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quinta-feira, 31 de maio de 2018

Entre o medo de um palpite e a responsabilidade da liberdade

Ladrões de Bicicletas


Entre o medo de um palpite e a responsabilidade da liberdade

Posted: 30 May 2018 07:50 PM PDT

«Senhoras e senhores deputados, o que cada um e cada uma de nós tem hoje que decidir é se se deixa tolher pelo medo ou se assume a responsabilidade de adotar uma lei que, de maneira equilibrada, razoável, prudente, respeite a decisão de cada pessoa. O que cada um e cada uma de nós tem hoje que decidir é se escolhe a prepotência de impor a todos um modelo de fim de vida que é uma violência insuportável para muitos ou a tolerância de não obrigar seja quem for e permitir ajudar a antecipar a morte àqueles para quem a continuação da vida em agonia se torna uma tortura. O que faremos hoje é portanto, cada um e cada uma de nós, uma escolha sobre a liberdade de todos. (...) O que cada um de nós votará no fim deste debate são projetos que convergem no essencial e que têm um conteúdo muito preciso. E não cenários inventados, que não cabem nesse conteúdo.
(...) Como aconteceu em tantos outros momentos de alargamento dos direitos, há quem nos queira agora desviar de uma decisão ponderada, ameaçando com o risco de um desvario social, traduzido em outras leis que - dizem-nos - hão-de vir. Mas o que esses arautos do medo e esses cultores da desconfiança não dizem é que os projetos que hoje votamos qualificam como crime todos os cenários de desvario que eles próprios, e só eles, antevêem. O que eles não dizem é que os mecanismos de controlo que o projeto do Bloco de Esquerda e os demais projetos consagram, têm em vista precisamente impedir qualquer possibilidade de legitimar a antecipação da morte para situações diferentes das que a lei acolherá. Por outras palavras, não é sobre estas propostas que se pronunciam esses arautos do medo. Pronunciam-se sobre outras, que adivinham que virão. Palpita-lhes que essas propostas, que adivinham e que virão, serão perversas. E querem-nos amarrar ao seu palpite e fazer do seu palpite o fundamento de uma estratégia criminal. Cabe a cada um e a cada uma de nós escolher entre o medo de um palpite e a responsabilidade da liberdade. Esses que, em nome de um atávico medo da liberdade da decisão de cada um, nos querem tornar prisioneiros de uma vida biológica, que espezinha a nossa vida biográfica, são muitas vezes os mesmos que criticam o projeto do Bloco de Esquerda e os demais projetos, por supostamente não respeitarem a autonomia das pessoas e darem poder demais aos médicos. Estranha e terrível ironia esta, de quem, para manter o imperativo da sua visão particular do fim da vida no Código Penal, tanto repudia o acolhimento da autonomia de decisão como repudia a regulação da expressão dessa mesma autonomia.
(...) Este é o momento de darmos prevalência à liberdade sobre o medo. Este é o momento de darmos prevalência à tolerância sobre a prepotência. Fizemos escolhas assim, no passado. E aos que então quiseram amedrontar o país, com a sombra de supostos retrocessos civilizacionais, nós sempre respondemos com a demonstração prática de que não foram retrocessos mas avanços. Aos que nos quiseram travar com o anúncio de rampas deslizantes da indignidade, nós sempre respondemos com a demonstração de que a rampa da afirmação dos direitos e da dignidade é sempre ascendente. Este é o desafio que cada um de nós tem hoje diante de si. Saibamos dar-lhe a melhor resposta. E essa só pode ser a do respeito por todos, na tolerância sobre a escolha de cada um.»
Da intervenção de José Manuel Pureza, a ver na íntegra, no debate sobre a morte medicamente assistida.

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