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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Entre as brumas da memória


Desculpa, Mãe, eles não sabem o que fazem

Posted: 22 Jan 2019 01:30 PM PST

«Em 1992, a polícia militar invadiu o Bairro dos Pescadores em Quarteira, sem pedir licença para entrar, arrombou todas as portas que não abriram ás únicas 3 pancadas de "Bom dia, é a polícia!" Por nos estarmos a preparar para ir para a escola, eu, o meu irmão Elisio e a minha caçula Ligia, assistimos pela primeira vez a um choro desesperado da nossa sempre forte Mãe! O pai já tinha madrugado para ir exercer o seu trabalho como mais um pedreiro Cabo-verdiano.

Iam em busca de droga e dinheiros oriundos da mesma. Conta-se pelos dedos de uma mão, as casas em que encontraram o tão desejado troféu; Mas nem com todos os dedos das mãos da minha família e de todas as famílias numerosas oriundas de uma Africa na altura tão distante, conseguiriamos contar as lágrimas derramadas nos rostos daquelas mães e crianças daquela manhã de 92. Ainda hoje, para mim e para o meu irmão, a palavra Polícia não consegue ser sinónimo de "Segurança Pública". Ainda hoje tento perdoar o que vi naquela manhã, de G3 apontadas aos nossos rostos quando saímos para a escola, com a forma agressiva com que revistaram as nossas mochilas que o único peso que carregavam provinha dos livros. Esta história aconteceu no início dos anos 90 em Quarteira, sul de Portugal, mas é comum a todos os Bairros sociais representados de norte a Sul do País. O choro da dor de uma Mãe é a maior cicatriz que um Ser Humano carrega no seu corpo e alma. E acreditem que o que mais me dói neste momento, é ver as reações de puro ódio, daqueles que exclamam ignorantemente "Se não estão bem aqui, porque não vão para a vossa Terra?" Fomos criados pelos nossos pais a não falar de politica, por ser perigoso, a não levantar a voz a uma autoridade por ser perigoso, a não dar a nossa resposta de revolta a cada "Preto de merda" saído da boca da ignorância que continuam a chamar de Racismo. Sempre procurei compreender as piadas, brincadeiras e até justifiquei muitas atitudes com um simples "não foi com intenção", mas o que tenho assistido estes dias só me faz aperceber que o Sonho tão desejado de MLK, ainda é uma Utupia para todos nós.

"Olho por olho, e o mundo acabará cego." Ghandi.»

Claudino Pereira no Facebook

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Há três anos, no adeus a Nuno Teotónio Pereira

Posted: 22 Jan 2019 09:52 AM PST

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"Só senti a bala"

Posted: 22 Jan 2019 06:41 AM PST

Protesto contra intervenção da PSP no Seixal acaba com tiros de borracha na baixa de Lisboa

«O realizador João Salaviza, que esteve na manifestação e acompanhou os manifestantes desde as 17h30, relatou por telefone ao PÚBLICO que um grupo subiu a Avenida da Liberdade em direcção ao Marquês de Pombal “de forma completamente ordeira e pacífica”, gritando palavras de ordem contra a violência policial e o racismo. “Havia polícias armados de shotgun. A determinada altura, o trânsito estava parado e esses carros começaram a buzinar em solidariedade. Alguns manifestantes aproximaram-se dos carros para agradecer. Não percebi muito bem como, oiço tiros e vejo toda a gente a correr. A polícia começou a varrer todos os que tinha pela frente e a quem tivesse associado à manifestação, segundo critérios cromáticos (cor da pele), batia com cassetetes. Acho que a maioria conseguiu fugir”, relatou o cineasta vencedor de um Urso de Ouro em Berlim e de uma Palma de Ouro em Cannes.

“Havia pessoas àquela hora que iam buscar os filhos à escola, a sair do trabalho, turistas a sair dos hotéis. A polícia transformou a Avenida da Liberdade numa espécie de guerra civil. Vi muita gente a dizer que tinha medo de estar perto dos polícias mas não dos manifestantes”, disse ainda.»

