Posted: 24 Apr 2018 01:40 AM PDT
Paremos para pensar.
Dois senhorios são proprietários de dois prédios iguais para arrendamento e praticam a mesma renda. O senhorio "mau" decide aproveitar para fazer arrendamento de curto prazo. Isso permitirá um aumento mais rápido das rendas, com potencial despejo de quem não aceite. O senhorio "bom" faz um arrendamento de longo prazo com aumentos mais condicionados de renda e com uma manutenção dos inquilinos.
O Governo quer transformar o senhorio "mau" em "bom", graças a uma descida para metade do IRS sentido pelo senhorio "bom".
Quando é que isso acontecerá?
Leitura de economista: o senhorio "mau" vai querer ser "bom" se a redução fiscal for superior ao que ganharia com os sucessivos aumentos de renda. Isso quer dizer que a medida só será eficaz se o aumento da renda praticado pelo senhorio "mau" for inferior a um certo limiar abaixo do qual ele sente que há mais vantagens em ser "bom". Exemplo: se a renda inicial fosse de 200 euros e o senhorio bom aumentar para 250 euros (mais 25%) e o senhorio "mau" para 300 euros (mais 50%), os rendimentos disponíveis dos dois senhorios assemelham-se. Mas se o senhorio "mau" aumentar para 400 euros, já ganha mais com o aumento do que ser senhorio "bom".
Se o senhorio "mau" achar que quer continunar a ser "mau" - ou mesmo "muito mau" - tenderá a aumentar mais o valor da renda, para lá desse limiar. Até porque tem procura para tal, vinda do estrangeiro. Por outras palavras, a medida pode ter o efeito perverso de conseguir o contrário do desejado e não suster o aumento das rendas.
Segunda questão. Por que razão decidiu o Governo desagravar a tributação dos senhorios "bons" e não agravar a dos senhorios "maus"? É que ao fazer isso, vai criar desigualdades fiscais relativamente a outros tipos de rendimentos.
Os rendimentos do trabalho e das pensões, por exemplo, chegam a ter taxas de tributações marginais três vezes superiores aos dos senhorios "bons". Há rendimentos de capital que ficam a acima da taxa sentida pelos senhorios "bons". Está o Governo a querer fazer transferir os trabalhadores por conta de outrem, pensionistas e detentores de outro tipo de capital para os transformar a todos em proprietários prediais "bons"?
Não sei porquê, mas parece que as coisas não terão sido suficientemente pensadas, de forma articulada.
Os limites de José Rodrigues dos Santos
Posted: 24 Apr 2018 12:43 AM PDT
O jornalista e pivot da RTP José Rodrigues dos Santos (JRS) decidiu, ele próprio e por duas vezes (a primeira a 18/4/2018), nomear em directo o recém-nomeado Míguel Díaz-Canel como o “novo ditador” de Cuba.
A referência deu azo a uma polémica nas redes sociais. Em sua defesa, surgiu a ideia: Mas se é verdade, por que não dizê-lo? A resposta a essa questão é, obviamente, muito mais complexa do que aparenta.
Por que será ele um “ditador”?
É porque não há eleições ou partidos? Todos nós conhecemos países no mundo em que há partidos e eleições e se está longe de haver democracia... Nem é preciso ir mais longe: basta lembrar Portugal antes do 25 de Abril. Regularmente, o regime deixava constituir-se listas da oposição, mas a ditadura fazia-se sentir de outras formas: recenseamentos adulterados e limitados a uma minoria da população, sistema eleitoral sem representatitividade, repressão da oposição, violações várias aos direitos essenciais, etc., etc.
Será ele “ditador” porque a opinião não é livre e se pode ir parar à prisão por a expressar? Mas essa foi a situação comum em tantos países do mundo! Até acontece actualmente em Espanha e, que eu me lembre, JRS nunca chamou “ditador” a Rajoy...
Será ele “ditador” porque quem exerce o poder não é o povo soberano desse país, que não determina as regras de funcionamento social do país? Mas se assim é, nem precisamos de ir mais longe: falemos da moeda única, falemos do Tratado Orçamental, do Semestre Europeu, de todo o edifício europeu que conduz à centralização de decisões e de poderes num conjunto muito reduzido de pessoas na União Europeia, sem que se perceba – e sem que se consiga averiguar – quem exerce efectivamente o poder. E que eu saiba, nunca fui chamado a sufragar essas decisões. Para mim, trata-se de um golpe de Estado "constitucional".
E depois um “ditador” nunca está sozinho. A pessoa escolhida geralmente constitui apenas a cara de um sistema de forças que o colocou lá e que o mantém até que não seja necessário. E esse sistema de forças não é apenas nacional. É necessário haver cumplicidades internacionais que o favoreçam, caso contrário ele será deposto a pretexto, precisamente, de ser um ... “ditador”. Limitar toda esta situação a um mero papel de pacotilha de uma pessoa, é extremamente redutor e pobre.
Como é redutor e simplista abordar desta forma a situação política de países que tentaram afastar-se de uma lógica do sistema capitalista e que respondem a um desafio tremento: como é possível manter vivo um regime alternativo, cercado e atacado pelo mundo circundante? É um bom tema de discussão, e que tem passados terríveis (como o tem o regime capitalista mundial), mas que vai muito mais além da simplista formulação de "ditador"...
Aliás, interessante porque se bem se recorda, em 1959, Fidel Castro - após a revolução dos barbudos massivamente apoiada pela população - foi aos Estados Unidos pedir ajuda para o novo regime e os Estados Unidos recusaram-na, obrigando Cuba a recorrer aos países socialistas.
Mas se o apego de JRS é à verdade, nesse caso deveríamos exigir dele que adjectivasse um pouco mais quando menciona outras pessoas: o “mentiroso” Passos Coelho – que fez uma campanha eleitoral sabendo que ia aplicar um programa totalmente diferente; a “incompetente” troica que não entendeu que o seu programa nunca poderia ser eficaz; a “despudorada” e "ditadora" Merkel que sabia que estava a exigir “resgates” à Grécia e a Portugal que nunca poderiam ser pagos, que iriam condenar à pobreza milhões de gregos e portugueses, apenas para salvar os donos dos bancos alemães e franceses; o “vendido” Juncker que fixou acordos de baixa tributação com multinacionais em detrimento do comum cidadão; o no mínimo “incompetente” governador do Banco de Portugal que, já quando estava no BCP, era director do departamento internacional e desconhecia a existência de 17 veículos financeiros criados para empolar a cotação do banco ou, quando já estava no Banco de Portugal, deixou Ricardo Salgado à frente do banco, permitindo-lhe desfalcar o banco antes da intervenção pública... E a lista – como se imagina - poderia prosseguir.
Mas que se saiba JRS nunca teve o apego à verdade de os chamar assim. Apenas porque essa adjectivação vai contra as suas próprias opiniões. E esse é o risco da adjectivação: é que geralmente tende a privilegiar os nossos pontos de vista e a subavaliar os outros. Ou seja, a questão é que JRS está usar a sua posição de pivot para expressar os seus pontos de vista, quando a sua função deveria ser outra.
JRS sabe bem melhor o que é a televisão pública para estar a ter um ataque de teimosia que apenas mancha a televisão pública e o prejudica a ele.
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