Novo artigo em BLASFÉMIAS
por rui a.
No dia da mais do que provável prisão de Lula, não duvidando, por um segundo, do seu carácter venal, da justeza e necessidade da sentença, como também tendo a certeza – porque vi – da máquina de corrupção que foi o PT durante os seus anos de governo, e, por fim, não descrendo do rigor processual com que ele foi tratado, quero fazer aqui um louvor a Luís Inácio «Lula» da Silva, por um conjunto de motivos que passo a explicar.
O primeiro de todos foi o facto de Lula da Silva, eleito presidente da República e empossado em 2003, ter feito no seu primeiro governo o exacto contrário daquilo que se esperava dele: um governo moderado, financeira e economicamente conservador, que respeitou o Plano Real e contribuiu, assim, para refrear a inflação. Para o assegurar teve, infelizmente durante pouco tempo, um excelente ministro das finanças chamado Antonio Palocci, que ele colocou nesse lugar. Foi graças a ter mantido a política monetária do país e não propriamente às suas medidas propagandísticas, que a economia cresceu e que o Brasil se desenvolveu por alguns anos. É pouco? Bom, num país da América Latina, naquela altura e com um partido vindo da esquerda radical, o mais provável era ter desfeito tudo o que vinha de trás e ter começado a «construir um país novo». Veja-se, a contra-exemplo, o que foi feito, em situação semelhante, num pequeno país europeu nos últimos três anos…
O segundo facto foi Lula da Silva ter fechado o acesso ao seu primeiro governo da extrema-esquerda, que estava fortemente implantada no seu partido. Inclusivamente, expulsou do PT alguns membros mais radicais, como sucedeu com a célebre Heloísa Helena (que deve estar hoje a rebolar de gozo e a repetir «eu não dizia?»…). É coisa fácil? Num país da América Latina, naquela altura e num partido como o PT? Talvez. Mas tenha-se, mais uma vez a contra-exemplo, o que em matéria parecida foi feito num pequeno país europeu nos últimos três anos…
O terceiro motivo de louvor prende-se com ter conseguido resistir, ao contrário da sua sucessora «presidenta», a intervir na autonomia do Banco Central, tendo nomeado para o garantir um excelente governador, que foi Henrique Meireles, até há dias ministro das finanças de Temer que ajudou a tirar o Brasil do buraco em que se afundava. Também é pouco? Bom, novamente a contra-exemplo, atenda-se às relações entre o governo de um certo pequeno país europeu e o governador do seu Banco Central…
O quarto está em ter exercido o seu primeiro mandato sem complexos ideológicos. Eu mesmo o ouvi, duas ou três vezes, dizendo expressamente que a sua função como presidente da República era «proteger e apoiar o capitalismo [sic] brasileiro». É pouco? Num país da América Latina e num presidente vindo do sindicalismo e líder do PT? Provavelmente. Mas vão lá perguntar aos líderes dos dois partidos da direita do tal pequeno país europeu o que pensam do capitalismo…
Por último, Lula da Silva foi, como chefe do seu país, um incomensurável ladrão, montou uma rede criminosa e, por esses factos, merece ser preso. É certo que, apesar da dimensão gigante da coisa, no Brasil não é nada de novo, nem exclusivo de nenhuma formação política. Isso não o desculpabiliza, nem relativiza a sua culpa. Pelo contrário, agrava-a, porque ele, antes de chegar ao poder, estava mais do que consciente de que o Brasil era assim e prometeu que, com ele, deixaria de o ser. Mas também aqui vale a pena comparar o que se passou, há uns anos, num pequeno país europeu, muito mais polido e civilizado em matéria de corrupção, com alguém que também chegou ao poder para defender os mais pobres e desfavorecidos. E como os defendeu tão bem...
P.S.: Posto isto, apenas para dizer que a prisão de Lula é necessária, justa e higiénica, embora este ambiente de histerismo de turba que, por causa do facto, lá se vive, seja altamente prejudicial ao Brasil, porque esta prisão pouco – ou nada – resolverá. De facto, acreditar que a detenção do líder do PT porá termo ao grave problema endémico da gigantesca corrupção brasileira é meio caminho para que tudo fique na mesma, ou seja, é meio caminho andado para a desgraça. De facto, os «servidores públicos» brasileiros são genericamente corruptos, e essa corrupção ataca o governo federal, os governos estaduais e os municípios (onde existem muitas centenas de milhares de gatunos), e é frequentada por gente de todos, mas de todos sem excepção, partidos políticos. Desse modo, sem uma mudança profunda do paradigma político, que terá que passar necessariamente pela refundação do federalismo, por uma nova Constituição, pelo reforço da segurança pública, por reformas políticas gigantes – como a da segurança social e a tributária, e, também, claro, por um massivo e brutal ataque à corrupção, o Brasil não terá solução. E, mesmo assim, duvido que haja «uma» solução para problemas tão graves quanto aqueles que se vivem nesse extraordinário país. Antes houvesse, que certamente já alguém a teria encontrado.
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