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quinta-feira, 12 de julho de 2018

Brasil: qualquer semelhança com um Estado de Direito é pura coincidência

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 11/07/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

No último domingo o juiz desembargador Rogério Favreto, do TRF-4, mandou soltar Lula da Silva, respondendo positivamente a um pedido de habeas corpus. Esta decisão nada teve a ver com qualquer avaliação da culpa ou inocência do ex-presidente. O juiz apenas respondeu positivamente a três peticionários que são deputados do PT por considerar, e bem, que Lula está ilegalmente preso, já que a Constituição da República diz que “ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, o que não é o seu caso.

Umas horas depois, o juiz Sérgio Moro (que no estanho funcionamento do sistema judicial brasileiro consegue estar presente em todos os momentos deste processo) determinou que o desembargador de plantão não teria competência para conceder a liberdade e que a decisão tinha de passar para o juiz Greban Neto, também do TRF-4. Greban, relator dos processos Lava Jato, avocou para si a competência do habeas corpus e determinou que não fosse cumprida a decisão de Favreto. Favreto voltou a emitir novo despacho, reafirmando a sua decisão, mas a libertação foi anulada pelo presidente do TRF-4.

Dados importantes: Favreto tem ligações ao PT (a relação próxima entre partidos e magistrados parece ser banal no Brasil); contrariou a avaliação do Supremo Tribunal Federal (que de uma forma igualmente atabalhoada aceitou a prisão depois de condenação em segunda instância, contrariando de forma descarada o que está expresso na Constituição); e o juiz Greban Neto, que teria o poder de reverter a decisão de Favreto, tinha de esperar pelo momento em que este deixasse de estar de turno (a informalidade com que o fez deveu-se a uma mera gestão dos efeitos mediáticos de uma libertação de Lula).

Em resumo: no mesmo dia, um juiz de plantão próximo do PT aceitou um pedido de habeas corpus, contrariando uma decisão claramente inconstitucional do Supremo; outro juiz que aparece em todos os momentos do processo contra Lula decidiu irregularmente que esta decisão não era para cumprir; um terceiro juiz do mesmo tribunal, que estava de férias, interrompeu-as e anulou a decisão do primeiro; este reafirmou a sua decisão; e o presidente, qual chefe deles todos, anulou a decisão do juiz que estava de serviço. Tudo isto se passou num domingo, sem recursos, regras processuais claras ou burocracias. Qualquer semelhança do funcionamento da justiça brasileira com o sistema judicial de um Estado de Direito é, neste momento, pura coincidência. Tudo o que se passa nos tribunais brasileiros e que tenha a ver com Lula está no domínio do combate político.

DUAS COISAS QUE PARECEM ÓBVIAS:

A primeira é que há um esforço hercúleo para que o processo do ex-presidente Lula da Silva nunca saia do raio de influência de uma mesma pessoa, desde a acusação até às eleições. E isso é, no Brasil ou em qualquer parte do mundo, um enorme perigo. Ao olhar para tudo o que tem acontecido, é impossível não constatar o empenho político e pessoal de Sérgio Moro, que anda pelo mundo a exibir-se como estrela mediática e dirige-se aos brasileiros como se fosse um militante, na condenação deste réu. Não discuto aqui a justeza da decisão tomada pelo desembargador Rogério Favreto. Tudo indica que também ele agiu por motivação política. Mas em Estados de Direito magistrados não anulam decisões de outros sem darem os devidos passos processuais. E muito menos interrompem férias para reverter, em horas, a decisão de um juiz de turno porque não gostaram dela ou a consideram ilegítima. A informalidade é o oposto da justiça.

A segunda é que a total insegurança jurídica que se vive no Brasil resulta da instrumentalização política do sistema judiciário e facilita essa instrumentalização política. A grande conquista de Sérgio Moro não foi, ao contrário do que a sua postura justicialista prometia, a moralização da democracia brasileira. Foi o caos judicial, a partidarização da justiça e um país sem os instrumentos do Estado de Direito a funcionarem regularmente. O resultado é que nenhuma instituição do Estado brasileiro é hoje respeitada. Quando isso acontece, sabemos o que vem depois: perante o caos, o Brasil está à beira de um golpe de Estado. E a militância irresponsável de magistrados transformados em estrelas políticas tem uma enorme responsabilidade nesta destruição da jovem democracia brasileira.

Se alguém acreditava que estávamos perante um processo judicial normal, com garantias de independência e defesa para os acusados, o caricato episódio do último fim de semana confirma a ingenuidade dessa ilusão. Há muito que a justiça brasileira se deixou engolir pelo confronto político e passou, graças à vaidade de alguns magistrados, a ser um instrumento partidário.

No Brasil, o Estado de Direito está em coma. Falta a intervenção militar para desligar definitivamente a democracia da máquina que a mantém artificialmente viva.

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