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quarta-feira, 7 de março de 2018

Um pequeno corte às arbitrariedades

por Ana Moreno

Não encontrei (ou por outra, o motor de pesquisa não encontrou) a notícia em nenhum media português; e no entanto, detém forte relevância para os cidadãos europeus. Ontem, o Tribunal de Justiça da União Europeia comunicou a sua decisão no caso Eslováquia / Achmea, relativa à cláusula de arbitragem constante do acordo sobre a protecção dos investimentos celebrado entre os Países Baixos e a Eslováquia. E reza assim: NÃO é compatível com o direito da União.

E porque é isto assim tão importante? Estamos a falar do tema sobre o qual escrevi aqui no Aventar múltiplos posts*: o perverso ISDS (Investor-State Dispute Settlement), o mecanismo arbitral que subtrai a estados soberanos o poder de decisão jurídica, criando uma justiça paralela que outorga amplos direitos a investidores estrangeiros (= multinacionais). Quem diz ISDS, diz o seu mano com pele de carneirinho, o ICS (Investment Court System), contido no acordo de comércio e investimento UE/Canadá, o CETA. O ICS é um ISDS supostamente público e “bom”, pois, absurdamente, passa a ser pago pelos cidadãos. Mas padece das mesmas fundamentais aberrações destinadas apenas e só a apetrechar as multis com uma ferramenta jurídica, superior, executória, para arremessarem aos estados quando estes tomam decisões que não lhes convém. Em Portugal, o retrocesso do governo em relação à EDP quanto às "taxa das renováveis"foi um belo exemplo do chamado “chilling effect” do ISDS, o efeito intimidatório, que actua ANTES de ser aprovada legislação desfavorável às multis.

Mas voltando à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal deu ontem a saber que o ISDS não é legal entre estados-membros da UE, porque “Esta cláusula subtrai ao mecanismo de fiscalização jurisdicional do direito da União litígios que podem ser relativos à aplicação ou à interpretação deste direito” e “Nestas condições, o Tribunal de Justiça conclui que a cláusula de arbitragem constante do TBI viola a autonomia do direito da União e, por conseguinte, não é compatível com este direito.“

Parece que não é nada, mas é: são 196 Tratados Bilaterais de Investimento (esses que garantem o ISDS aos investidores) intra-Estados Membros, que são afectados por esta decisão. No total e a nível mundial os EMs assinaram 1600 TBIs: É toda uma rede armadilhada de justiça paralela, um roubo de soberania, que os governos andam para aí a assinar sem dizerem nada a ninguém. Porque gostam de nos oferecer de bandeja aos predadores.

Esta decisão foi uma vitória para o movimento cívico europeu contra o ISDS e seus derivados. Uma vitória para os cidadãos, que ficaram um bocadinho menos expostos às garras das multis. Lindo, lindo, era que o Tribunal de Justiça, quando se vier a pronunciar sobre o ICS do CETA (processo a decorrer), também o considerasse incompatível com o direito da União. A ver.

Mas a Comissão não dorme na forma e está em vias de obter um mandato para negociar o MIC – o Tribunal Multilateral de Investimento. Uma ideia toda dela, ela que serve as multis, contra os cidadãos.

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