Seis meses antes das eleições, ninguém pode ousar prever onde o Brasil estará em Outubro. A possível prisão de Inácio Lula da Silva agrava ainda mais a incerteza e os ânimos brasileiros.
- 6 Abril, 2018
- Costa Guimarães, em Braga
A polarização que domina a sociedade brasileira desde a reeleição de Dilma Rousseff atingiu um novo patamar nesta quinta-feira (05/04), com o Supremo Tribunal Federal (STF), na prática, colocar Luiz Inácio Lula da Silva à porta da prisão.
Lula é o maior nome da política brasileira nas últimas décadas, vive mais um capítulo do seu inferno pessoal, dentro de uma trajectória de glória e pesadelo sem paralelos na história brasileira.
Alexandre Schossler lembra que, à parte a questão de saber se ele deve ir ou não para a cadeia (as evidências apontam para uma relação promíscua com a construtora Odebrecht), o que preocupa é que efeito essa decisão terá sobre a sociedade brasileira.
Esta jornalista da DW, assegura que, a menos de seis meses das eleições gerais, o Brasil caminha para o caos. Por três razões que “copiamos”.
Primeiro, Lula da Silva é o primeiro nas sondagens, deixando frustrados e revoltados os seguidores, que vêem o “seu” presidente como um prisioneiro político, como Carles Puidgemont, na Catalunha. A situação adiciona um elemento ao clima de intolerância entre apoiantes e críticos, que resvalará para a violência, como mostrou o ataque a tiros contra a caravana do ex-presidente.
Em segundo, os políticos e partidos tradicionais estão descreditados entre os eleitores por causa das acusações de corrupção levantadas na Operação Lava Jato.
Em terceiro, a violência nas grandes cidades alcançou um novo patamar com a intervenção federal no Rio de Janeiro. O assassinato da ativista e vereadora Marielle Franco elevou a sensação de impunidade entre a população.
No meio de tudo isso, há quem defenda a ditadura militar que abre portas à eleição de Jair Bolsonaro.
Ninguém ousa prever que Brasil teremos daqui a apenas seis meses, em Outubro.
Após a decisão negativa na madrugada de 05/04 do Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está a um passo de ser preso.
De vitória em vitória até à derrota final?
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projecção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Departamento Estadual de Ordem Política e Social.
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajuda a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com intelectuais e sindicalistas. Em maio, ao sair do cárcere, é eleito primeiro presidente do partido. O pernambucano ingressa de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
O PT lança a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com a imagem de operário e discurso de esquerda, Lula provoca temor em vários sectores da economia, que se alinharam a Fernando Collor. O sindicalista é derrotado, depois da campanha que envolve acusações de manipulação da imprensa em favor de Collor.
Lula lança, em 1991, o movimento “Fora Collor” em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu à presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas é derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), “pai do Plano Real”.
Em 1998, Lula sofre uma das piores derrotas eleitorais, com vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. O presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53%.
O eterno candidato do PT assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos. A vitória foi alcançada após uma intensa campanha, que vendeu uma imagem mais moderada – no slogan “Lulinha paz e amor” – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
A economia brasileira volta a crescer com Lula, embalada pela descoberta do Pré-Sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
Os programas sociais lançados, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, contribuíram para a popularidade do presidente. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza nos oito anos do governo Lula.
Em 2005, Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. O ministro José Dirceu, uma das figuras do governo, cai em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam “apunhalado”, mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, escolhe a sua chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, tecnocrata sem experiência política. Lula promoveu a imagem de Dilma junto dos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
Em Outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com cancro na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, aparecia sem a barba. Lula voltou e uma das grandes vitórias de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Em Março de 2016, Lula é alvo de um mandado pela Operação Lava Jato, que investiga o escândalo de corrupção na Petrobras: um triplex no Guarujá e a relação com construtoras investigadas na Lava Jato.
Lula foi denunciado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. Lula desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política e nega ser proprietário dos imóveis.
Em Maio de 2017, o ex-presidente se apresentou pela primeira vez como réu perante o juiz Sérgio Moro. Lula nega as acusações e alega estar a ser perseguido politicamente. Exigiu provas de ser dono dos imóveis em Guarujá e Atibaia.
O Caso
Lula e sua família tinham desde 2005 direito de compra de um apartamento (não havia uma unidade específica) no condomínio Solaris, um prédio na praia de Astúrias, no Guarujá. A obra do condomínio era da Bancoop.
Em 2009, a cooperativa dos bancários repassou o empreendimento para a empreiteira OAS em razão de dificuldades financeiras.
