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quinta-feira, 24 de maio de 2018

A guerra económica contra Gaza

por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 23/05/2018)

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Mais de cem palestinianos foram assassinados pelas forças armadas israelitas nas últimas semanas junto à fronteira entre Gaza e Israel em circunstâncias em que não representavam qualquer ameaça. É imensamente trágico que um Estado que resultou de uma das maiores, se não a maior tragédia do século XX – o Holocausto – seja hoje o perpetrador de quotidianas violações de direitos humanos, assentes numa cultura de superioridade racial e desumanização dos palestinianos.

Não é possível ouvir responsáveis israelitas a justificar os assassinatos com o argumento que ‘não conseguimos pôr todos os manifestantes na cadeia’ sem escutar ecos do passado e sentir um calafrio na espinha.

Porém, a violência da ocupação israelita não se limita àquela que é directamente perpetrada pelas forças armadas. Igualmente terríveis, imorais e ilegais – à luz do direito internacional – são os constrangimentos exercidos sobre a viabilidade dos territórios ocupados palestinianos. O caso de Gaza, que é um verdadeiro campo de concentração a céu aberto, não é único, mas é o mais chocante. A grande maioria dos seus dois milhões de habitantes não pode entrar ou sair do território, cuja área é semelhante ao concelho de Sintra, em resultado do fecho das fronteiras terrestres e do bloqueio marítimo e aéreo israelita. Esse mesmo bloqueio, imposto por Israel desde 2007, implica igualmente que as perspectivas de viabilidade económica e social do território sejam inexistentes.

Israel limita enormemente a entrada e saída de bens, incluindo a importação de materiais de construção, alimentos e até medicamentos. As exportações também cessaram praticamente após 2007. Segundo uma estimativa do Banco Mundial, o PIB do território caiu mais de 50% em resultado do bloqueio. A indústria anteriormente existente foi dizimada. A taxa de desemprego, de mais de 40%, é a mais alta do mundo. Cerca de 40% da população, três vezes mais do que na Cisjordânia, vivem em situação de pobreza. Estes não são problemas de subdesenvolvimento, mas de ‘des-desenvolvimento’ deliberadamente imposto por Israel, para usar o termo de um relatório das Nações Unidas.

Imagine o que é viver sem acesso a energia durante mais de vinte horas por dia durante anos em resultado do racionamento de combustível por parte de uma potência ocupante. Imagine uma situação em que apenas 10% da população têm acesso a água potável em condições de segurança. Imagine um território em que os pescadores são alvejados pela potência ocupante quando se afastam mais de 5km da costa para tentarem aceder a zonas de pesca menos exauridas. Em que, segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde, 65% dos bebés com menos de um ano sofrem de anemia.

A situação que se vive em Gaza, perante a ignorância ou indiferença da maior parte do planeta, é a de um território sujeito a uma guerra económica que constitui, na descrição do Comité Internacional da Cruz Vermelha, uma forma de punição colectiva. O relator especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos nos territórios ocupados caracterizou o bloqueio israelita como um crime contra a humanidade, para além de uma violação reiterada do direito internacional. Nos anos ’80 do século passado, o apartheid sul-africano pôde ser desmantelado em grande medida graças às sanções internacionais e ao boicote dos cidadãos de todo o mundo. Hoje, devemos todos mobilizar-nos para corrigir esta outra mancha na consciência da humanidade.

Francisco Assis – viagem sem regresso

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 24/05/2018)

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O eurodeputado Francisco Assis tem um passado político demasiado relevante para que as suas legítimas opções possam ser ignoradas, dentro e fora do PS.

Quem, como eu, se reclama social-democrata, não pode rever-se da deriva neoliberal que se acentua no velho militante do PS e, muito menos, na reincidência com que se identifica com as aspirações da direita portuguesa.

A entrevista ao Público desta terça-feira foi um serviço aos partidos que o usaram, quando da formação do atual Governo, e o dispensaram logo que deixou de ser útil. E não se arrepende do mal que fez ao partido e ao País, com o discurso catastrofista e anticomunista primário, ignorando a legitimidade do voto, igual para todos os partidos.

Contra o seu desejo, o BE, o PCP e o PEV pouparam o PS à chantagem da direita, de que estava refém, onde o PSD ameaçava ser a eterna charneira.

Se há uma dívida de gratidão, é do PS aos partidos à sua esquerda e não o contrário, mas Assis insiste em excluir da vida democrática os partidos que lhe apraz sem se dar conta do seu défice democrático, do benefício da atual solução governativa e dos malefícios do Governo anterior.

Inesperada é a insistência na disponibilidade para continuar eurodeputado de um PS contra o qual foi o mais ruidoso adversário, não ter uma palavra de condenação sobre o Governo dos partidos que prefere, e persistir no que é mais caro à direita para envenenar o funcionamento das instituições democráticas.

A insistência absurda na recondução da PGR, que a própria reiteradamente considerou função de um único mandato, desejo também antes manifestado pelo atual PR, é uma provocação de quem deseja ser satélite da concorrência. Na véspera do Congresso do PS é porta-voz do PSD.

Francisco Assis perdeu a visão política e o pudor, aliado aos trânsfugas que viajaram da extrema-esquerda para os braços da direita caceteira e miguelista, na política, no jornalismo e na opinião remunerada. Ao dizer que este governo tem um prazo de validade, não se limitou a dizer o óbvio, aliás com limites legais, revelou apenas que excedeu o seu.

É natural que mantenha ainda alguma influência dentro do PS, mas suicidou-se perante o País, ética e politicamente. É deprimente o fim, mas a direita costuma pagar favores com avenças.

O ESPETÁCULO VAI COMEÇAR

por estatuadesal

(In Blog O Jumento, 24/05/2018)

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Ainda que nem se tenha reparado o país está sendo informado sobre o que se passou em Alcochete com base na informação constante no processo, isto é, graças a mais uma violação do segredo de justiça, algo muito frequente nos casos investigados a partir da capital. É raro o processo cuja investigação seja feita a partir de Lisboa que não dê lugar a este tipo de informação, até faria sentido que fosse acrescentado um canal à grelha dos canais televisivos transmitidos por cabo, precisamente para fornecer esta informação.

A última novidade é a exibição de fotogramas, criteriosamente selecionados para passar uma imagem do assalto a Alcochete, como se estivéssemos perante uma operação de comandos do DAESH, só não se consegue perceber muito bem nas imagens se os terroristas traziam consigo metralhadoras Ak 47. Como consta que foram encontradas armas nos carros podemos imaginar o pior.

Tudo isto tem alguma graça pois não se percebe o que se pretende, se justificar a prisão preventiva de 23 jovens com o argumento de serem terroristas, assustar a comunidade provocando alarme público para justificar os processos e argumentação dos investigadores ou passar a mensagem de podemos dormir descansados porque temos alguém que não dorme para poder conduzir a tarefa de higienização da sociedade, designadamente do meio político e agora, do futebol.

Fica-se com a sensação de que depois de se ter depurado a classe política alguém se lembrou de que seria a hora de limpar o meio futebolístico e, no mesmo dia em que somos bombardeados com o pouco que há no processo do assalto do DAESH a Alcochete, ficamos também a saber que Bruno de Carvalho é acusado por um dos colegas da direção do SCP, que o abandonou, de ter ficado com luvas no negócio de Bryan Ruiz. A conclusão é óbvia, zangam-se as comadres e sabem-se as verdades; é bom que o Bruno de Carvalho se cuide pois a esta hora já devem estar a acrescentar uma cama ao lado de Vale e Azevedo.

Há no ar  a ideia de que para o derrube do “ditador de Alvalade” não vai ser necessário encomendar ao Trump uma operação militar ao estilo da que derrubou Noriega, no Panamá. Por cá, temos quem faça isso com menos tiros e tabefes do que se ouviram em Alcochete e pela informação que vai saindo nos jornais já se percebeu a mensagem.

Para que a promiscuidade entre o mundo da política e o mundo da bola ficasse completa só faltava o envolvimento de magistrados.  Depois de políticos, banqueiros e empresários só faltavam os magistrados para que o espetáculo de mais uma ópera bufa tivesse início.

Parques de Sintra e Câmara de Lisboa vencem prémio de Restauro do SOS Azulejo

Parques de Sintra e Câmara de Lisboa vencem prémio de Restauro do SOS Azulejo

24/5/2018, 10:32

Os prémios do SOS Azulejo 2017 vão ser entregues esta quinta-feira, no Palácio da Fronteira, em Lisboa.

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Autor
  • Agência Lusa
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A Parques de Sintra e a Câmara Municipal de Lisboa são os vencedores do Prémio SOS Azulejo 2017, na categoria “Intervenção de Conservação e Restauro”, a ser entregue esta quinta feira, numa cerimónia a decorrer no Palácio da Fronteira, em Lisboa.

Segundo uma nota divulgada no site do projeto SOS Azulejo, uma iniciativa da responsabilidade do Museu da Polícia Judiciária, a Parques de Sintra – Monte da Lua foi reconhecida pelas obras de restauro de azulejos do pátio do Leão e pátio de Diana, no Palácio Nacional de Sintra. Já a Unidade de Coordenação Territorial, Unidade de Intervenção Territorial Centro Histórico, da Câmara Municipal de Lisboa, vencedora ‘ex-aequo’ na mesma categoria, foi distinguida pela intervenção de conservação e restauro dos painéis em azulejos do Jardim Júlio de Castilho.

O Prémio “História de Arte” será entregue à investigadora Rosário Salema de Carvalho e ao autor de azulejo Libório Silva, pelo livro “Azulejos — Maravilhas de Portugal / Wonders of Portugal”.

O Prémio “Tese de Doutoramento na área de ‘Estudo de Materiais'” foi atribuído a Susana Xavier Coentro, com o estudo “An Iberian Heritage: Hispano-Moresque Architectural Tiles in Portuguese and Spanish Collection”.

Segundo a organização, o prémio extra concurso Personalidade vai ser entregue a João Castel-Branco Pereira, “pela notável obra que consagrou ao estudo e divulgação da azulejaria histórica e artística portuguesa”. No que respeita a menções honrosas, Susana de Vilas-Boas Miranda Lainho foi a distinguida na área da “Conservação e Restauro”, pela obra de restauro dos azulejos da Capela de São Geraldo, na Sé de Braga.

A Câmara Municipal de Lisboa – Unidade de Coordenação Territorial, Unidade de Intervenção Territorial Centro Histórico, e o Atelier Samthiago Conservação e Restauro foram os vencedores na categoria “Boas Práticas”, pela reabilitação dos painéis em azulejo de Fred Kradolfer nos miradouros de Lisboa.

Rosário Salema de Carvalho e Libório Silva receberam também uma menção honrosa em “Turismo Cultural” pelo livro “Azulejos à Mesa / Azulejos in Restaurants”, enquanto a Câmara Municipal de Vila Fraca de Xira foi distinguida na área de “Divulgação”, pela divulgação do património azulejar do Mercado Municipal local.

A categoria “Contributos para inventário” mereceu duas menções honrosas ‘ex-aequo’: uma atribuída a Tiago Passão Salgueiro, Ana Campanilho Barradas, Paulo Pinto e Fernando Duarte, pelo inventário da azulejaria Caliponense – Projeto de Identificação do Património Azulejar de Vila Viçosa, e outra atribuída à ‘designer’ Alba Plaza e à produtora cultural Marisa Ferreira, pelo arquivo digital “Os azulejos do Porto”.

Divulgação”, pela divulgação do património azulejar do Mercado Municipal local.

