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quarta-feira, 11 de abril de 2018

Facebook

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

O fundador do Facebook teve hoje uma audição perante o congresso dos EUA. Ouvi boa parte e posso afirmar que foi interessante. Por um lado, ficou claro para mim que as nossas audiências parlamentares são uma miséria, realizadas por deputados geralmente mal preparados, cheias de salamaleques e das quais nada resulta. Nesta audiência, houve questões duras e Zuckerberg ocorreu em várias mentiras. Por exemplo, afirmou que o Facebook apaga os dados dos utilizadores quando estes apagam a conta, que o Facebook não vende os dados dos utilizadores e que os dispositivos móveis não recolhem dados indevidos dos utilizadores (p. ex. registo das chamadas telefónicas), o que não é verdade. Vamos ver no que daqui resulta.

Por outro lado, foi possível constatar, novamente, que Mark Zuckerberg não passa de um puto que fundou uma empresa para se meter com as miúdas, facto que o tornou multi-milionário. Concretamente, todo o seu discurso maniqueísta, os pedidos de desculpas e as mentiras (que serão agora, possivelmente, usadas contra o Facebook) revelam a personalidade de alguém impreparado para ter o dedo no gatilho de uma arma destas.

Será interessante observar em que medida esta audiência irá alterar algo quanto ao uso dos dados pessoais dos utilizadores. Há uma diferença fundamental entre a Europa e os EUA. Na primeira, os dados pessoais são encarados como sendo uma extensão da própria pessoa, a ela pertencendo. Já na América, os dados pessoais são propriedade da empresa que os recolhe. Por isso tem sido possível, legalmente, empresas como o Facebook fazerem coisas que, entre nós, seriam ilegais. Curiosamente, como a sede da empresa não está na Europa, tem havido alguma permissividade quanto à aplicação da legislação neste lado do Atlântico.

A questão é muito mais complexa do que o habitual argumento que por vezes é usado "é uma empresa privada e só tem conta no Facebook quem quer". Na verdade, o Facebook tem muitos dados sobre pessoas que nunca tiveram Facebook e isso acontece porque a ferramenta incentiva os utilizadores a permitirem o acesso à sua lista de contactos, seja e-mails, seja agenda telefónica, como forma de "ajudar" a encontrar amigos. Com esta técnica, o Facebook saberá de imediato o nome, email, telefone, morada e toda a restante informação que a agenda de cada utilizador contenha. O que inclui, potencialmente, pessoas que optaram explicitamente por não usar o Facebook. Mas o que esta rede social sabe sobre essas pessoas não fica por aqui. Nos telemóveis com Android, quando o Facebook pede para aceder à agenda telefónica, ganha (ganhava; isto já foi corrigido) acesso às chamas e SMS do utilizador, algo que o Facebook usou para registar quem telefonava a quem, a que horas e durante quanto tempo. Idem para as SMS. E fê-lo sem dar uma única pista de que o iria fazer. Este acto, além de ser um abuso da permissão dada pelo utilizador, regista, potencialmente, dados de pessoas que optaram por não usar o Facebook.

Há um enorme fosso onde cai a ética destas novas empresas que têm como modelo de negócio espiar as pessoas por forma a vender publicidade a elas direccionadas. Não se trata apenas do Facebook, mas sim de todas estas .com que "oferecem" produtos gratuitos. Na verdade,  não estão a oferecer coisa alguma. Apenas estão a lançar mel para atrairem utilizadores, pois estes são a matéria prima para o seu negócio. Um cidadão holandês quis saber quanto valiam os seus dados pessoais e fez um leilão para os vender. Conseguiu 350€. Outros conseguiram mais dinheiro, havendo quem passasse os 2700 dólares, mas teve que partilhar o que escrevia, os movimentos do rato e o seu ecrã a cada 30 segundos. Muito ou pouco, o certo é que estes dados têm um certo valor comercial, pelo que fica claro que o serviço não é gratuito - é pago com matéria prima.

Muitas pessoas não se importarão com a cedência dos seus dados pessoais. Possivelmente, já têm diversos cartões de pontos de supermercados, bombas de gasolina e de milhas de voos. Mas há quem preferia não estar nesse grupo e não se deve permitir que uma empresa possa recolher dados sobre essas pessoas. Isto é algo que tem que ser corrigido e deverá ter consequências por ter sido feito. Nem que tal signifique o desmembramento de empresas. Quando a Microsoft era um monstro monopolista, esta foi partida e daí não veio mal ao mundo. Permitiu, até, que outros monstros surgissem, tal como foi o caso da Google.

Vamos, portanto, ver o que sairá desta audiência. As peças do xadrez estão em movimento. Esta jogada poderá ter mais alcance do que se vislumbra, nomeadamente pela destruição da ferramenta que deu a vitória a Trump. Sim, porque há muito de política neste tabuleiro. Não terá sido, certamente, um súbito acesso de decência que terá invadido o Senado americano. Tanto Republicanos, como Democratas, estão insatisfeitos com o Facebook. Os primeiros porque a rede  censurou conteúdos da direita mais estrema e os segundos porque acham que a vitória de Trump aconteceu por causa do Facebook.

Seja o que for, uma alteração radical e perda de força da empresa de Zuckerberg só fará bem ao mundo. O Facebook, e demais .com, tem uma estratégia de emparedamento da Internet. Por exemplo, é difícil encontrar um post do Facebook fora deste. E, adicionalmente, Google e Facebook controlam o mercado publicitário mundial. Portanto, menos poder para estas empresas só poderá ser saudável. É um caso a seguir, a começar pelas bolsas de amanhã.
Na imagem: momento em que um dos senadores mostra um extracto dos termos de serviço do Facebook, depois de Zuckerberg ter afirmado que a empresa não vendia os dados dos utilizadores 

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