos negócios e um pólo de atração de empresas. Não pode ser as duas coisas.

Nuno Nunes, "head of capital markets" da CBRE

Para a classe média que ambiciona viver no centro da cidade, faz sentido pensar que estamos só a viver uma “febre” e que os preços vão voltar a cair para onde estavam há uns anos? Que, portanto, é só uma questão de esperar uns anos?
Coisas “impossíveis” acontecem todos os dias, mas não é nada provável que isso aconteça. Pode haver um abrandamento, até porque não é possível continuar a crescer ao mesmo ritmo exponencial. Mas eu acho que, mesmo que a procura turística abrande, já passámos o ponto de viragem em que, se forem criadas as condições, já há um interesse enraizado. O que, é claro, em termos urbanísticos, cria um desequilíbrio grande na cidade.

Como se resolve, ou mitiga, esse desequilíbrio. Com regulação?
Não é com regulação do mercado que se consegue resolver esta questão. Há várias bolsas de terrenos dentro da cidade de Lisboa, mas a nossa visão é que a procura que existe é mais do que suficiente para absorver qualquer oferta adicional que surja. Portanto, também não é isso que vai fazer baixar os preços. Dou-lhe um exemplo: há aqui [a sede da CBRE é nas Amoreiras] um terreno perto, ao pé do Hotel Dom Pedro [na Avenida Conselheiro Fernando de Sousa], que tem capacidade de construção para residencial de cerca de quase 70 mil metros quadrados…

De quem é o terreno? Da câmara?
Não, ainda que a câmara também tenha terrenos, como os de Entrecampos (antiga Feira Popular). Este terreno de que falo é um terreno do Novo Banco. Ora, se essa área fosse colocada no mercado, se não houvesse a procura externa, em teoria, isso faria com que os preços baixassem. Mas se alguém promover ali, mesmo que construa de forma massiva, todos os 70 mil metros — 700 apartamentos de 100 metros quadrados — a procura é tanta que também conseguiria vender-se a seis mil ou sete mil euros/metro quadrado. Esse preço está completamente fora da bolsa portuguesa, em média. A família média portuguesa não consegue pagar esses valores, 700 mil euros por um apartamento de 100 metros quadrados. Pensando que esse português tem de pedir um financiamento bancário, tem de ter quase 150 mil euros para dar de entrada e, depois, tem de suportar a prestação…

Se juros subirem rapidamente, mercado pode sofrer abalo

“A longo prazo, e a menos que a zona euro venha a ter um modelo macroeconómico do género do Japão, é pouco provável que esta situação de juros baixos seja sustentável”, adianta o especialista em mercados da CBRE. “Não se prevê que o Banco Central Europeu mantenha esta política por muito mais tempo. Nos próximos 12 a 18 meses deve haver uma inflexão na evolução das taxas de juro e toda a gente já incorporou esta expectativa”, aponta Nuno Nunes, acrescentando que “se, por alguma razão, houver uma subida mais rápida do que o esperado das taxas de juro, o mercado pode tornar-se menos atrativo” em comparação com os outros tipos de investimento, como os mercados de ações ou obrigações.

De que forma é que, se alguém quiser fazê-lo, consegue inverter esse rumo?
É pouco provável que o rumo se inverta, exceto se houver, de alguma forma, uma vontade da câmara, no fundo, de perceber o que é que quer para o desenvolvimento da cidade. Em todas as capitais europeias, os centros (as baixas) são para turistas e pouco mais. Mas as pessoas que querem viver na cidade têm de ter um sítio e a câmara, aí, tem de decidir o que fazer. O perigo de tudo isto é que — é verdade, a regulação vai chegar — mas o perigo é que quando chegar seja tão excessiva, ou tão tardia, que de repente se mate alguma coisa.