A OAS reformou um tríplex do condomínio. Lula chegou a visitar esse imóvel, acompanhado do então presidente da OAS, Léo Pinheiro, em meados de 2014.
A existência do tríplex e a possibilidade de o imóvel ser comprado por Lula vieram a público no final de 2014, em reportagem do jornal O Globo.
Em Novembro de 2015, o ex-presidente e sua família desistiram da compra do imóvel no edifício Solaris. Ou seja, o negócio não foi concretizado. (CF. Entenda o caso do apartamento tríplex)
Lula foi condenado em 12 de Julho de 2017. O juiz Sérgio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Em segunda instância, aumenta a pena para 12 anos e um mês de prisão. É a primeira vez que um ex-presidente é condenado por corrupção no Brasil.
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal negaram um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar a prisão.
As saídas de Lula
Condenado em Janeiro a 12 anos e 1 mês de prisão, Lula ainda tem várias opções legais para tentar anular a sentença, mas elas são rápidas e sem garantias de sucesso.
Que pode acontecer? Pode ser preso? Sim. A dúvida é saber quando isso pode ocorrer. Pode ser nas próximas horas ou demorar semanas. O polémico juiz Sérgio Moro, responsável pelos casos na primeira instância, pode decretar a prisão imediata.
Moro, no entanto, pode preferir o esgotamento completo do processo no antes de decidir. O ex-presidente tem possibilidade de recorrer, até a noite do dia 10 de abril. Pelo histórico, esse recurso será negado, mas até lá o ex-presidente pode ganhar alguns dias ou até algumas poucas semanas até o tribunal decidir e caso Moro decida esperar por essa etapa.
Lula pode apresentar novos pedidos de habeas corpus e recorrer aos tribunais superiores para anular a sentença.
Agora, a defesa de Lula pediu um habeas corpus preventivo, para impedir sua prisão iminente após a condenação em 2.ª instância. Caso seja preso, ele pode apresentar novos pedidos de HC, desta vez para ser solto. Os pedidos podem ser apresentados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF.
A defesa pode solicitar que Lula da Silva cumpra prisão domiciliar. Recentemente, o STF autorizou que condenados como os ex-deputados Paulo Maluf e Pedro Corrêa cumprissem as penas em casa.
Nestes casos, porém, contaram o estado de saúde dos condenados. Maluf, por exemplo, tem 86 anos e é um inválido. Já Lula, com 72 anos, declarou nas redes sociais que está esbanjando saúde, fatores que devem dificultar uma argumentação similar à de Maluf.
A defesa conta com opções para tentar anular a pena, são demoradas, têm pouca garantia de sucesso, podendo se arrastar por anos.
Lula pode recorrer da sentença para o STJ e o STF. Mas esses tribunais não discutem as provas do caso, se Lula, por exemplo, recebeu mesmo um tríplex como suborno. Em jogo estão falhas na tramitação ou se o ex-presidente teve algum direito negado. Se os tribunais entenderem que houve falhas, o processo será anulado e Lula ficará solto.
A anulação das sentenças nos tribunais superiores é raríssima: apenas 0,62% dos recursos analisados pelo STJ resultaram em absolvição.
Como ficou claro no julgamento de Lula, há uma nova tendência no STF sobre o cumprimento de pena a partir da segunda instância.
A questão volta em setembro, quando Cármen vai ser substituída na presidência do tribunal por Dias Toffoli, membro da ala do STF que quer rever a regra. Caso isso aconteça, Lula passa apenas alguns meses preso.
Ao ser condenado por um colegiado de desembargadores, Lula cumpre os requisitos para ser enquadrado na Lei da Registo Criminal limpo. Ele pode registar a candidatura – o prazo é 15 de agosto –, mas corre risco de ter o registo invalidado quando a Justiça Eleitoral analisar o assunto.
Uma decisão final vai depender dos ministros Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas até os aliados de Lula admitem que dificilmente a Justiça vai ignorar as regras da Ficha Limpa para validar o registo. Neste caso, Lula poderá pedir uma liminar ao STJ e ao STF para prosseguir com a campanha.
Se o PT não quiser correr o risco de ter os votos dados a Lula nas urnas anulados, tem que substituir o candidato até 15 de setembro.
Há também uma possibilidade insólita: mesmo preso, Lula pode registar sua candidatura e fazer campanha da cadeia. É possível até mesmo que ele possa ganhar a eleição atrás das grades se conseguir levar sua campanha até o dia da eleição. No caso de ele sair vencedor e sua candidatura ser finalmente rejeitada pela Justiça, os seus votos são anulados, e novas eleições tem que ser convocadas.
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