Novo artigo em BLASFÉMIAS
por Sérgio Barreto Costa
Chico Buarque, o homem que eu gostaria de ser e que a minha mulher, as minhas amigas, as minhas vizinhas, as minhas colegas de trabalho e todas as restantes senhoras com quem me cruzo no dia-a-dia gostariam que eu fosse, está em Portugal. Não tendo conseguido arranjar bilhetes para os concertos, tive de me socorrer de outros meios para esclarecer a “questão essencial”: afinal, qual das versões de “Tanto Mar” foi oferecida ao Coliseu do Porto? A primeira, que até Jaime Nogueira Pinto deve trautear no banho quando está distraído? Ou a segunda, que os esquerdistas mais duros cantam a plenos pulmões em estado de atenção plena?
Comecemos por relembrar a história: após o 25 de Abril, Chico Buarque compõe uma pequena (em duração) e lindíssima (não sabe fazer outras) música a homenagear a festa da liberdade em que Portugal estava mergulhado, realçando a diferença entre a primavera democrática que nos tinha atingido e a doença ditatorial que continuava a assolar o Brasil; em 1978, vendo que a deriva bolchevique iniciada em 1975 tinha sido interrompida pelo 25 de Novembro, sente-se obrigado (palavras do próprio) a alterar a letra, passando a referir a festa como um acontecimento do passado que alguém tinha tratado de estragar. Chico ainda mantém algumas esperanças revolucionárias (“… certamente / esqueceram uma semente / nalgum canto do jardim”), mas o verso “já murcharam tua festa, pá” revela bem o desgosto presente nesta segunda versão.
Felizmente, de acordo com os relatos do concerto do Porto, o artista brasileiro reconciliou-se com a normalidade democrática do nosso país e percebeu que murchar certas festas é a atitude mais correcta. Tal como vemos nos filmes sobre adolescentes, a chegada da polícia à festa caseira que se desenrola durante a ausência dos progenitores pode salvar muita louça e, no limite, a própria casa. E quem diz polícia diz as tropas de Jaime Neves e de Ramalho Eanes.
Sim, Chico Buarque cantou aos portuenses a primeira versão de “Tanto Mar”. E eu, fazendo minhas as palavras da canção, fico contente.
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