A categoria “Contributos para inventário” mereceu duas menções honrosas ‘ex-aequo’: uma atribuída a Tiago Passão Salgueiro, Ana Campanilho Barradas, Paulo Pinto e Fernando Duarte, pelo inventário da azulejaria Caliponense – Projeto de Identificação do Património Azulejar de Vila Viçosa, e outra atribuída à ‘designer’ Alba Plaza e à produtora cultural Marisa Ferreira, pelo arquivo digital “Os azulejos do Porto”.

Quem meteu a mão na Caixa Geral de Depósitos?

23 Maio 2018548

Observador

A jornalista Helena Garrido publica "Quem meteu a mão na Caixa?", uma investigação sobre o "desmando" que marcou a história recente do banco público. O Observador pré-publica um capítulo do livro.

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“Quem meteu a mão na Caixa?” A pergunta dá o título ao mais recente livro da autoria da jornalista Helena Garrido, publicado pela Contraponto e à venda a partir de 25 de maio, que retrata a história recente da Caixa Geral de Depósitos — um banco público que foi credor discreto de homens sem dinheiro que queriam ser donos de grandes negócios e estar na mesa do poder; um banco que era investidor em projetos de duvidoso “interesse nacional” e que vieram a revelar-se catastróficos; acionista no palco dos defensores dos “centros de decisão nacional”; canal de dinheiro para viabilizar “investimento direto estrangeiro”; financiador de especuladores bolsistas e imobiliários; centro de empregos, influência e poder dos governos.

O Observador faz a pré-publicação do terceiro capítulo da obra — chamado “Uma aventura de plásticos”. O capítulo concentra-se no caso do financiamento ao investimento da La Seda em Sines, que levaria a centenas de milhões em perdas no banco público.

O livro está à venda a partir de 25 de maio

Uma aventura de plásticos

«É um investimento para colocar Portugal na rota e no mapa da economia global do sector petroquímico.»
José Sócrates, ex-primeiro-ministro, na inauguração da fábrica Artlant, em Sines, 13 de Março de 2008

O sonho de Sines

É num encontro no Porto que nasce o mais ruinoso investimento da CGD. Manuel Matos Gil apresenta o projecto Mega PTA da La Seda ao ministro da Economia, Manuel Pinho. Estamos no início de 2006. Portugal tem a possibilidade de atrair para Sines uma fábrica de matéria-prima para embalagens de plástico, que a empresa catalã quer fazer. Matos Gil tem um passado que abre portas. É descendente de uma família de Santo Tirso, está ligado ao Grupo Espírito Santo e conta com pergaminhos na política do Estado Novo e no mundo empresarial, já com apoios do Estado. E afinal trata-se de um português, o principal accionista de uma empresa catalã.

O ministro entusiasma-se. A conquista do projecto para Portugal vai exigir que se percorram caminhos sinuosos e um investimento elevado, estimado em 300 milhões de euros. Mas do outro lado está a possibilidade de o Governo prometer criar 150 empregos directos, apoiar um empresário português que conseguiu conquistar Espanha e mostrar que se está a realizar o sonho de desenvolver um pólo petroquímico em Sines. O primeiro-ministro José Sócrates dirá mais tarde que a região está a «renascer para que esteja à altura daquilo que foram os sonhos daqueles que idealizaram Sines» no passado.

A La Seda é, na altura, uma promessa de potentado petroquímico, fornecedor de matéria-prima para fibras sintéticas, plásticos e embalagens. Ter um investimento estrangeiro em Sines, espanhol, e trazido por um português que venceu na Catalunha é um projecto político tentador. Mesmo que se tenha de correr alguns riscos.

Manuel Matos Gil explicará a quem o apoia que não consegue, sozinho, trazer a fábrica para Portugal. Não tem poder nem o dinheiro para o conquistar. A La Seda tem outros accionistas e é cotada em bolsa. Tudo seria mais fácil se o Estado português ajudasse para que se fizesse o investimento em Sines. Manuel Pinho lembra-se logo do banco público. A Caixa pode ajudar a concretizar um projecto que é «estratégico» para o país.

Manuel Matos Gil explicará a quem o apoia que não consegue, sozinho, trazer a fábrica para Portugal. Não tem poder nem o dinheiro para o conquistar. A La Seda tem outros accionistas e é cotada em bolsa. Tudo seria mais fácil se o Estado português ajudasse para que se fizesse o investimento em Sines. Manuel Pinho lembra-se logo do banco público. A Caixa pode ajudar a concretizar um projecto que é «estratégico» para o país.

Assim se lançam as sementes de perdas de centenas de milhões de euros no banco público, que davam para construir quase seis Estádios da Luz. A CGD será a única financiadora do projecto e, ao mesmo tempo, accionista – uma coincidência que só se encontra também em Vale do Lobo. Além dos milhões perdidos, este é um caso que teve de tudo. Processos criminais em Espanha na La Seda, engenharias financeiras variadas com compras e recompras das mesmas empresas em Portugal e tentativas da CGD de salvar o projecto em Portugal que envolveram a Barbosa & Almeida e a Galp.

Estamos em 2006, quando Manuel Pinho se entusiasma com Manuel Matos Gil. Os dois têm ainda em comum a ligação ao Grupo Espírito Santo. Tudo se passa rapidamente, e em pouco mais de um ano a CGD terá já empatado na La Seda 300 milhões de euros, ou, para mantermos a mesma referência, «três Estádios da Luz».

No Verão a Caixa já aparece como accionista e financiadora da La Seda. Em Outubro é constituída a Artlant em Sines para o projecto Mega PTA, totalmente detida pela La Seda. Em Junho de 2007 o Governo de José Sócrates aprova em Conselho de Ministros um incentivo de 99 milhões de euros para a fábrica de Sines e a «via verde» de PIN com o envolvimento da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), nessa altura dirigido por Basílio Horta, posteriormente presidente da Câmara Municipal de Sintra.

Em Março de 2008, dois anos depois de tudo começar, José Sócrates está a lançar a primeira pedra da Artlant em Sines, teoricamente totalmente detida pela La Seda. Ao seu lado estão o ministro Manuel Pinho, o na altura presidente da CGD Fernando Faria de Oliveira, o empresário e accionista da empresa catalã Manuel Matos Gil e o presidente da La Seda Rafael Español Navarro, que, no prazo de um ano, começará a ter problemas com a justiça espanhola.

Nessa Primavera de 2008, com a crise financeira em andamento, já a La Seda começava a revelar problemas graves e com contornos criminais. Nesse mesmo dia do lançamento da primeira pedra em Sines, Fernando Freire de Sousa, que representava Matos Gil na La Seda, demite-se. O próprio Matos Gil estava a desligar-se do projecto e só foi à inauguração porque lhe foi explicitamente pedido. E as contas de 2007 da empresa catalã mereciam reservas de Jorge Tomé pelo grupo Caixa e Nuno Gaioso Ribeiro por via de Matos Gil.

Tudo seria mais fácil se o Estado português ajudasse para que se fizesse o investimento em Sines. Manuel Pinho lembra-se logo do banco público.

O presidente da companhia catalã, Rafael Español Navarro, quando tudo isto aconteceu, acabou por ser condenado em Abril de 2017 a dois anos e meio de prisão pelos crimes de apropriação indevida e falsificação de documentos. Já tinha uma condenação anterior, em 2015, quando foi sentenciado a cumprir quase dois anos de prisão e a pagar 700 mil euros de multa por desvios da La Seda da ordem dos 12,2 milhões de euros entre 2000 e 2004.

As investigações à La Seda detectaram desfalques significativos realizados fundamentalmente por duas vias: nas aquisições de empresas e na facturação. As empresas eram compradas por um
veículo que depois as vendia à La Seda, ficando dinheiro pelo caminho. O outro instrumento usado passava por vendas fictícias, facturadas em geral em Dezembro, sendo depois anuladas no início do ano seguinte. Os valores envolvidos chegavam a ser absurdos, da ordem dos 60 milhões de euros de PET, o que constitui um enorme volume. Por esta via empolavam-se resultados, maquilhava-se as contas, o que impedia que se tivesse o retrato real da situação financeira da empresa.

Na justiça espanhola têm sido provadas as vendas fictícias e ainda que a La Seda vendia e depois recomprava mercadorias a empresas que pertenciam ao próprio Español. Manuel Matos Gil, embora tenha vendido empresas suas à La Seda – na última fase até com a CGD já dentro da La Seda – não foi acusado de nada. Mas tudo o que ali se passou é classificado como «escabroso» por um gestor de topo. «Nunca tinha visto nada como aquilo», diz. Parte dessas irregularidades ocorrem entre 2006 e 2008, abrangendo os anos em que a CGD começou a entrar na La Seda e quando teve lá administradores não executivos em representação de Manuel Matos Gil, como Nuno Gaioso Ribeiro e Fernando Freire de Sousa, e em nome da CGD, Jorge Tomé, que se opôs ao projecto quando ele pela primeira vez lhe foi apresentado, era ele presidente do Caixa BI. Mais tarde, como veremos, acabará por se envolver nele.

Manuel Matos Gil ficará imune destes processos, ainda que o seu nome tenha aparecido na imprensa espanhola, nomeadamente em 2009, por causa de um empréstimo de 22 milhões de euros à sua Selenis. Os accionistas da La Seda que interpuseram o processo consideravam que o accionista português da La Seda também deveria ser responsabilizado. O empresário português vendeu também empresas que eram suas à La Seda, num processo que é concluído já com a Caixa como accionista e financiadora. Mais tarde, pouco antes das eleições de 2011, recomprará uma delas, a de Portalegre, em conjunto com o Grupo Espírito Santo.

Na justiça espanhola têm sido provadas as vendas fictícias e ainda que a La Seda vendia e depois recomprava mercadorias a empresas que pertenciam ao próprio Español. Manuel Matos Gil, embora tenha vendido empresas suas à La Seda – na última fase até com a CGD já dentro da La Seda – não foi acusado de nada. Mas tudo o que ali se passou é classificado como «escabroso» por um gestor de topo. «Nunca tinha visto nada como aquilo», diz.

As famílias, da Matos Gil à Espírito Santo

Manuel Matos Gil é um de quatro irmãos de uma família tradicional de Santo Tirso. O avô materno, Délio Santarém, médico, foi parlamentar pelo círculo do Porto no Estado Novo e presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso. O pai tem a Neoplástica, uma empresa que produzia basicamente sacos de plástico, que entregou ao seu filho para a gerir. É a partir daí que tudo começa.

Em 2014, poucos meses antes do colapso do BES, e já com o projecto La Seda/Artlant atirado para os braços da Caixa, a família Matos Gil integrava a lista das famílias mais ricas de Portugal, elaborada pelo Correio da Manhã.

Além de participações financeiras no Santander, BBVA e BES, tinha 7% da Espírito Santo International – que perdeu com o colapso do grupo – e a Control PET, onde o BES tinha 16% do capital. É, aliás, através desta sociedade que mais tarde voltará a comprar a fábrica de Portalegre, que tinha vendido à La Seda.

Na altura em que a Caixa aparece como sua parceira nos negócios, em 2006, a família Matos Gil tem já uma forte ligação com os Espírito Santo. Em parceria com o BES possui o fundo Honeycomb e, no ano de 2007, Manuel Matos Gil integra o grupo de personalidades escolhidas por Ricardo Salgado para um «conselho de assessores» que deveria apoiar a instituição financeira na sua expansão em Espanha.

