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segunda-feira, 12 de março de 2018

Um certo odor a fascismo no CDS-PP

Publicado por João Mendes

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Assunção Cristas, tal como muitos dos seus principais oficiais, não perde uma oportunidade para aludir ao radicalismo das esquerdas. Para agitar com o papão comunista. Para apelar aos instintos mais básicos do eleitorado, instigando a desconfiança e o medo na sua forma mais primária. Uma constante da vida.

Sempre achei este discurso de uma finíssima ironia. Não porque não exista nos partidos de esquerda o tal radicalismo que lhes é apontado, que é discutível, mas porque o CDS-PP foi precisamente o partido que deu guarida a vários salazaristas no pós-25 de Abril, alguns dos quais exerceram funções governativas durante o Estado Novo. Adriano Moreira, que foi este fim de semana homenageado e aplaudido de pé pelo congresso centrista, foi ministro de Salazar antes de ser eleito terceiro presidente do CDS-PP, entre 85 e 88. E escusado será dizer que alguém que aceita o convite para integrar o governo não-eleito de um fascista opressor valida as práticas em vigor.

Por falar em validar práticas fascistas, Abel Matos Santos, militante e vice-presidente da concelhia de Lisboa, que lidera a Tendência Esperança em Movimento, uma facção interna do partido, apresentou-se ontem a votos para o Conselho Nacional, tendo naturalmente assistido ao esmagamento da sua pela lista de Assunção Cristas, que apesar da vitória folgada (51 em 70 conselheiros eleitos) conseguiu perder três lugares no órgão máximo entre congressos. Filipe Lobo D’Ávila, principal opositor interno de Cristas, que voltou também a apresentar a sua lista ao Conselho Nacional, conseguiu eleger 13 conselheiros, menos três que os 16 que detinha até agora. E quem ficou com esses lugares? A lista de Abel Matos Santos.

Qual é o problema? Nenhum. Da vida interna do CDS-PP sabem os seus militantes, e se cerca de 90 dos 1053 congressistas que ontem elegeram o novo Conselho Nacional decidiram entregar o seu voto ao projecto liderado por Abel Matos Santos, é porque terão bons motivos para isso. Mas importa clarificar quem é e o que defende Abel Matos Santos (AMS), que desde o final deste congresso passa a ser um player relevante no xadrez centrista.

A imagem em cima fala por si. Mas torna-se ainda mais interessante se analisada à luz daquilo que são as traves mestras do movimento liderado por AMS, que se propõe defender “os valores éticos, sociais e democráticos do humanismo personalista de inspiração cristã“, para depois praticar um discurso xenófobo, discriminatório e reaccionário.

Que se afirma defensor do “respeito pela dignidade da pessoa humana e a garantia dos seus direitos fundamentais, a liberdade e o pluralismo“, apesar de ser liderado por alguém que se indigna com “bichas aos beijos” e que considera que comemorar o 25 de Abril equivale a celebrar “a liberdade de abortar” e de “mudar de sexo de manhã e à tarde”. Respeitar a dignidade humana sim senhor, desde que não sejam homossexuais, que esses não são dignos de ser respeitados.

Que alega defender os valores da democracia constitucional, apesar do seu líder que considera que, durante a ditadura fascista, “Portugal era um país a sério, governado por gente a sério“. Qualquer semelhança com o discurso do PNR não será mera coincidência. Como não será coincidência o facto de AMS ser cronista no Observador.

É claro que Abel Matos Santos não é igual Francisco Mendes da Silva ou Pedro Mexia. Mas a ascensão deste movimento no seio do CDS-PP é reveladora do saudosismo que resiste no interior do partido e exala um certo odor a fascismo. Um odor a fascismo que não pode nem deve ser menosprezado numa Europa a braços com novos tiranetes na Polónia e na Hungria, a fazer contas à vida com a ascensão da extrema-direita em vários estados-membros como a Alemanha, a França e a Itália. Talvez fosse prudente para o CDS-PP olhar para dentro e reflectir, antes de apontar o dedo ao radicalismo dos outros. Não vá o Abel apanhá-los distraídos e tomar o partido de assalto.

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