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terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Ladrões de Bicicletas


Quem está a financiar a greve dos enfermeiros?

Posted: 18 Dec 2018 02:01 AM PST

Fonte: Dados trabalhados a partir da plataforma PPL, usada para captar o financiamento para a greve

Não se sabe bem e essa é a questão que se quer discutir.
Não está em dúvida a luta. Os enfermeiros têm sido um grupo profissional flagelado desde 2009. As suas deficientes condições de trabalho explicam uma emigração histórica que se agravou com o governo PSD/CDS e que ainda não foi estancada. Em defesa das suas condições de trabalho e de retribuição, este grupo profissional tem vindo a lutar e está disposto a uma luta prolongada, que, aliás, é do interesse do Serviço Nacional de Saúde e do interesse nacional. E se essas lutas encontram formas de solidariedade que lhes permite intensificar a luta, pois melhor.
Mas convém criar mecanismos de transparência para evitar que lutas justas se transformem em lutas financiadas por intenções não declaradas.
É esse o caso da luta dos enfermeiros? Não se sabe, mas há sinais que convirá aclarar.
A greve em curso segue-se a outras em que havia uma unidade dos diversos sindicatos dos enfermeiros. Foi o caso da greve de dois dias em Setembro de 2018 e, face as insuficientes respostas do Governo, nos dias 10, 11, 16, 17 18 e 19 de Outubro. Na sequência dessa greve, dois sindicatos, entre os quais, o recém-criado Sindepor - Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (o sindicato nasceu em Julho de 2017, tem sede em Évora, está filiado na UGT, porque - dizem os seus dirigentes - é lá que está o sindicalismo moderno), convocou uma nova greve sem unidade sindical ("algumas alianças revelaram-se inconsequentes e pouco produtivas", afirmou o seu presidente).
A greve foi convocada de 22 de Novembro a 31 de Dezembro apenas às cirurgias e nos três principais hospitais públicos (centro hospitalar e universitário de S. João no Porto, de Coimbra e de Lisboa Norte). É feita por umas centenas de enfermeiros afectados aos blocos cirúrgicos, enquanto os restantes enfermeiros são chamados a apoiá-los nos dias em falta. Para cobrir esse custo, foi criada uma campanha de angariação para um fundo de greve, que - de 10/10 a 21/11/2018 - conseguiu dotar-se de 360 mil euros.
A campanha de angariação propunha-se conseguir 300 mil euros. Após 17 dias, a 27/10/2018, faltava ainda metade dessa quantia. Mas numa semana, conseguiu-se reunir a outra metade. E de 2/11 a 21/11, conseguiu-se mais 60 mil euros. Foi o facto de se ter excedido a verba prevista que levou os organizadores a alargar para cinco o número de hospitais afectados.
Esta capacidade de reunir 150 mil euros numa semana e mais 60 mil acima da meta suscitou, porém, estranheza sobre quem poderia ter apoiado a greve de forma tão rápida. E este facto importante nunca foi devidamente explicado. Foram os enfermeiros que se mobilizaram?

Num artigo bastante extenso e esclarecedor do Observador sobre a greve em curso e sobre a sua forma original, essa questão foi abordada pelos autores da ideia da Greve Cirúrgica e pelos dirigentes do Sindepor. Nele é negado que haja financiamentos estranhos à classe, muito menos do sector privado ou de outro tipo.
Os seus organizadores foram insistentemente convidados pela comunicação social a divulgar a lista dos doadores e quanto tinham transferido, o que inicialmente não o fizeram. Apenas recentemente começaram a divulgar parcialmente essa informação. Mas sem montantes.

