Translate

terça-feira, 17 de julho de 2018

Entre as brumas da memória

Masoquismo ou autofagia?

Posted: 16 Jul 2018 11:59 AM PDT

.

Manuel António Pina sobre Rui Rio

Posted: 16 Jul 2018 09:03 AM PDT

Ter um blogue/baú tem muitas vantagens. Hoje descobri que, exactamente há 8 anos, Manuel António Pina publicou uma deliciosa crónica a propósito da recusa de Rui Rio dar o nome de Saramago a uma rua no Porto. O que ele não escreveria agora sobre o novo líder do PSD…

«Noticia o JN que Rui Rio mais os seis vereadores da coligação PSD/CDS que manda na Câmara do Porto chumbaram uma proposta do vereador Rui Sá, da CDU, no sentido de ser atribuído o nome de José Saramago a uma rua da cidade.

Não custa a crer que Rio e os "seus" vereadores estejam a ser injustamente acusados de mesquinhez e que a responsabilidade do sucedido caiba, sim, ao vereador Rui Sá.

Com efeito, este terá dado por assente que Rio e o PSD/CDS soubessem quem foi José Saramago, não tendo tido o cuidado de lhes explicar tratar-se de um escritor português recentemente falecido, Prémio Nobel da Literatura (o único Nobel da língua portuguesa).

Se o tivesse feito, decerto Rio exclamaria "Ah, sim? Não me diga!", logo votando favoravelmente a proposta, seguido em ordem unida por todo o pelotão PSD/CDS.

Quando, daqui a uns anos, Rui Rio (quem?) for recordado como um camarário do tempo de Saramago que tentou impedir que o seu nome fosse dado a uma rua do Porto (assim como um tal Sousa Lara ficou conhecido por ter censurado "O Evangelho segundo Jesus Cristo"), era bom que se contasse a história toda.»

(Quanto ao link para o texto no JN, que eu tinha no blogue, perdeu-se no limbo dos jornais, que não respeitam o seu próprio passado.)

.

Áustria versus China? O mundo como nunca o imaginámos

Posted: 16 Jul 2018 06:28 AM PDT

L’Autriche passe à la journée de travail de douze heures.

«Si la durée légale de travail reste normalement fixée à huit heures par jour et quarante heures par semaine, la nouvelle loi permet des dépassements jusqu’à douze heures quotidiennes (au lieu de dix) et soixante heures hebdomadaires (au lieu de cinquante).»

Entretanto na China:

Think-tank de ciências sociais pede quatro dias de trabalho por semana até 2030.

«A Academia Chinesa de Ciências Sociais propôs uma semana de trabalho de quatro dias ou 36 horas para os funcionários na China, a ser implementada até 2030.»
.

O cisne negro

Posted: 16 Jul 2018 03:30 AM PDT

«Donald Trump representa um acontecimento extremo, imprevisível, que desfaz os esquemas estabelecidos e põe em causa a própria noção de Ocidente.

1. Donald Trump é um “cisne negro”. Cisne negro (Black Swan, 2007, e Dom Quixote, 2011) é o título de um livro do epistemólogo e matemático libanês Nassim Taleb sobre os riscos e a incerteza. O cisne negro é um acontecimento extremo, imprevisível e que desfaz os esquemas estabelecidos. A metáfora de Taleb inspira-se na avis rara do escritor latino Juvenal, numa época em que todos os cisnes eram brancos. A descoberta de um cisne negro na Austrália, no século XVII, desintegrou aquela convicção milenar. O cisne negro é um acontecimento “aberrante” e que muda tudo. Pode ser um cataclismo ou uma invenção. Taleb dá como exemplos a Internet, a I Guerra Mundial, a queda da URSS ou o 11 de Setembro.

Podemos argumentar que não é Trump quem muda o mundo e que foi uma imprevista mudança do mundo que o fez chegar à Casa Branca. O certo é que só depois dele podemos procurar causas ou explicações. A Europa estava preparada para gerir crises na “normalidade”, mas a chegada do cisne negro mudou o quadro.

2. Trump despreza os aliados, mostra deferência perante os inimigos e aprecia os “homens fortes”. Na cimeira da NATO confirmou o seu papel de demolidor da “velha ordem” nascida da II Guerra Mundial e do seu sistema de alianças. A sua “América forte” implica a renúncia à própria liderança americana na “ordem mundial”. Não representa o que o establishment político-militar americano pensa: é o que o Presidente faz.

