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segunda-feira, 15 de abril de 2019

Entre as brumas da memória


Carta aberta de Jô Soares «ao Ilmo. Sr. Presidente Jair Bolsonaro»

Posted: 14 Apr 2019 12:30 PM PDT

Caro presidente Jair Bolsonaro. Entendo a reação provocada quando o senhor afirmou que o nazismo era de esquerda. Isso se deve ao fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, vários pequenos grupos se formaram, à direita e à esquerda.

Um desses grupos foi o NSDAP: em alemão, sigla do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre seus fundadores originais havia dois irmãos: Otto e Gregor Strasser. Otto era um socialista convicto, queria orientar o movimento do partido à esquerda. Foi expulso e a cabeça posta a prêmio.

Seu irmão Gregor preferiu unir-se ao grupo do Camelô do Apocalipse. Quanto a Otto, que não concordava com essa vertente, nem com as teorias racistas, teve sua cabeça posta a prêmio por Joseph Goebbels pela quantia de US$ 500 mil. Foi obrigado a fugir para o exílio, só conseguindo voltar à Alemanha anos depois do final da guerra. Hitler apressou-se em tirar o ‘social’ da sigla do partido. Mais tarde, Gregor foi eliminado junto com Ernst Röhm, chefe das S.A., na famigerada ‘Noite das Facas Longas’.

Devo lhe confessar que também já fui alvo de chacota, mas por um motivo totalmente diferente: só peço que não deboche muito de mim.

Imagine o senhor que confundi o dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard, filósofo, teólogo, poeta, crítico social e autor religioso, e amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista, com o filósofo Ludwig Wittgenstein, que, como o senhor está farto de saber, foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico e um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século 20.

Finalmente, um conselho: não se deixe influenciar por certas palavras. Seguem alguns exemplos:

1. Quando chegar a um prédio e o levarem para o elevador social, entre sem receio. Isso não fará do senhor um trotskista fanático;

2. A expressão ‘no pasarán!’, utilizada por Dolores Ibárruri Gómez, conhecida como ‘La Pasionaria’, não era uma convocação feminista para que as mulheres deixassem de passar as roupas dos seus maridos;

3. ‘Social climber’ não se refere a uma alpinista de esquerda;

4. Rosa Luxemburgo não era assim chamada porque só vendia rosas vermelhas;

5. Picasso: não usou o partido para divulgar seus gigantescos atributos físicos;

6. Quanto à palavra ‘social’, ela consta até no seu partido.

Finalmente, adoraria convidá-lo para assistir ao meu espetáculo.

Foi quando surgiu um dilema impossível de resolver. Claro que eu o colocaria na plateia à direita. Assim, o senhor, à direita, me veria no palco à direita. Só que, do meu lugar no palco, eu seria obrigado a vê-lo sempre à esquerda.

Espero que minha despretensiosa missiva lhe sirva de alguma utilidade.

Convicto de ter feito o melhor possível, subscrevo-me.

Jô Soares,

Influenciador analógico

(publicada na Folha de S. Paulo)

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Simone de Beauvoir morreu num 14 de Abril

Posted: 14 Apr 2019 09:27 AM PDT

Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir morreu em 14 de Abril de 1986, com 78 anos. Ela que disse um dia, num documentário divulgado mais abaixo, que «a vida não é uma coisa que se tenha, mas sim algo que passa».

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber. Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe«regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória.

Um longo documentário legendado em português, que merece ser visto:
E Simone dita por Fernanda Montenegro:

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Quem nunca...?

Posted: 14 Apr 2019 07:30 AM PDT

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Máfias gold

Posted: 14 Apr 2019 03:00 AM PDT

«A reportagem da SIC "A cidade e o medo" conta a tragédia do incêndio na Rua de Alexandre Braga, no Porto, em março, que deixou um morto, cinco feridos e duas famílias desalojadas. Conta que o fogo foi posto para expulsar uma octogenária, culminando um processo de intimidação por agentes de um fundo imobiliário detido por um chinês com visto gold.

Conta como estes investidores encomendam a redes de meliantes o assédio psicológico e físico a residentes em certas zonas das nossas cidades, para os forçar a abandonar as casas. Vulneráveis e apavorados, confrontam-se com profissionais que compram barato imóveis para os vender a estrangeiros em busca de autorizações de residência (ARI), ou vistos gold: as "máfias gold"...

Porque há toda uma "indústria" mafiosa por detrás dos vistos gold. Incluindo advogados, imobiliárias, contabilistas, notários, especialistas em angariar estrangeiros compradores e em esvaziar casas bem situadas...Com a cumplicidade do MAI/SEF e do MNE que gerem as ARI e não cuidam de, ao menos, impor controlos sobre a origem dos capitais investidos e das fortunas dos candidatos a residentes. Muitos não vão cá residir, querem é poder circular sem entraves na zona Schengen.

Acresce que em Portugal os titulares de vistos gold - já mais de sete mil, além de mais de 12 mil familiares que se lhes reuniram desde que Paulo Portas instalou o esquema - contam com a proteção do segredo. Ao contrário de pensionistas e devedores ao Fisco que veem dados pessoais divulgados pelo Estado, e ao contrário de outros países com tais esquemas, por cá não são publicados os nomes de quem requer ou obtém vistos gold: ideal para tríades se infiltrarem na UE e para cleptocratas e corruptos de todos os azimutes lavarem proventos e darem segurança europeia aos seus investimentos. Como deputada no PE, pedi repetidas vezes aos sucessivos titulares do MAI os nomes dos beneficiários de vistos gold: em vão. Por que se teme o escrutínio?

A Comissão Europeia publicou em 2018 um estudo sobre vistos gold que aponta riscos para a segurança do Espaço Schengen. O PE pede que se acabem estes esquemas, que não compensam os danos para a integridade do sistema económico e financeiro.

A UE está a acordar para o perigo das máfias gold. Há medo nas nossas cidades. Que mais precisa Portugal para também acordar?»

Ana Gomes

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