O quê?
É certo que todos queremos que cidades como Lisboa e Porto sejam capazes de atrair talento internacional ao mesmo tempo que dão condições e oportunidades para nós, portugueses. Ora, eu acredito que existe um certo estigma contra esses centros de competências, de empresas estrangeiras que vêm para cá: há que lembrar que esses negócios pagam o triplo do que se paga a uma caixa de supermercado. Temos de ter em conta que atrás destes BPOs (business process outsourcing) vem muita contratação de engenheiros e funcionários, incluindo portugueses. Isto tem importância para a economia portuguesa. E muitas destas empresas já estão a ter dificuldades em encontrar espaços em Lisboa, o que explica que alguns estejam a ir para outros locais e para outras zonas como o Porto, Braga.

Como vê, então, o mercado a evoluir nos próximos tempos?
O rumo em que nós vamos é que os escritórios vão continuar a seguir para as periferias — e podemos estar a falar da Expo, de Alcântara. E as pessoas acabam por ter de ir viver para fora do centro — ou seja, nessa perspetiva, nunca seremos como Madrid. Ou, então, há um plano estratégico onde se criam espaços específicos que conjuguem habitação, serviços e negócios que podem fazer com que Lisboa se torne uma cidade interessante no contexto europeu. Para alguém das novas gerações é melhor viver em Lisboa do que viver em Paris — e se eu puder fazer o meu trabalho cá vou querer vir para cá. Ainda ontem estava a discutir a localização de uma multinacional e o primeiro critério para a decisão era “onde é que a malta que vai estar a trabalhar comigo nos próximos 10 anos vai querer estar?”.

Dizia que, mesmo que nova oferta venha para o mercado, será absorvida e os preços não irão mexer. Mas há assim tanto onde construir?
Há algum espaço para construir. Só aqui perto há 140 mil metros quadrados residenciais para construir no Alvito, há 70 mil aqui [na Conselheiro Fernando de Sousa], há cerca de 30 mil ali mais à frente… O terreno existe, algum, mas existe procura suficiente para, se esses terrenos forem colocados no mercado, os negócios fugirem logo do bolso do português normal. O nosso mercado é pequeno — mesmo que construamos, de repente, mil casas… Pense: quantos franceses é que compraram casa no ano passado em Lisboa? Das 20 mil transações residenciais que se acredita terem sido feitas no ano passado em Lisboa, metade foi feita por estrangeiros. 10 mil. Num ano. Por isso é que digo que, por muito que se faça no centro de Lisboa, a procura estrangeira irá absorver.

O que é que Lisboa pode aprender com outras cidades que possam ter passado por situações semelhantes?
Sim, o que está a discutir-se aqui já se discutiu noutros países. Roterdão teve uma situação com algumas parecenças. Berlim também, não sendo o centro financeiro nem industrial da Alemanha, tinha funcionários públicos e turismo mas agora já tem muitas empresas e centros de competência. Os preços também cresceram muito em Berlim e, tal como Lisboa, a câmara tinha terrenos — então disse “Este terreno eu quero habitação a custos controlados para arrendamento” (não estamos a falar de habitação social, atenção), abre-se um concurso, cede-se o terreno por um dado número de anos, o promotor constrói e tem direito a arrendar, dentro de determinados parâmetros. Isso faria sentido, basta pensar que o residencial para rendimento é um dos setores preferidos dos investidores.

Porquê? Porque preferem investir em rendimento e não em construção/venda/mais-valia?
Uma das razões é que as novas gerações têm uma tendência menor para comprar habitação própria. Por outro lado, também se deve ao facto de os custos da habitação nos centros das cidades se ter tornado impossível para boa parte das gerações mais jovens.

Quem é Nuno Nunes?

Nuno Nunes é “head of capital markets” (diretor do departamento de investimento) da CBRE, uma empresa líder em serviços de imobiliário comercial e investimento em todo o mundo.

É licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa e pós-graduado em Finanças pelo INDEG/ISCTE, Nuno Nunes mudou-se para a CBRE em 2015, vindo da AXA Real Estate, onde estava desde 2008. Na AXA Real Estate, tinha funções de gestor de transacções e de activos, sendo responsável por um portefólio de ativos imobiliários avaliado em 400 milhões de euros.

A CBRE, com sede em Los Angeles (EUA), está em Portugal desde 1988 a prestar serviços de consultoria estratégica e mediação em operações de venda e arrendamento de imóveis, promoção, investimento imobiliário, gestão de imóveis, gestão de instalações, gestão de projetos, além de serviços de avaliação e research.