Como olhar Trump? O primeiro risco é segui-lo na anedota e no teatro com que distrai os seus críticos. Edward Luce, chefe da delegação do Financial Times em Washington e autor de um livro sobre Trump (The Retreat of Western Liberalism, 2017), faz um aviso: “Quanto mais Donald Trump denigre a NATO maior é o escândalo que provoca na Europa. A moral faz-nos sentir bem. Mas também pode provocar cegueira intelectual.” Os democratas americanos preferiram a “justa indignação à clareza analítica”. Acreditaram, por exemplo, que as mulheres jamais votariam Trump. Enganaram-se. “Os Estados Unidos nunca retirarão as tropas da Europa, dizem em Bruxelas. Mas Trump pode fazer exactamente isso. Qual das margens do Atlântico teria mais a perder?”

“Ele inventa os seus próprios factos” e, instintivamente, sabe visar os pontos vulneráveis do interlocutor, insiste Luce. Sabotar as alianças diminui a força da América. “Mas o maior perdedor é a Europa. A sua sobrevivência depende da garantia americana.” A Rússia não só ameaça a sua fronteira oriental como interfere activamente na tentativa de desagregação da UE a partir do Leste, dos populismos nacionalistas e, inclusive, das tentações autoritárias.

Conclusão: “A América liberal encarou Trump literalmente mas não seriamente. A Europa não deveria repetir este erro.” Acabou o mundo pós-1945. Merkel reconheceu, em tom pessimista, que a Europa tem de tomar o destino nas suas mãos. É mais fácil fazer diagnósticos do que indicar a terapia. Mas com Trump, e provavelmente mesmo depois de Trump, mudou a aliança.

3. A Europa está dilacerada por surtos populistas e pela reemergência de nacionalismos. A noção política de Ocidente está a dissipar-se. Depois da crise económica de 2008, a questão migratória mudou as dinâmicas políticas na Europa. A ascensão ao poder dos populistas italianos é um potente acelerador.

Mas como entram aqui Trump e os Estados Unidos? Trump apoiou o "Brexit" e denuncia o "Brexit soft" de Theresa May. Apreciaria um enfraquecimento da UE que lhe permitisse negociar bilateralmente com os europeus. A simples existência de Trump é um incitamento aos populismos eurocépticos. Beppe Grillo, Matteo Salvini, Viktor Orbán ou Marine Le Pen exultaram com a sua vitória em 2016. Tinham razão.

“Trump não pensa no fim do Ocidente”, afirma o politólogo búlgaro Ivan Krastev. “Quer redefini-lo: o Ocidente, para o chefe da Casa Branca e para [o seu ideólogo] Steve Bannon, não é bem uma aliança política, é antes de mais uma entidade cultural fundada sobre a cristandade. O que coloca a Turquia de fora, mesmo se da NATO, mas inclui a Rússia.”

“O Ocidente é um conceito, não uma localização”, escreve Bill Emmott, antigo director da Economist. Foi “a ideia política com maior sucesso no mundo”. É este Ocidente — que, para lá da geografia, pode incluir o Japão — aquilo que hoje está em causa. Trump abandonou a liderança da ordem mundial que os EUA inventaram e criou um vazio. “Alguns temem a China enquanto potência ascendente”, escreve Luce. “Mas é o caos, e não a China, quem mais provavelmente ocupará o lugar da América.”

4. Acabou também o mundo pós-1989, o breve tempo em que o modelo da democracia liberal se expandia. Hoje, este modelo é desafiado por modelos autoritários, como os de Xi Jinping e Putin. Pelo mundo fora, cresce a lista dos autocratas. E o apetite por “homens fortes”, que garantam “segurança”, não é já estranho à Europa. É o modelo de Budapeste.

“A Rússia assombra a imaginação ocidental”, observa Krastev. “O que causa ansiedade no Ocidente liberal não é que a Rússia governe o mundo, mas que o mundo seja governado da maneira que a Rússia o é hoje. O que perturba é que o Ocidente possa começar a parecer-se com a Rússia de Putin, o que não estávamos prontos a reconhecer.” O ideólogo russo Alexander Dugin, que costuma estar um passo à frente de Putin, não esconde os desígnios: “A Itália é o início da grande revolução populista que mudará o mundo. (...) Os populismos destruirão esta União Europeia.”

Nunca nada está garantido. Por isso é inevitável olhar de frente os efeitos do cisne negro. São factos. Os novos desafios dizem que acabou o tempo em que a Europa pensava muito em economia e pouco em segurança. Mudar este paradigma é, aliás, a chave para estabelecer novas relações com os Estados Unidos. Numa perspectiva histórica, dir-se-á um dia que cisne negro acabou por ser um bem?»

Jorge Almeida Fernandes

Sem comentários:

Enviar um comentário