Manuel Matos Gil está, nesses anos de 2006 e 2007, no auge. Aparecerá igualmente como um empresário de sucesso num dossiê promocional «Os portugueses que vão triunfar em Espanha», já depois de José Sócrates ter lançado a primeira pedra da Artlant em Sines, em Março de 2008. Classifica-se a si próprio como «um investidor que identifica oportunidades» com especial preferência pelo sector financeiro. Nessas mesmas páginas está Rafael Español, o então presidente da La Seda, a dizer que Matos Gil é o accionista que a La Seda precisa e a elogiar a participação da CGD. Ali se anuncia que em 2007 a empresa de Barcelona duplicou as vendas e quadruplicou os lucros. Mais tarde descobrir-se-á que os números não eram reais.

A carreira de Manuel Matos Gil começa com o negócio de sacos de plástico da família. Quando assume a liderança aposta na internacionalização da Neoplástica. É nesta fase que recebe o apoio do Estado através do FIEP (Fundo para a Internacionalização das Empresas Portuguesas), na altura liderado pelo seu ex-professor Fernando Freire de Sousa, com quem contará mais tarde para conquistar a CGD e como administrador da La Seda.

É em finais da década de 1990 que Manuel Matos Gil apresenta ao seu ex-professor Fernando Freire de Sousa um projecto de internacionalização da Neoplástica. O fundo do Estado entra no
capital e o negócio corre bastante bem na perspectiva financeira. Em 2001 Matos Gil vende a Neoplástica ao grupo alemão Klöckner, realizando mais-valias para si e para o fundo do Estado.

Começa neste início do século xxi a nova estratégia. Manuel Matos Gil entra no capital da La Seda e numa onda de aquisições de fábricas de matéria-prima para embalagens, a PET. Já como accionista da La Seda compra em 2002 a Selenis, em Portalegre. Dois anos depois adquire uma fábrica em Itália, um negócio de 75 milhões de euros, assessorado pelo Espírito Santo Investment. E em 2005 compra a Volos PET na Grécia.

Em todo este processo encontramos ligações à família Amancio Ortega da Inditex e à família Espírito Santo. Depois de entrar no capital da La Seda e de comprar a fábrica em Portalegre, Matos Gil vende em 2004 o que ainda tinha da Neoplástica nos Estados Unidos. O comprador será o Banco Pastor, instituição financeira galega que tinha como accionista a família Amancio Ortega da Inditex, conhecida pela marca Zara. O Banco Pastor acabou por ser apanhado pela crise e fundiu-se com o Banco Popular em 2011. Este, por sua vez, foi absorvido pelo Santander em 2017.

Em 2006, a La Seda compra-lhe praticamente todo o negócio de matéria-prima para plásticos, nomeadamente as fábricas em Portugal, Itália e Grécia. Ou seja, a La Seda compra empresas ao seu principal accionista, sem que se conheçam avaliações independentes e garantias de que o preço não foi fixado pelo próprio accionista. As boas práticas de governo das sociedades recomendam que se recorra a um avaliador independente quando uma empresa faz negócios com um dos seus accionistas, impedindo assim que se obtenham benefícios com prejuízo para a empresa e para os outros detentores de capital. Uma recomendação geralmente ignorada pelos accionistas que controlam a gestão das empresas cotadas.

A compra, pela La Seda, das fábricas de Matos Gil em Portalegre, Itália e Grécia será em parte paga com o financiamento e o aumento de capital em que participou a CGD. Nesse ano de 2006, o banco público entra como accionista e credor da La Seda, metendo na empresa cerca de 100 milhões de euros.

Jorge Tomé, então presidente do Caixa BI, começou por dizer “não” ao projeto. Recebeu Matos Gil na Barata Salgueiro e considerou o projeto inviável.

O anúncio da compra das fábricas a Matos Gil ocorre em Dezembro de 2005. Num comunicado à Comissão Nacional del Mercado de Valores, o equivalente espanhol da CMVM ou «polícia» da bolsa, a La Seda revela que vai comprar 70% da Selenis Portugal e da fábrica italiana – as duas produtoras de PET, a matéria-prima para fazer plástico – pelo montante de 56 milhões de euros. Os restantes 30% serão adquiridos em 2006.

É nesse ano de 2006, no Verão, que a Caixa se atira para este negócio que fica entre a petroquímica e a química, o da matéria-prima para embalagens de plástico e fibras sintéticas. Estreia-se como accionista ao participar no aumento de capital e como financiadora, integrando o grupo de bancos num empréstimo liderado pelo Deutsche Bank.

O objectivo é a La Seda concluir o negócio de 2005 e ainda comprar 51% da fábrica de Matos Gil na Grécia – a Volos PET Industry – por 48 milhões de euros e a Advansa (que custou 320 milhões de euros). Ao todo e por junto entram na La Seda mais de 800 milhões de euros, 418 milhões sob a forma de aumento de capital e os restantes como empréstimo. E não se ficará por aqui, como veremos. A ambição que foi vendida ao Governo português (e comprada) é ser líder mundial de matéria-prima para embalagens de plástico.

A CGD envolve nestas operações pouco mais de 100 milhões de euros, como se poder ler no seu Relatório e Contas de 2006. Manuel Matos Gil recebe 72 milhões de euros pela venda dos restantes 30% das fábricas de Portugal e de Itália e pelos 51% da sua sociedade grega. Se o dinheiro tivesse cor, poderíamos ver o azul da Caixa a sair da João XXI, a entrar em Barcelona e a sair, na sua maior parte, para pagar as compras da La Seda ao seu accionista Matos Gil.

Mas está feito. O banco público português é accionista e financiador de um grupo industrial de matéria-prima para embalagens de plástico e fibras sintéticas com sede em Barcelona. Diz a CGD em 2006, no seu Relatório e Contas, que está a investir numa empresa «cujo maior accionista é o grupo português Imatosgil» com o objectivo «de financiar a sua estratégia de crescimento e a posicioná -lo como líder do mercado europeu de produção de PET».

Onze anos depois esta decisão, que como veremos é tudo menos clara, custa à Caixa cerca de 600 milhões de euros. Uma perda que podia não ter acontecido se a CGD tivesse mantido o «não» que começou por dizer ao projecto. Se as prioridades políticas se tivessem mantido fora do banco público.

De repente, a Caixa na La Seda

A primeira reacção da CGD à proposta de se envolver na expansão da La Seda e na construção de uma fábrica em Sines foi um categórico «não». O investimento foi considerado inviável num encontro em que o projecto foi arrasado e classificado por quem participou nele como «surreal».

Pouco tempo depois do encontro no Porto com o ministro da Economia Manuel Pinho, a equipa promotora do projecto designado como «Mega PTA» ruma à Caixa. Manuel Matos Gil acompanhado de Nuno Gaioso Ribeiro e de Fernando Freire de Sousa vão à Barata Salgueiro em Lisboa onde funcionava o Caixa Banco de Investimento (Caixa BI).

Fernando Freire de Sousa é um velho conhecido de Matos Gil, tendo viabilizado a sua estratégia de internacionalização da Neoplástica através do FIEP, que dirigia. Um projecto financeiramente bem-sucedido, por ter sido vendido a alemães e a espanhóis. Freire de Sousa, professor na Faculdade Economia do Porto, assume pela primeira vez um cargo governativo em 1996 como secretário de Estado para a Competitividade e Internacionalização, quando Augusto Mateus foi ministro da Economia no primeiro governo de António Guterres. Sairá em 1997 para o FIEP, onde apoiará Matos Gil. Em 2016 o Governo de António Costa nomeou-o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N).

Nuno Gaioso Ribeiro integrou também o gabinete de Augusto Mateus, tendo acompanhado, por exemplo, o processo da Torralta. Em 2006 protagonizou um conflito com Manuel Maria Carrilho como vereador na Câmara Municipal de Lisboa. Número dois do PS na autarquia, numa entrevista ao Diário de Notícias acusou Carrilho de ter um comportamento «irresponsável, ausente e displicente». O PS-Lisboa retirou-lhe a confiança política. Actualmente é um dos accionistas da Capital Criativo e vice-presidente do Benfica. Esta sociedade de capital de risco participou, em 2018, na reestruturação da dívida do grupo do presidente do Benfica ao Novo Banco, estimada em 400 milhões de euros. Vamos encontrar Nuno Gaioso Ribeiro na La Seda até 2008.

Matos Gil acompanhado de Freire de Sousa e Gaioso Ribeiro reúnem-se com Jorge Tomé, então presidente executivo do Caixa Banco de Investimento, com Jorge Cardoso e com Gonçalo Botelho.
Dizem que estão ali em nome do ministro da Economia Manuel Pinho.

A proposta é que a CGD compre 7% a 8% da La Seda, na qual Matos Gil já tinha cerca de 14%, para garantir uma posição conjunta da ordem dos 20%. O objectivo é, juntos, aprovarem o investimento da empresa de Barcelona no projecto Mega PTA em Sines, um investimento da ordem dos 300 milhões de euros que rapidamente subirá para 400 milhões. Mas a Caixa deveria igualmente financiar a estratégia de aquisições da La Seda com o objectivo de a tornar líder europeia de PET. Queriam ser os «campeões» mundiais da matéria-prima para embalagens de plástico.

O encontro durou pouco tempo, menos de uma hora. A equipa do Caixa BI partilhou a mesma avaliação: o projecto era inviável e não interessava ao grupo Caixa. O sentimento partilhado foi que se estava perante uma «charlatanice». Não fazia qualquer sentido o banco público participar no financiamento das ambições da La Seda de ser campeã de matéria-prima para embalagens, nem num investimento em Sines cuja viabilidade ficaria dependente da empresa de Barcelona, que seria o seu principal cliente. Além de outras considerações técnicas que veremos mais tarde.

A primeira reacção da CGD à proposta de se envolver na expansão da La Seda e na construção de uma fábrica em Sines foi um categórico «não». O investimento foi considerado inviável num encontro em que o projecto foi arrasado e classificado por quem participou nele como «surreal». O sentimento partilhado foi que se estava perante uma «charlatanice».

E foi isso que disseram, destruindo basicamente a proposta que Matos Gil apresentou com Freire de Sousa e Gaioso Ribeiro ao seu lado. A reunião, na descrição de quem nela participou foi «surreal» e a equipa da CGD saiu do encontro convencida que o projecto estava morto. Mas não estava. Para surpresa de alguns dos envolvidos nesta fase, o investimento aparece feito pela Caixa
por alturas do Verão de 2006.

Matos Gil, na descrição dos participantes no encontro, estava convencido que a participação da CGD estava garantida pela bênção que trazia do Governo. Foi isso que se percebeu no encontro. O que não agradou aos responsáveis do Caixa BI. Além disso, na Barata Salgueiro era impossível decidir uma participação da Caixa com aquelas características e dimensão. A decisão tinha de ser tomada no oitavo andar da João XXI, pela administração do grupo público.

A Caixa era, desde Agosto de 2005, liderada por Carlos Santos Ferreira e integrava ainda na administração António Maldonado Gonelha, Francisco Bandeira e Armando Vara. Carlos Santos Ferreira substitui Vítor Martins nos destinos do banco público em Agosto de 2005, pouco tempo depois de Fernando Teixeira dos Santos ter assumido a pasta das Finanças do governo de José Sócrates, após a demissão de Luís Campos e Cunha, como veremos. Vítor Martins foi demitido dez meses depois de assumir o cargo sem que Teixeira dos Santos lhe tenha dado uma razão que considerasse válida, conforme afirmou numa das comissões parlamentares de inquérito.

O fracasso desse primeiro encontro da equipa de Matos Gil com o Caixa BI levou o projecto ao patamar do Conselho de Administração da CGD com quem alguns dos promotores almoçaram. E do oitavo andar da João XXI chegou a quem de direito a recomendação para «estudarem melhor o projecto Mega PTA». Assim se fez e as conclusões começaram a ser obviamente outras. De inviável e irracional o projecto passou a ser viável com todos os procedimentos cumpridos, actas com decisões fundamentadas e apoiadas em pareceres externos financeiros, técnicos e jurídicos.

