Opinião
28 Março 2018 às 00:01
Polícia de estimação. Bastaria um pequeno "flirt" com a demagogia para antecipar o fim. O sentimento de segurança está umbilicalmente ligado a uma intuição de confiança em relação àqueles que nos tocam sem que saibamos exactamente quem são. No fundo, a confiança no "outro" quando dele se desconhece a emenda mas, por qualquer laço, dele sabemos depender. Ainda está por comprovar que uma noite despida de gente, ao abandono, seja mais securizante para os nossos medos do que uma noite ao abrigo de desconhecidos, habitada. O policiamento um-para-um não acede à confiança quando limita a liberdade. Longe vá o agoiro do triunfo de uma sociedade que desconfie em regime de permanência, olhar a resvalar para o ombro, temerosa do que é diferente ou pouco semelhante. O cinismo mataria a cidadania, o estado policial até baixaria as armas enquanto mostrava os dentes. No entretanto... qual a razão da permanente desconfiança dos cidadãos face a quem os representa, justificação de tantos meios para atingir alguns fins? Porque boa parte da classe política não se tem dado ao respeito após tantos anos de democracia.
Entre a gestão minuciosa de (in)compatibilidades, omissão de ganchos a regra e esquadro, cartões de oferta com recompensa, portas giratórias bem oleadas após a abalada de cargos públicos e "chico-espertismo" pelos pingos da chuva, ergue-se o traço comum da opinião pública sobre a classe. Restabelecer um patamar mínimo de confiança dos cidadãos nos titulares de cargos públicos é um desígnio que vai muito para além da vontade de moralização aparente. A "Entidade da Transparência", apresentada pelo BE e que conta com o previsível apoio do PS e PCP, será um organismo que analisará todas as declarações de interesses e rendimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Na esfera do Tribunal Constitucional, sem excepções. Dos presidentes de Junta de Freguesia ao presidente da República, caminho aberto para o escrutínio da veracidade das declarações entregues, a detecção das irregularidades e o reencaminhamento para o organismo a quem competirá sancionar.
Polícia política. Duas décadas de diplomas e alterações sobre transparência e incompatibilidade não chegaram para que os políticos exigissem dignificar a classe. Merecem o seu polícia de proximidade. Chegou a hora do "ex-arco de governação" recuperar o tempo perdido, tantas vezes gasto na dissecação das alíneas que permitiam olear a porta pública em detrimento da firmeza em honrar os compromissos de que foram incumbidos por voto secreto.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
* MÚSICO E JURISTA
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