05/04/2018 by João Mendes
Enquanto escrevo estas linhas, o pedido de habeas corpus do antigo presidente Lula da Silva é votado pelos 11 juízes que constituem o Supremo Tribunal Federal do Brasil. Tudo parece indicar que a matemática final ditará a prisão do metalúrgico que chegou a presidente e que caiu em desgraça por causa de um apartamento que ninguém conseguiu ainda provar ter alguma vez sido sua propriedade. Excentricidades de um estado falhado.
Os juízes do Supremo, que hoje decidem o futuro de Lula da Silva, são os mesmos que, segundo o procurador Delton Dallagnol, que lidera a “força-tarefa” do processo Lava-Jato, “soltam e ressoltam” corruptos poderosos. Os mesmos que ordenaram a libertação de aliados do presidente Temer (também ele investigado por corrupção e arguido por obstrução à justiça e organização criminosa), envolvidos no mediático processo e na Operação Skala. Os mesmos que deram ordem para afastar o senador brasileiro Aécio Neves do cargo, após ser denunciado pelo empresário Joesley Baptista, mas que, apesar da ordem de prisão preventiva, emitida pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, viram um dos seus, Edson Fachin, recusar o pedido de prisão. Fachin que de resto foi um dos juízes que hoje votou a favor da prisão de Lula. Muita ordem e pouco progresso.
O circo brasileiro atravessa um momento singular. A corrupção é transversal a quase todos os partidos, a uns mais que a outros, e a impunidade é quase absoluta. Os juízes, classe que não é imune à corrupção endémica que corrói o Brasil, assumem o papel de justiceiros rockstars, usam as redes sociais para dar largas ao populismo e à demagogia e estão-se nas tintas para a separação de poderes ou para a imparcialidade que deveria nortear o desempenho das suas funções. Existem evangelistas fanáticos, que vivem da fraude, da burla e da mentira, em cargos-chave da nação brasileira. E uma imprensa golpista, órfã do fascismo ao qual viveu encostada durante décadas.
Mas há mais. Como se o incêndio não fosse já de proporções dantescas, num país onde um regime violento de extrema-direita espreita ao virar da esquina, já nem o exército escapa ao espectáculo degradante em que se transformaram os pilares daquilo que resta da democracia brasileira. Primeiro foi o tom intimidatório usado pelo general Villas Boas, comandante do exército brasileiro, que a Amnistia Internacional prontamente condenou por configurar uma forma ilegítima de pressão sobre o poder político, que põe em causa a separação de poderes. Depois foi a reacção do general Paulo Chagas, pré-candidato ao governo do Distrito Federal, cuja resposta ao tweet de Villas Boas pode ser vista em cima. Prepara-te, Brasil: os justiceiros estão a caminho, montados nos seus cavalos e de espada em punho. Tem tudo para correr bem.
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