Entre o Verão de 2006 e o de 2007, a Caixa envolverá na La Seda cerca de 300 milhões de euros, justificando a sua actuação como estando a contribuir para a liderança europeia de uma empresa de matéria-prima para embalagens de plástico que tem como maior accionista um português, da Imatosgil.

Carlos Santos Ferreira liderava o banco público quando o projeto da La Seda apareceu aprovado, apesar da “nega” dada por Jorge Tomé (do CaixaBI).

Em 2006, a Caixa controlará 5% da La Seda que lhe custou 34 milhões de euros (por via de um aumento de capital de 418 milhões de euros no Verão) e participa com 70 milhões de euros num financiamento da ordem dos 400 milhões de euros, liderado pelo Deutsche Bank. Tudo isto decorreu em Junho de 2006. Além disso, controlará indirectamente mais 4,5% do capital da La Seda por via da Caixa Capital, participação que não refere nas contas do banco mas que se encontra no Relatório e Contas da La Seda. Ou seja, em 2006, o banco público português detém quase 10% (5% mais 4,5%) de uma empresa do sector petroquímico em Barcelona.

Um ano depois a La Seda quer um novo aumento de capital e o banco público português volta a envolver-se, quer directamente quer através de um crédito a Matos Gil. Em Junho de 2007 empata 50 milhões de euros, reforçando a sua posição accionista de 5% para 7,2%.

Além disso, empresta 115 milhões de euros a Manuel Matos Gil, através da sua sociedade Selenis, para que o empresário português possa também comprar acções. Recebe como garantia 10,9% da La Seda, que, como veremos, irá executar em Agosto de 2010 por Matos Gil não estar a pagar o empréstimo. A CGD acabará por se ver com mais de 17% da La Seda, que de nada lhe servirá quando a empresa falir. Pelo contrário.

Nesse mesmo ano de 2007, em Setembro, a Caixa voltará ainda a financiar a La Seda com mais cerca de 50 milhões de euros, na sequência do aumento do empréstimo de 2006 do grupo de bancos
liderado pelo Deutsche Bank.

Ao todo e por junto, no Verão de 2007, quando do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, se inicia a crise financeira, a CGD tem na La Seda cerca de 300 milhões de euros. A compensação que teve nesse ano de 2007 foi ter assessorado a compra da Amcor, que justificou o novo aumento de capital da empresa de Barcelona.

As comissões de assessoria vão para o Caixa BI, permitindo por essa via que o banco público desse, ao que estava a fazer, uma «racionalidade estratégica». O banco, lê-se no Relatório e Contas de 2006, está também a «reforçar o seu posicionamento junto de clientes com dimensão crítica no mercado espanhol».

Ninguém parecia reparar, ou querer ver, que a La Seda estava a entrar numa perigosa vertigem de aquisições, ameaçadora para a sua sobrevivência, mesmo sem a crise financeira e sem as fraudes que mais tarde vieram a descobrir-se. Entre aumentos de capital e empréstimos, a La Seda recebeu num ano quase 1500 milhões de euros com a ideia de ser a campeã europeia de PET.

Ninguém parecia reparar, ou querer ver, que a La Seda estava a entrar numa perigosa vertigem de aquisições, ameaçadora para a sua sobrevivência, mesmo sem a crise financeira e sem as fraudes que mais tarde vieram a descobrir-se. Entre aumentos de capital e empréstimos, a La Seda recebeu num ano quase 1500 milhões de euros com a ideia de ser a campeã europeia de PET.

Quem aprovou este envolvimento da CGD e porquê? Formalmente o projecto foi aprovado pela administração do banco respeitando todos os procedimentos. Passou pelo Comité de Investimentos, pelo Conselho Alargado de Crédito em que estão, pelo menos, quatro administradores, entre eles o presidente. Uma auditoria forense que avaliasse os procedimentos não encontraria nada de irregular, garantem administradores que passaram pelo banco público.

A razão formal do investimento está escrita nos Relatórios e Contas da Caixa: apoiar um empresário português em Espanha que perseguia uma estratégia de liderança na empresa de Barcelona. Mas também garantir por parte da La Seda o investimento em Sines que tanto desejava o Governo.

Em Setembro de 2007 a Imatosgil Investimentos e a CGD fizeram um acordo parassocial para a gestão conjunta das posições na La Seda. Fernando Freire de Sousa, na altura vice -presidente da La Seda, afirma aos jornais que as participações «foram casadas».

Está cumprido aquilo que mobilizou o Governo: votam no mesmo sentido nas assembleias de accionistas para se realizar o projecto Mega PTA em Sines. Com dinheiro da própria CGD e do Estado português. Se para ter um grande investimento em Sines é preciso que a Caixa seja «dona» de uma empresa química em Barcelona, pois que se faça.

E assim se fez. Apesar de tudo recomendar, logo a partir de finais de 2007, que se matasse o projecto para evitar ainda mais perdas para a Caixa. Tarde demais para um governo num país a caminho de eleições e que queria demonstrar que existia uma estratégia para Sines. Em que muitos acreditaram.

Investir para investir

Sines, 13 de Março de 2008. O primeiro-ministro José Sócrates e o ministro da Economia Manuel Pinho apertam as mãos sorridentes. Atrás deles pode ver-se uma placa onde se lê «Artenius». À volta deles estão o empresário português Manuel Matos Gil, o presidente da La Seda Rafael Español Navarro e o novo presidente da CGD Fernando Faria de Oliveira, que substitui desde o início do ano Carlos Santos Ferreira – que passou a liderar o BCP na sequência das guerras accionistas que envolveram também a Caixa. Dois anos depois do encontro no Porto e com mais de 300 milhões de euros já injectados na La Seda, o Governo está a lançar a primeira pedra do que se anuncia ser um investimento estrangeiro em Portugal, a fábrica da empresa de Barcelona. Os sorrisos já disfarçam problemas. Manuel Matos Gil só lá foi porque o pressionaram.

No fim desse ano de 2008, como veremos, a administração da Caixa andará à procura de quem a tire do buraco em que se meteu na La Seda. E dois anos e meio depois, em finais de 2010, o «investimento estrangeiro» espanhol passará para as mãos nacionais por iniciativa também da CGD, numa nova tentativa de salvar o projecto. Sem sucesso. Só em finais de 2017 a Caixa venderá a fábrica.

Mas nesse dia de Março de 2008 o ambiente é de festa – apesar de os problemas já serem muitos, ninguém fala deles. Está lançada a primeira pedra da que mais tarde mudará de nome para Artlant. O investimento agora previsto é de 400 milhões de euros com a criação de 150 postos de trabalho directos, prevendo-se que entre em funcionamento no ano de 2010. O que também não acontecerá.

«É um investimento para colocar Portugal na rota e no mapa da economia global do sector petroquímico e que se destina a vender para todo o mundo, e a fazê-lo com valor acrescentado», diz o primeiro-ministro José Sócrates. E garantiu que o investimento privado – como estava a ser apresentado o projecto – seria acompanhado por investimento público com três projectos: o alargamento do IP8, com a adjudicação da concessão até ao fim do ano, o aeroporto de Beja, «até ao fim do ano», e a ligação ferroviária a Sines em fase de «avaliação do impacto ambiental».

O presidente da CGD Fernando Faria de Oliveira afirma nessa mesma cerimónia, em Sines, que a participação do banco público «é eminentemente instrumental», servindo para «apoiar a  economia nacional e o investimento industrial». Nessa altura, como desde a primeira hora em que meteu o primeiro dinheiro dos depositantes da Caixa na La Seda, em 2006, a administração do
banco público defende que o projecto lhe vai trazer ganhos e, ao mesmo tempo, garantir a participação no desenvolvimento do pólo petroquímico de Sines.

Nesse dia de Março de 2008 o ambiente é de festa – apesar de os problemas já serem muitos, ninguém fala deles. Está lançada a primeira pedra da que mais tarde mudará de nome para Artlant. O investimento agora previsto é de 400 milhões de euros com a criação de 150 postos de trabalho directos, prevendo-se que entre em funcionamento no ano de 2010. O que também não acontecerá.

O envolvimento da CGD na La Seda e, através dela, na fábrica de PTA, em Sines, faz-se com todas as fundamentações. Hoje, quem esteve envolvido no projecto pode dizer que todos os pareceres
garantiram que o projecto era rentável. O destino foi ditado ou por imponderáveis – como a actuação fraudulenta da então administração da La Seda – ou pela crise financeira que afundou os preços do PTA. A entrada da Barbosa & Almeida no projecto justificará, mais tarde, e como veremos, as razões para continuar a meter dinheiro na empresa La Seda e, por via dela, numa fábrica em Portugal num projecto já enredado. E que hoje se considera como tendo sido mal pensado.

Envolvidos no projecto estarão a KPMG, a consultora de engenharia PCI e ainda o escritório de advogados Vieira de Almeida. Pareceres que sustentam financeiramente, tecnicamente e legalmente a participação da CGD no projecto em Sines. O Mega PTA, como era conhecido, traria para Portugal uma das maiores fábricas europeias de matéria-prima para plástico e teria como principal cliente a La Seda. Existia um acordo segundo o qual a Artlant venderia a sua produção à empresa de Barcelona a um preço prefixado mas com a possibilidade de encontrar outros clientes, caso estes lhe ofereçam um preço superior. Nada disto se concretizou.

Aos olhos da opinião pública, tratava-se de mais um investimento estrangeiro que chegava a Portugal, dando a Sines uma lógica e rentabilidade que era perseguida há décadas. Oficialmente tratava-se de um projecto promovido pelo grupo La Seda, que era também o seu dono. Na realidade, estava a ser pago pela CGD, com o dinheiro a passar pela La Seda, como se pode ver pelo dinheiro que se foi lá injectando.

Feitas as contas em 2008, o «investidor estrangeiro» La Seda já tinha recebido, através da CGD, 400 milhões de euros, o montante previsto do investimento em Sines. Nesse ano de 2008, a CGD dará ainda à La Seda um «financiamento intercalar» para realizar o «investimento na unidade industrial de PTA em Sines até à contratação do definitivo financiamento em regime de project finance também liderado pelo Caixa BI», como se pode ler no Relatório e Contas de 2008.

Além do apoio da Caixa, o Governo decidiu, em Junho de 2007, conceder ao projecto um apoio de 99 milhões de euros, dando-lhe também o selo de PIN, projecto com potencial interesse nacional.
Houve, aliás, pelo menos uma reunião em São Bento com José Sócrates, os promotores do projecto e os responsáveis das diversas áreas da administração pública para dar a chamada «via verde», que garantia rapidez em todos os pareceres da administração pública e local para que a fábrica fosse construída.

Ainda antes da «primeira pedra», quando o Conselho de Ministros aprova em Junho de 2007 o apoio de 99 milhões de euros ao projecto Mega PTA, na Caixa mantinha -se, entre algumas pessoas, a convicção de que o grupo La Seda era um problema – a onda de aquisições suportada por dívida causava ainda mais preocupações – e que o investimento na fábrica portuguesa estava longe de ser prioritário para o grupo e era de viabilidade discutível. Como veio a confirmar -se. Mas ninguém na administração do banco público foi capaz de dizer «não» ao Governo. Nem de o assumir publicamente.

