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segunda-feira, 22 de abril de 2019

Relação arrasa juíza que condenou vítima de violência doméstica por pedir ajuda

Por

ZAP

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20 Abril, 2019

Ben Sutherland / Flickr

O Tribunal da Relação de Lisboa anulou uma sentença de primeira instância que condena uma vítima sinalizada de violência doméstica a 800 euros de multa ou 26 dias de prisão por ter accionado o “botão de pânico” face à proximidade do ex-marido.

O Tribunal de Loures condenou uma mulher, vítima sinalizada de violência doméstica, a uma multa de 800 euros de multa ou 26 dias de prisão, depois de esta ter accionado a Teleassistência a Vítimas de Violência Doméstica, revela este sábado o Jornal de Notícias.

Os factos em julgamento ocorreram em janeiro de 2017, quando a mulher se deslocou a um centro comercial de Loures para buscar o filho, que tinha passado o ano com o ex-marido — que está acusado em processo de violência doméstica.

Já com o menor, a mulher ter-se-á apercebido de que o ex-marido a seguia. O casal envolveu-se então em discussão, que obrigou à intervenção dos seguranças do espaço comercial, e na sequência da qual a mulher accionou o “botão de pânico” atribuído pelo Tribunal, ano e meio antes, no âmbito do processo de violência doméstica.

A PSP, alertada pela Teleassistência, enviou três viaturas para o local, mas, conta o JN, os agentes acharam que “a mulher só queria uma boleia até casa” e que a mulher tinha accionado os meios de socorro “sabendo que deles não necessitava e que os mesmos poderiam ser necessários para auxiliar alguém que deles realmente precisasse”.

Um familiar da mulher testemunhou ter ouvido os agentes que se deslocaram ao local dizer que “a PSP não era serviço de táxi“.  O caso acabaria por dar origem a um inquérito, na sequência do qual o Ministério Público decidiu acusar a mulher, e o caso seguiu para julgamento.

Nas audiências, os seguranças confirmaram a discussão entre o casal, mas os agentes da PSP sustentaram que a mulher “não disse que tinha sido ameaçada, queria apenas que a PSP a levasse a casa, porque receava o ex-marido, sentindo medo por ela e pelo filho”.

A juíza que julgou o caso considerou provado que “a arguida sabia que não estava em perigo e que não tinha qualquer motivo para accionar o sistema de Teleassistência”, condenando-a a multa de 800 euros ou 26 dias de prisão. A mulher recorreu da sentença.

Sentença arrasada na Relação

A sentença do Tribunal de Loures foi agora anulada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que no seu acórdão tece duras críticas à juíza e ao Ministério Público, considerando que a decisão era “contra a prova produzida” e o alerta da mulher era justificado. Segundo a Relação, houve “manifesto erro na apreciação do prova” por parte da juíza de Loures.

“Dizer que a arguida utilizou abusivamente um sinal ou chamada de alarme ou socorro de forma simulada é extremamente grave, desproporcional e inaceitável, considerando que estamos a falar de uma vítima de violência doméstica, sinalizada e acompanhada por vários técnicos”, lê-se no acórdão da Relação, citado pelo JN.

Os dois magistrados da Relação consideraram “inaceitável o entendimento e as declarações proferidas em tribunal e calmamente aceites de que a violência verbal não é geradora de insegurança, de perigo ou de medo que justifique o recurso à teleassistência”.

“É ainda fundamental não esquecer que, ao ter Teleassistência, a mulher foi considerada pelo tribunal uma vítima de violência doméstica, para quem a proteção era imprescindível, e não pode ignorar as razões e os objetivos subjacentes à concessão dessa proteção”, acrescentam os juízes.

A primeira instância “tem obrigação de compreender o fenómeno da violência doméstica e colaborar no esforço nacional e internacional para combater essa praga“, concluem os juízes desembargadores que anularam a sentença do Tribunal de Loures.

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