Qual é a alternativa, então, para quem quer cá viver?
Uma alternativa é a criação de muita oferta na periferia. Para um lisboeta é estranho, mas… Eu, por exemplo, moro na margem sul do Tejo. Repare que o Seixal, por exemplo, está a 12 minutos do centro de Lisboa. Para um londrino, numa posição equivalente à minha, há muita gente que vive a uma hora de Londres, do centro, onde trabalham. E são pessoas com muito poder de compra! Quando os estrangeiros olham para Lisboa, é Grande Lisboa. Para nós é que, conceptualmente, não funciona…

É uma questão “conceptual”, então, de cultura? É a cultura que tem de mudar?
Completamente. Eu não acredito que, a menos que haja uma mudança de paradigma, isto é, que surja outra cidade que passe a despertar este tipo de interesse que Lisboa está a despertar, que tão rapidamente os lisboetas possam voltar para o centro. Só se a câmara criar pequenas bolsas de arrendamento dentro do centro, mas seriam sempre coisas pequenas, para jovens, por exemplo. Quem gostava de comprar casa e está a olhar para este mercado, se o objetivo é comprar a casa para viver, o melhor é começar a pensar em não olhar só para o centro de Lisboa, mas admitir alternativas na periferia. Por outro lado, se quer investir, ainda há margem — podemos dizê-lo com alguma segurança — para investir numa casa e fazer um bom negócio.

Viver em Lisboa custa o dobro do que na margem sul

A subida dos valores das rendas é um dos sinais mais claros da mudança dos tempos. Segundo dados divulgados na semana passada pelo INE, a renda média na cidade de Lisboa é de 9,62 euros por metro quadrado, o dobro do que se paga, por exemplo, na margem sul do Tejo. Arrendar uma casa de 100 metros quadrados na Moita ou no Montijo custa menos de 500 euros mas em Lisboa chega facilmente aos mil — e há quem diga que os dados do INE pecam por carência. Cascais tem preços médios de 8,06 euros e Oeiras também já está próximo disso (7,84 euros).

Para a classe média, está fora de questão, certo?
Mas, pergunto: a classe média estava em Lisboa antes? Lisboa tem vindo a perder habitantes desde os anos 60…

Sim, se há 10 ou 15 anos déssemos uma volta no Rossio à noite víamos muito pouca gente…
Exatamente. No centro histórico de Lisboa havia a velhota que vivia com uma renda de dois euros por mês, imensos prédios a ficarem devolutos, porque os donos não os reabilitavam, porque as rendas eram baixas. Foram políticas que conduziram a esta situação, ao longo de várias décadas.

Foi por isso que a cidade foi apanhada desprevenida? Ou, melhor, pouco preparada, como dizia há pouco?
Sim, mas também, há que reconhecer, ninguém esperava este tsunamide procura. O que é certo é que este ciclo trouxe-nos outro leque de investidores e posicionou o nosso imobiliário no radar de muitos investidores, mesmo institucionais. Pelo que, mesmo que o ciclo abrande, já há mais gente e mais entidades a olhar para nós, o que significa que uma eventual queda não será, provavelmente, para os mínimos anteriores.

É uma tendência internacional, na realidade, certo?
Não é só em Portugal, claro. Houve uma série de investidores que, tendo tido experiências más noutros setores, passaram a alocar uma parte maior do capital ao imobiliário. Pensemos numa [seguradora] Prudential, por exemplo, que gere várias centenas de biliões [de euros]: se o imobiliário antes era 5% da carteira de investimentos e passar a 7% — esses dois pontos percentuais significam centenas de milhões de euros que vão para o imobiliário de forma instantânea. E, olhando para as alternativas de investimento, é pouco expectável que retirem peso a este setor. Pelo contrário, todos estes grandes investidores estão é, cada vez mais, a aumentar a exposição ao imobiliário. E o mesmo se aplica ao mercado interno: também houve muita gente a ter ou a assistir a más experiências na banca, por exemplo, e portanto hoje estão a preferir comprar casas.

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