Em finais de 2007, o entusiasmo da CGD e da equipa de Matos Gil é exposta num artigo no Público, com um título «Na Rota da Seda», que relata os eufóricos testemunhos de todos os  protagonistas. Afirma-se na altura com orgulho que a La Seda, em que Manuel Matos Gil tem a maior participação, multiplicou por quase oito a sua capacidade produtiva de PET no período de um ano e inicia-se no PTA. E o empresário de Santo Tirso é retratado pelos seus colaboradores como o promotor desta nova era da La Seda, que passou de fabricante de fibras para a matéria-prima do plástico com o objectivo de assumir a liderança europeia no sector.

Em finais de 2007, o entusiasmo da CGD e da equipa de Matos Gil é exposta num artigo no Público, com um título «Na Rota da Seda», que relata os eufóricos testemunhos de todos os  protagonistas. Afirma-se na altura com orgulho que a La Seda, em que Manuel Matos Gil tem a maior participação, multiplicou por quase oito a sua capacidade produtiva de PET no período de um ano e inicia-se no PTA.

O grupo Imatosgil até coloca a hipótese de reforçar a posição na La Seda adquirindo a totalidade do grupo através de uma oferta pública de aquisição. A euforia é tal que, numa visita do ministro da Economia Manuel Pinho a Barcelona, Manuel Matos Gil admite, citado pelo Jornal de Negócios, que poderá fazer mais um investimento em Portugal, além daquele que está já programado para
Sines, inaugurado por José Sócrates em Março do ano seguinte. Depois da Primavera de 2008, Matos Gil deixa de aparecer como grande promotor de um investimento espanhol em Portugal.

Nessa mesma altura, em finais de 2007, a CGD defende que o seu envolvimento tem como objectivo apoiar a internacionalização de um grupo português e trazer para Portugal um investimento em Sines. Revela ainda que está a ter uma valorização «interessante» na participação que tem na La Seda. No ano seguinte já não poderá dizer o mesmo.

Quando José Sócrates e Manuel Pinho participam na estreia da Artlant, existem já sinais de problemas com a La Seda. Quem estava envolvido na La Seda, como Fernando Freire de Sousa e Nuno Gaioso Ribeiro, do lado de Matos Gil, e Jorge Tomé, pela Caixa, começou a identificar sintomas preocupantes logo em 2007. As más relações dentro da La Seda são já visíveis, revela um dos envolvidos. Fruto dos problemas que a crise financeira estava a criar no sector e especialmente numa empresa que se tinha lançado num projecto de aquisições baseado em dívida directa ou através dos accionistas – alguns deles também financiados para comprarem acções. Em dois anos entraram mais de 1500 milhões de euros na La Seda para aquisições em praticamente todo o mundo.

Na data da inauguração, Manuel Matos Gil esteve para não ir. Só se deslocou a Sines porque lhe pediram o favor de ir. Foi e desempenhou o seu papel sorridente, ao lado de José Sócrates e de Manuel Pinho, como se tudo estivesse a correr bem. Também nesse dia 13 de Março de 2008, Fernando Freire de Sousa entrega a sua demissão da administração da La Seda. E Nuno Gaioso Ribeiro levantará problemas para assinar as contas da La Seda de 2007. Na Caixa, também Jorge Tomé, agora no Conselho de Administração do banco público, começa a ver a confirmação da sua avaliação inicial do projecto de Manuel Matos Gil, quando o conheceu em 2006. Mas nada disso transpareceu nesse dia.

A perspectiva que alguns dos envolvidos têm, passada quase uma década, é que Manuel Matos Gil teve sempre uma estratégia mais financeira do que industrial – é um financeiro e actua como tal. A sua carreira já tinha mostrado isso, como vimos, quando vendeu a Neoplástica da família: ganhar dinheiro a comprar e a vender. Assim que os problemas da La Seda começam a ser visíveis, Matos Gil desaparece e nem paga o empréstimo que a CGD lhe concedeu para reforçar a sua participação na empresa de Barcelona. De tal forma que o banco público se vai ver, de repente, como o maior accionista, basicamente o dono e responsável, de uma empresa de matéria -prima para embalagens de plástico em Barcelona.

Para o Governo, o investimento era para se fazer, mesmo começando a estar à vista que a gestão da empresa de Barcelona tinha actuações duvidosas e que a crise financeira estava à porta. Pelo contrário, para o Governo de José Sócrates concretizar este investimento demonstrava que a crise não estava a chegar a Portugal. Era mais uma ferramenta, apresentada como privada, que se juntava aos investimentos públicos que foram anunciados e alguns concretizados – como o aeroporto de Beja ou as novas auto-estradas, algumas delas ruinosas.

Nesta altura, em 2008, se a Caixa saísse de cena, perderia cerca de 300 milhões de euros. Irá multiplicar essas perdas por três, numa estimativa subavaliada. E envolver ainda mais protagonistas, sempre na expectativa de salvar a Artlant, a fábrica de Sines.

A tentação da Barbosa & Almeida

O telefone tocou. Era Jorge Tomé, presidente do Caixa Banco de Investimento. «Tenho um negócio para si», disse o neste momento também administrador da Caixa a Carlos Moreira da Silva. Estávamos na antevéspera de 25 de Dezembro de 2008, e o líder da Barbosa & Almeida vinha do almoço de Natal da fábrica do grupo em Mérida, Espanha. O negócio chamava -se La Seda. Mal sabia Carlos Moreira da Silva que aceitar o desafio desse telefonema lhe ia custar, a si e aos seus sócios, a família Silva Domingues, 51 milhões de euros.

Neste momento, nove meses depois do lançamento da primeira pedra da Artlant em Sines por José Sócrates e Manuel Pinho, a Caixa já está a registar perdas (imparidades) na sua participação accionista da ordem dos 7% na La Seda. O que valia quase 80 milhões de euros, fechará o ano de 2008 a valer pouco mais de 15 milhões de euros. E ainda vai piorar, quando Manuel Matos Gil não pagar o empréstimo que a Caixa lhe concedeu para reforçar a sua participação e o banco público executar as acções.

Jorge Tomé, agora na administração com Fernando Faria de Oliveira, está a tentar resolver um problema em que, como já vimos, o banco público se meteu em 2006, contra aquela que foi a sua avaliação inicial, na altura a desempenhar funções de presidente do Caixa BI. A CGD começava a pagar com perdas o seu envolvimento num projecto ditado pela aliança entre os poderes económicos e políticos em Portugal e em Espanha. E numa empresa já apanhada nas malhas da justiça por via das irregularidades que se começam a detectar na La Seda, e que, como já foi relatado, deram lugar a condenações em Espanha uma década depois.

Nove meses depois do lançamento da primeira pedra da Artlant em Sines por José Sócrates e Manuel Pinho, a Caixa já está a registar perdas (imparidades). O que valia quase 80 milhões de euros fechará o ano de 2008 a valer pouco mais de 15 milhões de euros.

No Governo estava José Sócrates. Na Caixa o envolvimento na La Seda começa com Carlos Santos Ferreira, António Maldonado Gonelha e Armando Vara. Agora e desde o início de 2008, com Fernando Faria de Oliveira a liderar o banco público, Francisco Bandeira, que transita da anterior equipa, é vice-presidente.

Podia ter sido um bom negócio para a Barbosa & Almeida, mais concretamente para o grupo BA Vidro. Carlos Moreira da Silva já tinha tentado uma integração falhada com a Logoplaste. Interessava-lhe toda a parte de PET do grupo de Barcelona, integrando no seu grupo, de fabricação de garrafas, a matéria-prima para a sua produção. E esta altura, em que todos se estavam a retrair por causa da crise, era a melhor para aquisições. Mas não queria o segmento químico do negócio da La Seda e tentou que essa área ficasse de fora. Deixou -se, contudo, convencer por Jorge Tomé, na expectativa de que conseguiria vender rapidamente o negócio da química, que, nessa altura, estava em alta. Mas os tempos revelaram-se mais complicados e voláteis. Em 2010, por exemplo, uma das fábricas químicas da La Seda estava vendida, mas os compradores acabaram por não aparecer.

Quando Jorge Tomé desafia Carlos Moreira da Silva, no Natal de 2008, quer a situação na La Seda como as relações entre a CGD e Manuel Matos Gil estavam bastante deterioradas. Os dois em conjunto, recorda-se, eram os maiores accionistas do grupo de Barcelona, com mais de 20% do capital, e tinham até assinado em 2007 um acordo de gestão conjunta das suas participações, que foi rompido neste ano de 2008.

Manuel Matos Gil já estava a abandonar o projecto desde o início do ano, ainda antes do lançamento da primeira pedra em Sines. Quando Carlos Moreira da Silva é contactado, a administração da La Seda não tem nenhum representante do empresário de Santo Tirso. Nuno Gaioso Ribeiro e Fernando Freire de Sousa tinham saído. O que era uma realidade já no dia em que José Sócrates e Manuel Pinho, a 13 de Março de 2008, estavam a lançar a primeira pedra da Artlant. Freire de Sousa, por exemplo, entregou a sua carta de demissão da La Seda nesse dia e Gaioso Ribeiro estava a recusar-se a assinar as contas. Em menos de um ano, o entusiasmo da equipa que apoiou Matos Gil desaparecia. Começava a perceber-se quem é que de facto tinha posto o dinheiro e tinha de o defender: a Caixa.

O novo ano vai expor todos os problemas que se estavam a acumular. Em Junho de 2009 Rafael Español Navarro deixa a presidência do grupo La Seda, iniciando-se um processo que culminará em acusações de gestão danosa e nas condenações que já foram referidas. Em Julho as acções da empresa são suspensas a valerem 34 cêntimos – em 2007, quando a Caixa entrou e se gabou de estar a ganhar dinheiro, chegaram a estar cotadas a 1,7 euros.

Nesse início de Verão de 2009, pouco mais de um ano após a festa em Sines com Sócrates e Pinho, já se admite que a Caixa possa comprar parte da Artlant. Essa será a forma, afirma-se, de «refinanciar a dívida» da La Seda. Ou seja, a Caixa prepara-se para dar mais dinheiro à La Seda para esta lhe pagar. E para impedir que o projecto de Sines não passe disso, colapsando a dois meses das eleições legislativas. É exactamente isso que acontecerá em 2010: o banco público compra parte da Artlant.

O caos no grupo de Barcelona, com mais de uma centena de anos de existência, é cada vez mais visível. Em Agosto a imprensa espanhola revela que «vários accionistas da La Seda» se preparam para avançar para a justiça, processando a ex-equipa de gestão liderada por Rafael Español por causa de negócios que obrigaram o grupo a registar provisões (perdas) de 84 milhões de euros. A empresa já estava suspensa de cotação desde Junho e a dívida registada ascendia a 800 milhões de euros.

Mas parece haver ainda esperança para um grupo de Barcelona que caiu nos braços do banco público português. O telefonema do Natal de 2008 começa a produzir efeitos. O envolvimento da Barbosa & Almeida é divulgado por Carlos Moreira da Silva em Setembro de 2009, afirmando que o fará desde que se aumente o capital e a dívida seja reestruturada. Era a primeira exposição
pública de quase um ano de conversas e negociações. E numa altura em que Moreira da Silva já era administrador não executivo da La Seda.

Convencido a assumir todo o grupo, incluindo o negócio químico, Carlos Moreira da Silva disse à Caixa que só estava disponível para colocar lá dinheiro depois de perceber exactamente o risco que corria. Para isso teria de entrar para a administração, perceber como estava a funcionar o grupo e só depois decidir. Foi isso que aconteceu antes do Verão de 2009. A primeira proposta da Caixa foi fazer entrar Moreira da Silva através de uma das empresas de Matos Gil. Parte das acções do empresário de Santo Tirso estavam penhoradas à Caixa como contrapartida do empréstimo para as comprar. Serão executadas em 2010.

