por estatuadesal
(Ângela Silva, in Expresso Diário, 14/11/2018)
(Com a comunicação social entupida pela novela do Bruno de Carvalho, se tomou banho, se é terrorista ou se fez a barba para se apresentar ao juiz, Marcelo falou para os peixes, qual Santo António. Mas falou mesmo e mandou recados à esquerda e à direita.
Algumas das frases são meias cabalísticas, mas nada como recorrer a quem, nos últimos tempos, tem tido o privilégio de fazer as "interpretações autênticas" do pensamento e das manobras de Marcelo. Refiro-me à cronista Ângela Silva do Expresso que assina este texto.
Também eu faço a minha leitura dos "recados" de Marcelo mas não irei desenvolver agora o tema. A seu tempo o farei em texto próprio.
Comentário da Estátua, 14/11/2018)
De tempos a tempos, Marcelo Rebelo de Sousa salta do (seu) falar de todos os dias, em que multiplica mensagens a propósito de quase tudo, para um discurso de fundo destinado a deixar rasto. Foi isso que o Presidente fez terça-feira, em Porto de Mós, onde foi convidado pela Fundação Batalha de Aljubarrota para falar sobre “Portugal Independente - A partir da sua história, que futuro desejável para Portugal?”.
Cenário e tema não podiam ser mais inspiradores e o Presidente da República não facilitou no desafio que lançou a toda a classe política. “A nossa vocação histórica tem uma oportunidade única na fase que atravessamos e se a perdermos não teremos outra no futuro mais próximo”, afirmou. Com Portugal a liderar nas Nações Unidas, a presidir no Eurogrupo e a confirmar a sua vocação de “plataforma intercultural”, Marcelo - que em três anos não parou na cena externa - aponta uma “óbvia prioridade nacional”: agarrar a “tal oportunidade única”, que na sua opinião exige aos partidos “clareza dos propósitos e das propostas”, “sensatez e realismo”. Neste capítulo, o discurso da Batalha deixou recados.
RECADO PARA TODOS: “NÃO COMPETE AO PR ESCOLHER MODELOS DE GOVERNAÇÃO”
Marcelo lembrou que o país está a seis meses do primeiro ato eleitoral (as europeias) de um ciclo que termina com as legislativas daqui a 11 meses e lembrou que não lhe compete a ele, como chefe de Estado, “escolher propostas ou modelos de governação”.
Aqui, o recado parece ser antes de mais para Pedro Santana Lopes, que há 15 dias disse ao Expresso que “Costa e Marcelo vão ter de dizer se preferem o PS a governar com o BE”. Mas, na verdade, o que o Presidente disse foi que quem definirá o próximo xadrez governativo são os partidos e o peso político com que consigam sair das próximas eleições.
O desafio que Santana Lopes lhe lançou não é desprovido de sentido - se o PS ganhar as eleições sem maioria, se António Costa decidir virar-se para o BE e/ou o PCP e se o centro direita conseguir somar uma maioria alternativa, o Presidente da República ganha poder de decisão. Mas Marcelo prefere espicaçar os partidos a pedalarem para conquistar o poder que lhes permita deixar claro quem pode e deve governar.
FOTO PAULO NOVAIS / LUSA
RECADO PARA CATARINA E ASSUNÇÃO: “VEROSIMILHANÇA ...”
Marcelo considera que os partidos “devem começar a pensar seriamente em três realidades inadiáveis: clareza dos propósitos e das propostas; verosimilhança da solidez da sua base de apoio político - para que as propostas não fiquem apenas como meras intenções sem capacidade de ser poder; e rapidez na transmissão das mensagens”.
Aqui, o Presidente quer o jogo se comece a aclarar o mais cedo possível por forma a que os eleitores fiquem em melhores condições de escolher em quem votar. E Marcelo parece espicaçar os excessos de confiança dos partidos mais pequenos que, à exceção do PCP, se posicionam como estando definitivamente em trânsito de partidos mais ou menos secundários para partidos de poder. Depois do congresso do CDS, de onde Assunção Cristas saiu como assumida candidata a primeira-ministra, foi agora a vez de Catarina Martins sair da Convenção do BE com o slogan lançado pelo seu antecessor Francisco Louçã, segundo o qual a meta do Bloco é “o infinito e mais além”. Marcelo pede “verosimilhança”. O que significa isso de concreto em termos de soluções de Governo pós-2019?
RECADO PARA RUI RIO: “SE FALTAR À CHAMADA, NÃO SE QUEIXE”
Marcelo Rebelo de Sousa não se referiu diretamente a nenhum líder nem a nenhum partido, mas há um parágrafo do seu discurso na Batalha que se não é para o líder do PSD, que continua sem descolar nas sondagens a ponto de poder beliscar o PS, não se percebe para quem seja.
“Quem se atrasar ou faltar mesmo à chamada para o encontro com os portugueses não se poderá queixar do destino nem da penosidade do recomeço da caminhada nos idos mais próximos”, afirmou o Presidente. Há três anos a reclamar uma alternativa “clara e forte” ao Governo das esquerdas, Marcelo Rebelo de Sousa carrega agora nas tintas: se não conseguir afirmar-se em 2019, não venha depois lamentar-se de ter que recomeçar a caminhada. Aqui, o destinatário é duplo: Rui Rio e o PSD.
RECADO PARA O GOVERNO: “SACRIFICOU INVESTIMENTO PÚBLICO ESTRUTURANTE”
Ao Governo, o Presidente da República pede “sensatez e realismo”. Olhando “para o que vão ser os tempos imediatos na Europa e no mundo”, Marcelo conclui que “resultam da natureza das coisas”. Ou seja, com a economia a desacelerar a nível internacional, o PR avisa que os próximos tempos “aconselham, no mínimo, mais crescimento económico e, para tanto mais, condições propícias a investimento e exportações”.
Marcelo põe a tónica na vertente que a política económica seguida por António Costa (prioridade ao consumo interno) menos acautelou. E chega a criticar a opção do Governo quando afirma que ao querer conjugar o rigor orçamental com políticas corretoras de assimetrias sociais e ao aliar a procura de maior protagonismo das exportações com a manutenção do incentivo ao consumo interno, a consequência foi: “sacrifício ou adiamento de algum investimento público estruturante”
Aos jovens presentes na Batalha, Marcelo Rebelo de Sousa deixou a mensagem simplificada: “Importa olhar mais para o estrutural e não apenas para o dia a dia”. O que implica “saber o que se quer e o que cumpre fazer”. Ouviram?
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