Ora, a partir da plataforma da 1ª campanha através da qual se reuniu o fundo, é possível extrair mais elementos. De 10/10 a 27/10, quando se conseguiu reunir metade da verba proposta, cerca de 16% das entradas de fundos foram feitas anonimamente. Na semana em que se conseguiu mais 150 mil euros, o peso dos contributos anónimos subiu para 22%. E atingiu 27% quando se conseguiu mais 60 mil euros em cerca de duas semanas.
No primeiro gráfico, é possível ver que, na última fase de angariação, os contributos foram diminutos relativamente às duas primeiras fases. Foram 3% do total dos movimentos de entrada de fundos. E no entanto, angariou-se nessa terceira fase cerca de um sexto do montante total.
Os elementos da plataforma não permitem aferir qual o montante que cada uma dessas entradas anónimas representou no total do financiamento. Tão-pouco os elementos facultados para o artigo do Observador estabelecem essa ligação entre a identidade do contributo e o seu montante. São contributos genuínos de quem, por razões várias, não se quer expor?
Em segundo lugar, verificou-se que, ao longo desses 40 dias de angariação, muitos foram aqueles que fizeram mais do que um donativo - cerca de 5% do total dos 15 mil movimentos de entrada de fundos. Uma pessoa fez dez contributos. Duas pessoas fizeram nove contributos. Uma outra fez oito. Três pessoas fizeram sete contributos. Duas fizeram seis donativos. Dez fizeram cinco donativos. Uma vintena de pessoas fez três donativos. Todas essas pessoas estão identificadas, mas mais uma vez, não se sabe o que se passou com os anónimos. E mais uma vez não é possível associar esses donativos aos montantes entregues.
E a ausência desses elementos pode suscitar interrogações. Imagine-se que o sector privado decide apoiar a greve no sector público. Além da fragilização da imagem do sector público junto da população, uma paragem continuada do seu concorrente público trará a prazo muitos doentes para o sector privado. A própria ministra já afirmou na RTP que, como é já hábito, caso se ultrapasse o prazo aconselhável de espera por uma cirurgia, os pacientes recebem um vale para o poder usar no sector privado.
Como lembrou ontem no 360 da RTP3 o ex-deputado comunista Honório Novo, era como se a Sonae promovesse greves prolongadas no concorrentes Jerónimo Martins para transferir as vendas dos consumidores para a sua marca.
Ou mais prosaicamente, pode haver uma campanha político-partidária desenhada para ter impacto nas eleições europeias de Maio que, por sua vez, terão nas legislativas de Outubro. O Sindepor e a Ordem dos Enfermeiros têm já lançada uma segunda campanha de angariação de fundos para suportar uma greve, em Janeiro de 2019 e por 3 meses, dos enfermeiros afectados aos blocos operatórios dos principais hospitais públicos, para a qual se pede 400 mil euros. No último debate quinzenal, no Parlamento, foi nítida a colagem do CDS e PSD à greve, pressionando (mais o PSD, ver 25m17s) o Governo à negociação com os organizadores da greve, coisa que não se viu com a recente greve dos estivadores do Porto de Setúbal.
As dúvidas que se levantam podem ter explicações simples e claras. Os enfermeiros entregam-se a uma luta dura, mas os organizadores da Greve Cirúrgicaterão de fazer mais para tornar transparente o que se está a passar. Sob pena de deitar tudo a perder.

Esta economia política até quando?

Posted: 17 Dec 2018 04:47 PM PST

“Não temos parceiro preferencial”. Foi assim que o PS se posicionou na questão da habitação, antes de viabilizar propostas fiscais da direita, favoráveis aos interesses dos senhorios, de resto estranhamente convergentes com as suas, já criticadas neste blogue por Ana Santos. Na questão do sistema bancário, em que nós pagamos, mas o capital estrangeiro e os eurocratas mandam cada vez mais, o PSD tinha sido também o parceiro preferencial.
As novas e perversas formas que o decisivo nexo finança-habitação vai assumindo na economia política nacional continuam a ser a base material do bloco central. Infelizmente, isto não se fica por aqui: basta pensar nas áreas absolutamente cruciais das relações laborais, onde a herança da troika foi no fundo aceite, ou da saúde.
Nesta última, e a acreditar no Expresso, a Ministra da Saúde, que tinha ideias para uma Lei de Bases mais ancorada à esquerda, limitadora do predador capitalismo da doença, terá sido obrigada a manter portas entreabertas aos grupos económicos para agradar ao PSD. Segundo o Expresso, “multiplicaram-se as pressões: privados, notáveis do sector da Saúde (do PSD e do próprio PS) fizeram saber do seu descontentamento [notáveis do bloco central quer dizer gente que ganha dinheiro com a transformação política da saúde em negócio] (...) Até Marcelo foi chamado a intervir”.
Esta economia política até quando?

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