A entrada de Carlos Moreira da Silva acaba por se concretizar, mas cooptado como administrador não executivo pelo accionista CGD. Foi lá dentro que percebeu que estava perante uma oportunidade de elevado risco – podia ganhar muito ou perder tudo. Perante isso, o grupo Barbosa & Almeida, que é controlado por Carlos Moreira da Silva e pela família Silva Domingues, resolve criar uma empresa só para entrar no capital da La Seda, estabelecendo um limite máximo para o dinheiro que lá vai meter. Foram 51 milhões de euros, exactamente a quantia que acabaram por perder. Porque, contrariamente ao que todos esperavam, tudo se complicou ainda mais.

O trabalho que tinham pela frente era hercúleo, mas a CGD e a BA Vidro ainda esperavam, nesta altura, conseguir salvar o grupo catalão. A La Seda tinha comprado várias empresas mas nada tinha sido feito para as integrar numa lógica de grupo, os accionistas estavam em guerra, as fraudes e vendas fictícias começam a ser descobertas, expondo uma ainda mais grave situação financeira. A par disto, a justiça espanhola inicia os processos contra a anterior gestão e alguns accionistas. É agora também que o nome de Manuel Matos Gil surge como potencial acusado, o que nunca veio a acontecer.

O grupo Barbosa & Almeida, que é controlado por Carlos Moreira da Silva e pela família Silva Domingues, resolve criar uma empresa só para entrar no capital da La Seda, estabelecendo um limite máximo para o dinheiro que lá vai meter. Foram 51 milhões de euros, exactamente a quantia que acabaram por perder. Porque, contrariamente ao que todos esperavam, tudo se complicou ainda mais.

Mas nesta altura, em 2009, ainda se acreditava ser possível salvar o grupo catalão com uma reestruturação de dívida e mais capital. O plano começa a ser executado. Em 2010 fazem-se os lançamentos contabilísticos e entra mais dinheiro. O capital do grupo é aumentado com alguns accionistas a meterem mais dinheiro ou a converterem dívida em capital. É nesta operação que se percebe que também o BCP se envolveu na La Seda. O banco fundado por Jardim Gonçalves, e que nesta altura é liderado por Carlos Santos Ferreira – presidente da Caixa quando o banco público se envolveu com o grupo catalão –, passou a ser accionista com 3,25% do capital por conversão de dívida. Mais tarde venderá os créditos que ainda tem sobre a La Seda ao fundo Anchorage.

Nesta reestruturação financeira da La Seda, a CGD ainda injecta mais 42 milhões de euros em dinheiro e duplica a sua posição (passa a ser da ordem dos 14%). A Barbosa & Almeida entra como accionista e, em conjunto com o banco público, controla mais de 30% do grupo. Manuel Matos Gil desaparece, tendo a Caixa executado as suas acções por conta do empréstimo que lhe tinha concedido em 2007 para reforçar a sua posição de accionista.

É também nesta altura, no Verão de 2010, que a Artlant de Sines deixa de ser detida na totalidade pela La Seda, numa tentativa de salvar um investimento que, nesta altura, de acordo com o planeado, já devia estar concluído.

Com a reestruturação financeira e um novo accionista que conhece o negócio de embalagens, a Barbosa & Almeida, alimenta-se uma nova esperança para a La Seda. Carlos Moreira da Silva assume a presidência da La Seda em Outubro de 2010. O plano era reorganizar o grupo, vender a parte química e ficar apenas com as fábricas de PET e toda a área de embalagens, nomeadamente em Espanha, no Reino Unido e na Alemanha. Carlos Moreira da Silva também não estava interessado na fábrica de PTA em Sines, que, como outros especialistas do sector, considerava inviável.

Mas o novo fôlego durou pouco tempo. Em finais de 2010 a promessa de venda de uma empresa química ficou pelo caminho: os compradores não apareceram, exemplificando a instabilidade dos tempos que se avizinhavam. O terramoto financeiro norte-americano de 2007 estava a chegar à Zona Euro. Os países mais endividados, a começar pela Grécia, começavam a tremer.

Na luta pela sobrevivência, as Cajas espanholas vêem-se obrigadas a libertarem-se de créditos que têm no balanço, atraindo os designados fundos abutre. A Caja de Ahorros del Mediterráneo (CAM) vende um pacote de créditos ao Morgan Stanley, em que estão financiamentos à La Seda. No fim da linha, esses créditos acabam nas mãos do fundo Anchorage – que tem como uma das suas áreas de negócio comprar créditos a desconto para depois os vender ou recuperar. Estamos em 2011, e a partir daqui a batalha dos novos accionistas portugueses passa a ser com o fundo, que é agora o dono de boa parte da dívida.

Nesse ano de 2011 concretiza-se ainda um outro negócio de que já falámos. Manuel Matos Gil recupera a sua fábrica de Portalegre, cuja venda à La Seda tinha sido concluída em 2006. Através da Control PET, sociedade que detém com a família Espírito Santo, compra a empresa por 5,6 milhões de euros a pagar entre 2011 e 2015. Tinha-a vendido em conjunto com a Selenis Itália por 80 milhões de euros.

Até se declarar falido em 2013, o grupo La Seda faz sucessivas tentativas de comprar a dívida ao Anchorage. Numa delas propõe uma valorização de 40%, mas o fundo recusa argumentando que a sua regra é multiplicar por dois o valor a que comprou. O próprio BCP, em 2013, já sob a liderança de Nuno Amado, acaba por vender o que tinha de créditos à La Seda a esse fundo por 27,5% – ou seja, recebe 27,5 euros por cada 100 euros que tinha emprestado.

A La Seda acaba por se declarar falida – pedido de insolvência – em finais de 2013, já sob administração judicial. Contas feitas, a Caixa perde quase 450 milhões de euros nesta aventura que pouco ou nada vai recuperar. A que se somam os 51 milhões da Barbosa & Almeida. Nos braços do banco público fica a Artlant.

Quem quer comprar a Artlant?

«A Caixa congratula-se com o anúncio da aquisição dos activos da Artlant, empresa química relevante na zona de Sines, por um líder mundial da indústria petroquímica.» Estamos em Novembro
de 2017 e o banco público anuncia que finalmente conseguiu vender a fábrica em Sines por 28 milhões de euros à empresa tailandesa Indorama. Este dinheiro irá para a massa falida da empresa, que está em processo de insolvência desde o Verão de 2017, uma iniciativa que a CGD tomou por já ter capital para registar as perdas.

Uma década depois, a Caixa assume que perdeu a quase totalidade do dinheiro que ali envolveu. Quase mil milhões de euros, se contarmos com o que o banco do Estado injectou na suposta promotora do investimento estrangeiro, o grupo La Seda. Em Janeiro de 2015, com José de Matos, ainda tinha sido feita uma reestruturação da dívida com mais um empréstimo de 60 milhões de euros. Mas o plano, como se esperava, falhou.

A última tentativa para vender aquela que ia ser uma das mais modernas e a segunda maior fábrica de PTA da Europa foi em Agosto de 2016. Sem sucesso. Uma fábrica que custou mais de 500 milhões de euros e que representa um potencial de perda de crédito para a Caixa dessa ordem de grandeza (520 milhões de euros, de acordo com o PER).

Esteve sempre a funcionar, mas em regime de manutenção para impedir a sua deterioração. Quem lá fosse antes do negócio de 2017 veria, mesmo no fim-de-semana, que existia movimento, pouco, mas havia.

Há cinco fábricas destas no mundo. E qualquer delas é integrada a montante ou a jusante. Na altura ninguém viu ou ninguém quis ver isso. Ou deixou para mais tarde os projectos de integração, na ânsia de levar por diante a fábrica em Sines. O Governo da altura liderado por José Sócrates assim o quis.

Há cinco fábricas destas no mundo. E qualquer delas é integrada a montante ou a jusante. Na altura ninguém viu ou ninguém quis ver isso. Ou deixou para mais tarde os projectos de integração, na ânsia de levar por diante a fábrica em Sines. O Governo da altura liderado por José Sócrates assim o quis.

Para se entender a Artlant PTA, um negócio que se situa entre a petroquímica e a química, é preciso saber alguma coisa da sua cadeia de produção. O PTA (ácido tereftálico purificado) é um pó que é produzido usando paraxileno, que, por sua vez, é fabricado a partir dos resíduos deixados pela petroquímica na produção de combustíveis. A partir do pó que é o PTA fabrica-se PET, umas «bolinhas brancas» que são a matéria-prima para garrafas e embalagens de plástico com elevada resistência e qualidade para, por exemplo, bebidas gaseificadas ou alimentação humana.

A Artlant, com uma capacidade produtiva de 700 mil toneladas por ano de PTA, tem de comprar paraxileno no exterior, nomeadamente no Oriente, aumentando significativamente os seus custos de produção. Sendo o PTA aquilo que os gestores designam como uma commodity, ou seja, não é susceptível de diferenciação, os preços são fixados pelo mercado internacional.

Na altura existia uma fábrica deste químico, o paraxileno, em Matosinhos. Mas a Galp decidiu encerrá-la porque era necessário realizar investimentos adicionais. E em toda a história da La Seda/ /Artlant os accionistas da Galp nunca se deixaram convencer a construir uma nova fábrica, desta vez em Sines. Fazer uma unidade de paraxileno em Sines, uma das hipóteses de viabilizar a Artlant, exigia um investimento da ordem dos 600 a 700 milhões de euros.

A outra alternativa seria construir uma fábrica de PET, já que a Artlant tinha deixado de contar com o seu accionista La Seda para lhe comprar boa parte da produção – o que nunca aconteceu. Para esse cenário, os estudos realizados apontavam para um investimento bastante mais reduzido, da ordem dos 150 milhões de euros.

O problema de rentabilidade, gerado pelo isolamento da Artlant na cadeia de produção, nunca é referido na altura em que o projecto é lançado. As administrações da CGD, que estiveram envolvidas no projecto da Artlant, fundamentam a sua decisão nos pareceres técnicos e no facto de boa parte da venda da produção estar garantida pelo acordo com a La Seda, o seu principal accionista. Além disso, atribuem o fracasso do projecto quer aos problemas da La Seda quer à crise financeira e depois económica que desencadeou uma acentuada queda das cotações de PTA.

Olhando para o que se fez com os olhos de hoje, as críticas são muitas. A primeira é a Caixa ter entrado como accionista e financiadora do grupo La Seda. Os conflitos de interesse desaconselham esta actuação dos bancos, e este, como o caso Vale de Lobo, coloca o banco público numa situação única. Na altura em que os bancos se livravam dos créditos à La Seda, vendendo -os ao fundo Anchorage, como fez o BCP, a CGD ficou entre defender o seu papel de accionista ou de credora. E escolheu o de accionista, tentando salvar sem sucesso o grupo. Há ainda quem argumente que a CGD se envolveu com a La Seda sem conhecer os protagonistas, só percebendo a guerra que existia entre accionistas e as irregularidades quando já lá estava dentro. Mas este argumento esbarra com o facto de o banco público já conhecer Rafael Español quando a Fisipe, do Grupo Mello, teve problemas graves com a sua fábrica de Barcelona e saiu em 2004.

Quem conhece bem Espanha revela que era com espanto que o mundo financeiro olhava para o envolvimento do banco público como accionista da La Seda, especialmente a partir de 2008, quando os representantes da família Matos Gil abandonaram o projecto. Mas a Caixa parecia estar obrigada a continuar a pedalar por causa do selo de «interesse nacional» (PIN) dado pelo Governo de José Sócrates e pelo seu ministro da Economia Manuel Pinho.