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Uma ideia simples e subversiva

Posted: 22 Jan 2019 03:01 AM PST

«De cada vez que se apresenta uma lei no Parlamento, há algumas pré-condições que têm de ser verificadas para que ela possa ser debatida. Viola algum artigo da Constituição? Se sim, vai para trás. A proposta implica despesa? Se sim, só poderá entrar em vigor com o Orçamento do ano seguinte e tem de dizê-lo explicitamente – é a chamada “norma travão”. Da mesma forma, quando um Orçamento do Estado é apresentado, os Governos indicam qual preveem que seja o crescimento da economia, a receita e a despesa fiscal, os indicadores de emprego ou qual a meta de défice que se propõem atingir. Esse prognóstico condiciona todo o debate público que se segue e a avaliação que se faz sobre a proposta. Favorece o crescimento ou não? Implica maior ou menor despesa? Aumenta ou diminui o défice? As próprias instituições internacionais pronunciam-se sobre algumas dessas metas, muitas vezes violando flagrantemente a soberania democrática dos países e o seu direito a tomarem as suas opções de política económica.

Há uns anos, a Rede Europeia Anti-Pobreza/EAPN Portugal lançou um desafio que, sendo uma ideia simples, tem a força subversiva do que é sensato e provocador ao mesmo tempo: e se, antes de se discutir qualquer lei, se avaliasse não apenas o seu impacto no Orçamento, mas também o seu impacto sobre a pobreza? Ou seja, quando se discute o aumento do número de alunos por turma ou o encerramento de um centro de saúde, quando se debate o valor do salário mínimo ou as regras do subsídio de desemprego, quando se apresenta uma nova lei das rendas ou uma política sobre os passes de transporte, quando se discute o valor das pensões ou as mudanças no abono de família, qual é o efeito previsível que essa proposta tem na produção, manutenção ou agravamento da pobreza e da exclusão social?

A proposta é sensata porque parte de um tema e remete para um objetivo que, supostamente, merece consenso nacional: o combate à pobreza. Em 2008, a Assembleia da República declarou solenemente, por unanimidade, que “a pobreza conduz à violação dos direitos humanos” e comprometeu-se a desenvolver políticas para erradicá-la. O que se seguiu é conhecido: depois de algum progresso até 2010, o período que se seguiu, particularmente até 2013/2014, foi o do maior agravamento da pobreza que Portugal conheceu nas últimas décadas.

É por isso que, além de uma inteligente provocação, a proposta é também subversiva: ela pretende obrigar a que todos os que têm responsabilidade assumam a consequência das suas propostas. De todas. Ou seja: que se assuma que o combate à pobreza não é apenas uma questão de “apoio aos pobres” nem tampouco de políticas sociais, mas sim uma questão de distribuição primária de rendimento, de políticas orçamentais, económicas, de políticas de emprego, de educação, de saúde ou de habitação. Por exemplo: há quem tenha achado que era importante liberalizar o mercado do arrendamento para “dinamizar a economia” – mas quantos novos pobres resultaram dessa medida? Houve quem decidisse congelar ou cortar as pensões em nome da “diminuição da despesa pública” – mas quantas pessoas foram atiradas para a pobreza à conta disso? Há quem entenda que a vantagem competitiva de Portugal para atrair investimento estrangeiro é comprimir os custos do trabalho (seja no salário, seja no trabalho suplementar ou em dias de férias) – mas além dos efeitos nas “exportações”, que relação é que isso tem com o facto de haver em Portugal 10% de trabalhadores na pobreza, mesmo com salário? Se no campo das declarações de princípios parecemos estar de acordo, por que razão a pobreza não acaba? A explicação não se encontra em comportamentos individuais. Encontra-se no modo como a sociedade e o sistema económico estão estruturados, nas desigualdades que promovem, nos mecanismos da sua reprodução – e nas escolhas que fazemos a todos os níveis.

Em Portugal, mais de 1 milhão e 700 mil pessoas continuam na pobreza. Uma parte significativa são crianças e jovens. Temos pois um imenso caminho a percorrer para erradicar o fenómeno. A sugestão da Rede Europeia (que o Bloco transformou num projeto de lei entregue na Assembleia, o que suscitou já reações do Governo e do Presidente da República) tem o enorme mérito de nos obrigar a pensar no assunto permanentemente, em cada medida que é proposta e a assumir as consequências do que defendemos. Se a pobreza é uma violação dos direitos humanos, o que a tem agravado? E que escolhas concretas a combatem?»

José Soeiro

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