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sábado, 29 de dezembro de 2018

“Há todas as razões para ter muito medo”

Entrevista com Eduardo Paz Ferreira, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Inquietudes em 2019

“A nomeação do juiz Sérgio Moro para Ministro da Justiça é um enorme escândalo e um sinal do que está para vir em termos da defesa dos direitos humanos”, alerta o professor Eduardo Paz Ferreira ao acrescentar: “Depois da extraordinária figura das democracias iliberais, arriscamo-nos agora a ter as ditaduras democráticas”

Jornal Tornado: Ao reflectir sobre os acontecimentos relevantes que ocorreram na Europa e no Mundo em 2018, quais elege como os mais preocupantes?

Eduardo Paz Ferreira: Neste tempo de chumbo em que vivemos sucedem-se as más notícias e não faria sentido reter a sua totalidade. Uma delas merece, no entanto, uma especial atenção. Falo, naturalmente, da eleição presidencial brasileira que levou ao poder Bolsonaro, convicto defensor da ditadura brasileira e portador de um novo projecto ditatorial que, na sua opinião e na dos seus apoiantes, será uma democracia, porque legitimada por uma votação popular em que, apesar de alguma dúvidas que se possam colocar quanto a eventuais fraudes, não deixa de ser expressiva.

Já agora e para memória futura será de não esquecer as várias reuniões havidas em Portugal entre juristas portugueses e os magistrados brasileiros responsáveis pelo “golpe de estado judicial”»

Eduardo Paz Ferreira

Depois da extraordinária figura das democracias iliberais, arriscamo-nos agora a ter as ditaduras democráticas.

A eleição de Bolsonaro marca um passo mais no caminho encetado por Trump que é, ainda assim, uma solução com algumas diferenças.

Quais são essas diferenças?

Bolsonaro, como o presidente filipino, Duterte, é um defensor da justiça privada e dos homicídios. Declarações e indícios vários não deixam dúvidas de que vêm aí tempos de perseguição política e brutalidade pessoal.

A tudo isto, que já é muito, junta-se a certeza do desinteresse pela pobreza, do empenho em aumentar a desigualdade e em levar por diante crimes ecológicos impensáveis, designadamente no Amazonas.

«O tempo não é mais para tacticismos e jogos de habilidade política, mas sim para uma total determinação de salvar o legado civilizacional do Estado de Direito»

Não creio que existam muitas atenuantes para a parcela do povo brasileiro que votou nesse sentido, mas ainda assim não é possível deixar de recordar a manipulação pelos media, a encenação do atentado contra Bolsonaro e, sobretudo, a politização da justiça, assente em inúmeras fraudes grosseiras e na total violação da isenção que se espera dos magistrados.

A nomeação do juiz Sérgio Moro para Ministro da Justiça é um enorme escândalo e um sinal do que está para vir em termos da defesa dos direitos humanos. Há todas as razões para ter muito medo.

Convirá não esquecer que o Brasil é um país cuja importância ultrapassa em muito outros Estados onde a ditadura ameaça ou se instalou e o peso que pode ter na América Latina, lançada numa deriva de direita.

A eleição brasileira, com as posições abjectas de Fernando Henrique Cardoso e Círio Gomes, veio recordar que na génese da subida dos regimes nazis ao poder no século passado esteve a cobardia e o oportunismo de direita democrática, que quis apanhar o comboio que lhe parecia ir triunfar.

Já agora e para memória futura será de não esquecer as várias reuniões havidas em Portugal entre juristas portugueses e os magistrados brasileiros responsáveis pelo “golpe de estado judicial”.

“A extrema-direita vai-se afirmando”

Geograficamente mais perto de nós, muitas eleições se têm sucedido com resultados terríveis. É o caso da Itália com um governo de extrema-direita perseguidor de emigrantes e refugiados.

Seguramente não por acaso, a poucos dias de terminar o seu “mandato”, Temer fez questão de entregar à Itália Cesar Battisti, condenado a prisão perpétua por terrorismo de esquerda nos anos 70, facto que o presidente italiano assinalou como “um testemunho significativo da amizade antiga e sólida entre o Brasil e a Itália [..]”.


«Coragem, Coragem sempre, mesmo quando tudo parece perdido, porque só a nossa desistência pode assegurar a derrota»


Entretanto, um pouco por todos os lados, a extrema-direita vai-se afirmando. Aqui mesmo ao lado, na Andaluzia, com a entrada em força do vox, no parlamento regional. Na Alemanha, com o ocaso de Merkel, acompanhado pela ascensão da extrema-direita. Uma ou outra eleição – o Luxemburgo, por exemplo – lá vão dando uma vaga esperança, até pelo reforço de posições de forças como os Verdes.

Os coletes amarelos em França e a rápida tentativa de os importar para Portugal são outro factor de preocupação pela violência subjacente e pela confusão entre uma esquerda inútil e acéfala e uma extrema-direita inteligente, determinada e com os meios financeiros.

Perante esta inquietação com o caminho trilhado por governantes e políticos,  que mensagem quer deixar a quem executa, legisla, decide e julga?

Que saibam perceber quais são as linhas vermelhas que não se podem ultrapassar nem deixar ultrapassar. Que compreendam que o tempo não é mais para tacticismos e jogos de habilidade política, mas sim para uma total determinação de salvar o legado civilizacional do Estado de Direito. Que é preciso acabar com a desigualdade na distribuição da riqueza, que lança a confusão e serve àqueles que dela beneficiam. Que se descubra uma forma de falar para as populações, que elas entendam. Que se não promova quem apenas quer o mal dos povos. Coragem, Coragem sempre, mesmo quando tudo parece perdido, porque só a nossa desistência pode assegurar a derrota.

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