O próprio investimento da Artlant é visto como megalómano, como se o principal objectivo fosse o investimento em si e não a sua viabilidade. O projecto começa com uma estimativa de  investimento de 370 milhões de euros e acaba a custar mais de 500 milhões de euros, com inúmeros problemas e derrapagens. Depois do lançamento da primeira pedra por José Sócrates, em março de 2008, a construção da fábrica esteve interrompida entre Março de 2009 e Maio de 2010. O projecto reactiva-se nessa altura, com a Caixa a meter ainda mais dinheiro.

Em Janeiro de 2010, altura em que a La Seda entra em reestruturação e começa a vender activos, o projecto Artlant é submetido de novo ao Conselho Alargado de Crédito – no qual estão o presidente e o vice-presidente da CGD, Fernando Faria de Oliveira e Francisco Bandeira – e o investimento continua a avançar. Nesta altura, de acordo com documentos internos do banco, a Caixa já tem empatados, através da La Seda, 110 milhões de euros na Artlant. Em Maio injectará mais 95 milhões.

É em Janeiro, dia 22, que a Caixa aprovará o financiamento à Artlant sob a forma de project finance. Será desenhado no braço da banca de investimento por Sérgio Monteiro, que virá a ser secretário de Estado do governo de Pedro Passos Coelho, e Daniel Santos, os dois pelo Caixa BI. Nesta altura, o representante da Caixa na La Seda é Gonçalo Botelho, um dos participantes na  reunião que decorreu em 2006 no Caixa BI em que estava Jorge Tomé.

O financiamento, neste modelo de project finance, é da ordem dos 371 milhões de euros e totalmente assumido pela CGD. Ao contrário do que acontece com outros projectos, em que o banco público é apenas um dos financiadores. Neste ano de 2010, por exemplo, a Caixa esteve envolvida em 13 projectos deste tipo, mas apenas na Artlant (que nesta altura ainda se chama Artenius) e no túnel do Marão é que garantiu a totalidade do financiamento.

Nesta altura a La Seda ainda era, teoricamente, a dona do projecto de Sines. Mas se logo em 2008, quando José Sócrates lançou a primeira pedra, a La Seda já estava desinteressada, neste momento ainda menos envolvida se encontrava, até porque tinha entrado num processo de reestruturação a vender boa parte do que tinha andado a comprar em 2006 e 2007.

A Barbosa & Almeida era agora o maior accionista da La Seda e, embora a Caixa tivesse a segunda maior participação, a estratégia tinha mudado. E Carlos Moreira da Silva não estava interessado na Artlant, sabendo também, como sabia, que a fábrica seria sempre inviável sem ter por perto ou um fornecedor da sua matéria-prima ou um cliente. É assim que surge a ideia de envolver outros accionistas.

António de Sousa, presidente da CGD entre 2000 e 2004, lidera agora a ECS Capital, uma sociedade que nasce em 2006 dedicada ao capital de risco e à reestruturação de empresas. Nas conversas que a equipa da ECS tem com os bancos, eis que a Caixa lhes propõe que entrem no capital da Artlant. A La Seda não lhes interessava, mas o facto de Carlos Moreira da Silva, através da Barbosa & Almeida, ter entrado no capital da companhia de Barcelona leva-os a cair na tentação. Era um selo de credibilidade. Embora soubessem que, sozinha, a Artlant dificilmente iria sobreviver, aceitam o desafio.

E em Agosto de 2010, dois anos depois da primeira pedra e quatro após a Caixa se ter metido nesta aventura por via do Governo, a Artlant ganha novos accionistas. Na sequência de um aumento de capital de 96 milhões de euros, a La Seda reduz a sua posição para 41%, o Fundo de Recuperação da ECS Capital (que é detido em 15,2% pelo Tesouro) fica com 29%, a Caixa Capital 19% e InovCapital (actual Portugal Ventures) com os restantes 11%.

Na prática, se somarmos as participações directas e indirectas, a CGD continua a ser o accionista maioritário da Artlant e aquele que tem lá mais dinheiro empatado. A própria La Seda reconhece, no relatório de 2015, que tem a sua participação na Artlant penhorada ao grupo Caixa com um valor da ordem dos 55 milhões de euros. O projecto Mega PTA de Sines vê-se até com uma  participação indirecta do próprio Estado, uma vez que o Tesouro é um accionista, ainda que minoritário, do fundo da ECS que entrou na fábrica de Sines.

O conflito entre a Caixa credora e a Caixa accionista ficou ainda visível no episódio da tentativa de aquisição da posição que a La Seda ainda tem na Artlant. Em Julho de 2014, a ECS, a Caixa Capital e a InovCapital tentam comprar os 41% à La Seda mas a CGD opõe-se, ficando ao lado dos outros bancos. Defendeu o penhor que tem sobre essas acções da Artlant por financiamentos à La Seda, que, neste momento, já se encontra em processo de insolvência, desde Janeiro de 2014.

Apesar de todos os contratempos, a Caixa nunca desiste de ir para a frente com o projecto Mega PTA de Sines. A situação na La Seda deteriora-se cada vez mais, somando-se aos processos judiciais um enquadramento financeiro cada vez mais difícil. O projecto de reestruturação de Carlos Moreira da Silva, com a venda das fábricas pelo mundo, enfrenta agora a voragem de resultados a curto prazo do fundo Anchorage, que está a comprar a dívida da La Seda. Mas em Portugal o projecto de Sines continua a andar. E a fábrica que era para abrir na segunda metade de 2010 acaba por começar a produzir em Março de 2012, já a troika está em Portugal há quase um ano.

Uma actividade que dura pouco tempo. Em Fevereiro de 2015 a empresa decreta uma redução do horário de trabalho dos seus 146 trabalhadores (lay off). Em Janeiro de 2015 tinha sido aprovado
pela CGD, AICEP e Artelia o processo especial de revitalização (PER) da Artlant. E aqui é reconhecido que a Caixa tem créditos de 520 milhões de euros na fábrica de Sines – a que é preciso somar a sua participação no capital para ter um valor correcto do que empatou no projecto, assim como aquilo que injectou na La Seda.

Mais de dez anos depois de o Governo de José Sócrates ter envolvido o banco público no sector das embalagens de plástico, para concretizar o seu projecto de criação de um pólo petroquímico em Sines, a Caixa continuava a minimizar perdas. Quanto perdeu? O número exacto é difícil de obter – aquele que contabiliza o dinheiro empatado, mas também aquilo que a Caixa ganhou por via da assessoria que primeiro deu às aquisições da La Seda e depois à venda de algumas dessas compras através do Caixa BI.

Quanto se perdeu? O número exacto é difícil de obter – aquele que contabiliza o dinheiro empatado, mas também aquilo que a Caixa ganhou por via da assessoria que primeiro deu às aquisições da La Seda e depois à venda de algumas dessas compras através do Caixa BI.

Usando apenas os números do envolvimento da Caixa nos anos iniciais da sua participação na La Seda e os créditos que reclama junto da Artlant, estamos a falar de verbas que ascendem a quase mil milhões de euros. Montante que dava para construir quase dez Estádios da Luz ou mais do que uma ponte Vasco da Gama.

Porque é que a Caixa não abandonou o projecto logo em 2008 quando se começaram a detectar os primeiros problemas com a La Seda e quando tinha pouco mais de 300 milhões de euros envolvidos no projecto é a pergunta que fica sem resposta. Ou com uma resposta: nunca se pode opor a financiar um projecto que um qualquer Governo classifica como sendo de «interesse nacional» (PIN). E muito menos teve força para estragar a festa da primeira pedra em Março de 2008 em Sines – como ninguém teve, nem o empresário Manuel Matos Gil, que na altura tinha investimentos com Ricardo Salgado e se viu obrigado a participar na cerimónia da «primeira pedra».

Quando o Governo quer (ou quis), a Caixa tem de arranjar sempre argumentos para continuar a financiar. Mesmo que tudo o que esteja a acontecer mostre que quanto mais dinheiro meter no PIN mais dinheiro vai perder. Mesmo que a argumentação para aprovar os créditos seja cada vez mais frágil e envolva riscos de crime. É muito o que a Caixa arriscou e perdeu para obedecer ao Governo.

Ladrões de Bicicletas


Memória (XXVII)

Posted: 23 May 2018 08:43 AM PDT

Como muito oportunamente recorda o «Uma Página Numa Rede Social», foi esta a «fundamentação da direita, em 1979, para votar contra a criação do Serviço Nacional de Saúde (...), criticando a sua "filosofia colectivista"» e alegando que um «SNS universal e tendencialmente gratuito seria um atentado contra a liberdade». Na mesma linha, como é também oportunamente lembrado, PSD e CDS pretendiam, há poucos anos, «proceder a uma revisão constitucional, para retirar a expressão "tendencialmente gratuito" do artigo 64.º, que garante o direito à protecção da saúde». Talvez por isso, sem surpresa - e apenas eventualmente com um pouco mais de subtileza - os sinais que chegam do atual PSD apontam no mesmo caminho, como demonstra a proposta de criação de uma espécie de «cheque-saúde camuflado», indispensável para a expansão das lógicas de mercado.

Rosas do abismo

Novo artigo em Aventar


por Bruno Santos

"Calmo na falsa morte", Lima de Freitas, Acrílico sobre tela, 1985

Parece que a nova moda entre uma certa inteligência nacional é espalhar a ideia, não só de que Portugal é um país racista, mas também que toda a sua História é uma expressão antiga, intemporal, desse racismo.

Este ataque ao carácter da Nação e ao seu legado é uma forma de revisionismo, de falsificação histórica e ocultação, que pretende apagar da memória colectiva, principalmente da que servirá as novas gerações, o verdadeiro sentido do projecto Português no mundo e os pilares da sua identidade. Pretende, no fundo, armadilhar o futuro, esvaziando o céu de uma terra que há muito perdeu o chão.

Nós os Inimigos que entramos pelas Portas dos Fundos

por estatuadesal

(Dieter Dellinger, in Facebook, 23/05/2018)

dieter

Ouvi agora na SIC Notícias o Sousa Tavares dizer "deixámos entrar o inimigo pela porta dos fundos". O inimigo somos nós os facebookistas que estavam a ser muito criticados por darem notícias falsas. Ora, no Facebook e nos blogs é raro alguém dar uma notícia. O que muitos, ou todos como eu fazemos, é desmascarar a falsidade dos noticiários e salientar textos ou acontecimentos que achamos interessantes, por isso, os jornalistas odeiam-nos

Eu sinto-me muito honrado em ser odiado pelo jornalixo dos pasquins e das televisões e sei que isto de Google e Facebook veio para ficar e é uma grande REVOLUÇÃO.

Curiosamente, no almoço do Sócrates verifiquei que alguns jornalistas tratavam-me pelo meu nome, o que significa que eles lêem estas coisas sem grande valor e dão-lhes importância porque não gostam de ser desmascarados.

O jornalixo parece não ter a consciência da diferença que vai entre campanha totalitária contra um governo, um partido e um ex-PM, e Notícia ou até comentário de acontecimento do dia.

A resposta não pode deixar de ser uma campanha contra o jornalixo e talvez não são os jornalistas os culpados, mas sim os proprietários capitalistas dos jornais que em pleno século XXI não podem ouvir falar de socialismo, comunismo, esquerdismo quando, apesar desses nomes, vivemos numa sociedade de direita, isto é, com economia de mercado em que os poderes apenas querem colocar a coleta dos impostos ao serviço dos mais pobres de modo que seja maior o número de pessoas a viverem em condições médias, isto é, nem ricas nem pobres.

