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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Algumas coisas que sabemos

por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 26/04/2018)

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Sabemos que Portugal tem um dos níveis de pobreza energética mais elevados da Europa. Um estudo da Universidade de Lisboa concluiu, com base nos dados dos Censos de 2011, que 22% dos idosos não têm possibilidade de aquecer adequadamente as suas casas no inverno. Outro estudo, da Universidade de Oxford, estimou em 2016 que a mortalidade invernal excessiva (excesso de mortes no inverno face ao verificado no verão) regista em Portugal o segundo nível mais elevado entre 30 países europeus.

Sabemos que os preços da energia pagos em Portugal são dos mais altos da Europa. O preço por quilowatt-hora das tarifas básicas é o segundo mais elevado, a seguir à Grã-Bretanha. O peso da despesa com electricidade no salário médio mensal líquido é também o segundo mais alto, a seguir à Bulgária.

Sabemos que, de 2005 para cá, a EDP registou todos os anos lucros superiores a 800 mihões de Euros. Em 2017 foram cerca de 1.100 milhões. A rendibilidade média dos capitais próprios nos últimos cinco anos foi cerca de 12% ao ano, um valor extraordinariamente elevado para uma actividade com um nível de risco baixo. Estes montantes eclipsam o que o Estado recebeu pela alienação da sua participação ao longo das várias fases de privatização.

Sabemos que uma parte importante destes lucros é o reverso da medalha de perdas incorridas pelo Estado, como no caso da prorrogação sem concurso público das concessões do domínio hídrico à EDP, que a REN estima terem beneficiado a empresa, e prejudicado o Estado, em mais de 850 milhões de Euros. Mas sabemos também que uma parte importante tem sido paga directamente pelos consumidores, como sucede com os chamados CMEC, que acrescem às facturas da energia dos portugueses ao abrigo de um regime fabulosamente lucrativo criado em 2004 pelo governo de Santana Lopes a que pertencia António Mexia e alterado em benefício da empresa em 2007 pelo governo de José Sócrates em que Manuel Pinho era ministro da Economia.

Sabemos que, segundo dois pareceres jurídicos do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, os actos administrativos que terão criado uma parte dos CMEC enfermam de vícios formais que implicam a sua nulidade. Terão por isso sido cobrados indevidamente 510 milhões de Euros aos consumidores. Essa é a parte nula, ilegal, das rendas excessivas. A parte ilegítima e imoral é bastante maior.

Soubémos entretanto que o rascunho da resolução do Conselho de Ministros sobre os CMEC aprovada em 2007 terá sido redigido e feito chegar ao governo pela própria EDP. E nos últimos tempos ficámos a saber que, enquanto era ministro e deliberava sobre estas matérias, Manuel Pinho terá alegadamente recebido mais de um milhão de Euros do BES, accionista da EDP, canalizados do saco azul do banco para offshores detidas pelo ministro, para além de ter mais tarde beneficiado das benesses associadas à cátedra da Universidade de Colombia paga directamente pela EDP.

Caberá à justiça estabelecer se, e de que forma, tudo isto está ligado. E espera-se que daí sejam retiradas as devidas consequências, tanto a nível penal como da eventual nulidade de actos administrativos praticados em benefício de interesses privados.

Mas há consequências políticas mais gerais que podemos retirar desde já de toda esta história. Dizem respeito às consequências da promiscuidade entre o poder económico e o poder político em sucessivos governos, ao carácter ruinoso desta e outras privatizações e à urgência de enfrentar seriamente as rendas do sector energético. Quando se transforma a provisão de serviços públicos essenciais numa arena para negociatas, este é o tipo de resultados que se obtém.

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