O Mexia, por exemplo, deve pagar mais de 50% dos seus 2,2 milhões de ordenado anual em IRS e TSU. Ele ganha muito, mas é obrigado a ceder muito, enquanto de um ordenado mínimo não sai nada para IRS e de ordenados até 1000 euros também não sai grande coisa. Claro, muitos outros recebem de sacos azuis oriundos de offshores.

O Facebbok do grande Zuckerberg é a liberdade total, mesmo para a asneira e o trivial. Somos tão livres aqui como à mesa de um café e isso é que é revolucionário e insuportável para aqueles que julgavam poder ganhar dinheiro com mentiras e campanhas políticas e para continuarem a fazê-lo perdem cada vez mais dinheiro.

Eles, os capitalistas do jornalixo, têm os juízes do seu lado. Por isso somos obrigados a desmascarar os juízes.

Hoje todo o Mundo critica o juiz Conte, indigitado PM da Itália de ter aldrabado o seu currículo com afirmações falsas sobre a sua passagem por universidades onde nunca foi visto.

Nós aqui não ganhamos nada e vamos chamando a atenção de uns e outros para o que se passa em termos do que é verdade ou mentira. E não mentimos, eu digo com orgulho que sou socialista e defendo o PS. Não me escondo com nome falso nem com pseudo independência.

Entre as brumas da memória


Morte Assistida / Eutanásia – ainda

Posted: 23 May 2018 11:42 AM PDT

Vai acesa a discussão no Facebook. Depois de umas horas a discutir comentários sobre opiniões e ignorâncias quanto ao que será discutido e votado, dentro de dias, na AR – quatro projectos de lei sobre morte assistida / eutanásia – apetece-me dizer o seguinte.

Até 2007, quando foi finalmente despenalizada a IVG, realizaram-se milhares e milhares de abortos clandestinos, a maior parte em condições indignas e todos traumatizantes. Em 2018, é agora uma incógnita se o Parlamento conseguirá aprovar a despenalização da morte assistida / eutanásia ou se a maioria dos deputados vai pretender que ela aconteça também na clandestinidade e que venha a tornar-se também um negócio chorudo como o aborto o foi. Melhor: que continue a acontecer, já que não se tenha a menor dúvida de que já é praticada.

Uma coisa parece certa: com tudo o que se sabe hoje, com a experiência de outros países, com a evolução e progresso das mentalidades, muitos portugueses, cada vez mais, não vão renunciar ao exercício de um dos direitos mais fundamentais que têm: o de disporem da sua vida na fase mais trágica da mesma. E terão quem os ajude – legalmente ou não.

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PCP e Eutanásia

Posted: 23 May 2018 06:33 AM PDT

PCP vota contra, eutanásia em risco.

Sem qualquer surpresa. E nem sou capaz de acrescentar «infelizmente», porque é importante saber com quem se conta e para quê. PCP = Partido conservador de esquerda forever.

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Porque a quantidade de vida adicional não compensa a qualidade de vida perdida

Posted: 23 May 2018 03:05 AM PDT

Num texto exclusivo para o Expresso, o investigador justifica porque é a favor da eutanásia, cuja despenalização será discutida e votada na próxima terça-feira no Parlamento, que apreciará quatro projetos de lei.

Narrativas diferentes sobre a morte

“Neste mundo nada é garantido, exceto a morte e os impostos”

(… in this world, nothing can be said to be certain, except death and taxes)

é uma das frases mais conhecidas e irónicas de Benjamin Franklin

Todos morremos. Há pouco mais de um século, o nosso tempo médio de vida andava pelos 40 anos. Hoje, em muitos países, incluindo Portugal, mais do que duplicamos esse valor, e há quem pense que possamos alcançar os 100 anos nas próximas décadas. Esta evolução tem claramente a ver com os avanços científicos, tecnológicos e sociais das nossas sociedades. Lá vai o tempo em que uma pneumonia era quase sempre mortal, ou em que os que estavam próximos do fim eram simplesmente abandonados à sua sorte.

Do ponto de vista da evolução, depois de nos reproduzirmos e de garantirmos que os nossos descendentes sobrevivem sem a nossa ajuda, deixamos de ser úteis para a espécie. Mas as comunidades humanas aprenderam, felizmente, a valorizar mais do que a simples reprodução. Hoje, reconhecemos que as sociedades são tanto mais ricas e fecundas quanto mais forem capazes de construir ambientes promotores de capacidades como o amor, a curiosidade, a imaginação, a compaixão, a partilha e a inovação, para os seus cidadãos. Capacidades que foram conquistadas ao longo de séculos em lutas árduas e sangrentas pela nossa liberdade e autonomia (não só política, mas também religiosa, social e pessoal). Liberdade e autonomia essas que continuam frágeis, porque nem sempre essa valorização do “outro” é reconhecida e retribuída.

Chegamos a uma situação em que a evolução do conhecimento, nas ciências naturais, sociais e humanas, não se limitou a dar-nos mais anos de vida; deu-nos também, frequentemente a capacidade de usufruir deles física, emocional e racionalmente. Infelizmente, nem sempre estes anos adicionais de vida são acompanhados da qualidade desejada.

E é sobre esta questão que gostaria de me debruçar. O que acontece quando alguém tem a consciência clara de que a perda de autoestima, de dignidade e de independência, assim como o sofrimento físico e psicológico que o esperam, se irão acentuar nas semanas, meses ou até anos de vida de que possa vir ainda a usufruir? Todos conhecemos histórias dramáticas sobre situações que acompanhámos pessoalmente ou de que nos chegaram relatos detalhados. E todos nós “usamos” essas histórias para justificarmos a nossa posição em relação a este tema. Se, para uns, a resposta óbvia são os cuidados paliativos, para outros, o desejo e a possibilidade de pôr fim rapidamente a esse sofrimento são também muito claros. Se for praticamente impossível para os que entraram nos cuidados paliativos poderem sair deles, como nos descreve Philippe Bataille na sua obra de 2012, as decisões antecipadas são ainda mais relevantes.

Neste contexto, o diálogo entre aqueles que consideram a vida humana como uma “dádiva” e os que, pelo contrário, olham para a vida humana como um processo de construção e consolidação individual e social, torna-se difícil, senão impossível. Nos debates, focamos a nossa atenção sobre o que fortalece a nossa posição/convicção e ignoramos o resto. Uns debruçam-se sobre o conceito de “obstinação terapêutica”, enquanto outros sobre a noção da “prepotência da autonomia”.

Os que defendem os cuidados paliativos afirmam que, em situações de grande fragilidade, é relativamente fácil influenciar/convencer a pessoa de que não vale mesmo a pena fazer mais nada. Curiosamente, este argumento é verdadeiro também para quem deseja convencer a pessoa exatamente do contrário.

Formas diferentes de terminarmos a nossa vida se assim o desejarmos, estão disponíveis. Mas são quase sempre decisões e ações solitárias e frequentemente angustiantes. Continua a ser punível na lei a assistência por parte de outrem, em particular por um profissional de saúde, ao suicídio de alguém que o tenha solicitado repetidamente enquanto consciente. E é esta, na minha opinião, a questão principal em discussão no debate sobre a morte assistida.

Invoca-se a noção de que é o medo da dor insuportável que faz com que alguém queira terminar rapidamente o seu sofrimento, e que a morte não é solução, pois existem muitas formas de controlar a dor. Mas os efeitos secundários das elevadas doses necessárias destes fármacos são por vezes tão intoleráveis como a dor que tentam controlar. E é perfeitamente concebível que para muitos (em que eu me incluo) não é só a dor física que é intolerável. É também a ideia de que a quantidade de vida adicional não compensa a qualidade de vida perdida. E suspeito que quanto mais rica tiver sido essa qualidade de vida de alguém, menos disposta estará a valorizar semanas ou meses de vida adicionais.

Quando começamos a sentir que a nossa continuada existência deixou de ter qualquer relação com as experiências físicas, racionais ou emocionais que mais valorizamos, e que sentimos a nossa autoestima cada vez mais fragilizada, o fim parece perfeitamente razoável e até desejável para muitos de nós. Pensar desta forma não é nem aberrante, nem patológico.

Outro conceito é o de que os profissionais de saúde devem tratar, curar se possível e acompanhar os doentes, nunca matar ou ajudar a morrer. O que faz todo o sentido e deve continuar a ser o seu principal objetivo. Mas só quem está muito mal informado ou se recusa a ver a realidade é que não tem conhecimento de inúmeros casos de ajuda, por profissionais de saúde, a doentes perto do fim que querem acelerar a sua morte. Tudo feito às escondidas, à margem da lei, com enormes riscos de denúncia e com consequências profissionais gravíssimas. Não seria muito mais razoável e honesto evitar esta situação?

Atualmente, várias são as vozes que invocam a ideia de que a morte assistida seria uma forma grosseira de poupar dinheiro ao Estado. Considero essa ideia ainda mais insultuosa do que a outra, oposta, que também é invocada por alguns, de que “o negócio da morte é muito lucrativo”. Tendo vivido muitas situações de fim de vida de familiares e amigos, há várias décadas, ainda fico surpreendido com a arrogância que algumas afirmações demonstram.

Ainda outro argumento (o do slippery slope) é o de que os países onde se dará assistência médica aos que querem morrer passarão a ser centros mundiais de morte assistida descontrolada. Nenhuma das poucas experiências que existem neste domínio, tanto nos EUA como na Europa, comprova essa afirmação. E todas elas mostram que, onde é legal, o processo é complexo e exigente – muito diferente do que se passa onde é criminalizado, e por isso mesmo praticado às escondidas e sem qualquer controlo.

No passado recente, em Portugal, este mesmo argumento (o do slippery slope) foi usado e abusado no debate da estratégia para a toxicodependência e da interrupção voluntária da gravidez. Não só as previsões não se concretizaram, como toda a evidência recente mostra exatamente o contrário.

Uma das soluções sugeridas e que tem ganho alguma aceitação é a de não fazer nada para tentar alongar o tempo de vida que resta, quando a equipa médica decide que o paciente está em fase terminal. Esta solução, em que se mantém o paciente com, ou por vezes até sem, a hidratação mínima necessária, e que pode durar dias ou semanas, é vista por muitos (onde eu me incluo) como cruel e insensível.

Por todas estas razões, e tantas outras que são sobejamente conhecidas, acho que a morte assistida deve ser legalizada e regulamentada, e que o processo seja o mais exigente e rigoroso possível para evitar ao máximo aquilo que hoje acontece muitas vezes sem qualquer supervisão.

Para mim, a qualidade e a dignidade da minha vida e da minha autonomia são mais importantes que a quantidade de vida e suspeito que isso é verdade para muitos cidadãos. O dilema está em decidir quem deve ou pode dar a ajuda solicitada, e se essa ajuda deve ser descriminalizada.

Os profissionais de saúde estão divididos sobre este assunto. Ainda bem. Só mostra que a ética também faz o seu caminho. Seria inconcebível pensar que uns são mais detentores da verdade do que outros. E felizmente já ninguém se arroga o direito de definir o que é a verdadeira compaixão.

Gostava de terminar com uma observação que considero, no mínimo irónica. A história da humanidade está cheia de exemplos de pessoas que escolheram e/ou aceitaram morrer para não abdicarem das suas convicções, da sua honra, da sua dignidade, da sua autonomia ou da sua verdade. Estas pessoas são normalmente admiradas e até por vezes vistas como mártires. O debate em que estamos empenhados parece ignorar a ideia de que a forma como cada um quer morrer é provavelmente uma das decisões mais importantes da sua vida.

“A nossa vida depende da vontade de outros; a nossa morte da nossa vontade própria”

(La vie dépend de la volonté des autres, la mort de notre volonté propre)

excerto do livro sobre “Montaigne”, de Stefan Zweig»

Alexandre Quintanilha