Posted: 08 Aug 2019 03:18 AM PDT
«Mais uma vez a tragédia aconteceu no Mediterrâneo, a 25 de julho. Umas estimadas 150 pessoas afogaram-se a tentar fugir da Líbia – subindo o balanço de mortes este ano na zona central do Mediterrâneo para pelo menos 576 pessoas. Esta perda de vidas evitável mostra bem a desesperada falta de capacidades de buscas e salvamento e o sofrimento terrível de quem foge da Líbia.
A Médicos Sem Fronteiras (MSF) testemunha o inimaginável custo humano das políticas de interceção e detenção de migrantes e de refugiados. Ver os centros de detenção na Líbia é ver o sofrimento humano à escala industrial. Para muitos dos sobreviventes do desastre de 25 de julho, o círculo vicioso de detenção arbitrária, violência e exploração continua sem fim à vista.
Há pessoas ainda detidas em Tajura – no mesmo centro de detenção que foi atingido num ataque aéreo há um mês e em que morreram 53 pessoas e outras 70 foram feridas. Um médico da MSF descreveu um banho de sangue: “Há corpos por todo o lado, e partes de corpos a sair de debaixo dos escombros. A certa altura tive de estacar... teria pisado os corpos se continuasse a andar. Conhecia muitas destas pessoas que foram mortas, pelo nome, conhecia as suas histórias.”
Tal como com quem continua a afogar-se no mar, as mortes em Tajura foram previsíveis e evitáveis. E estas mortes vão continuar enquanto os pedidos para a retirada das pessoas forem ignorados. Não há nada a protegê-las de mais ataques aéreos ou da violência das milícias na Líbia. Forçar as pessoas a voltar para os centros de detenção é, para muitas, uma sentença de morte.
A tragédia humana vivida por quem é apanhado na Líbia é uma tragédia provocada pelo homem. Ao pararem o destacamento de meios navais na Operação “Sophia”, os líderes europeus não puderam continuar a fingir que estavam a salvar vidas. A única “escolha” que restou é ficar preso num centro de detenção líbio ou arriscar a morte no mar.
Parece que os líderes da Europa consideram que o afogamento das pessoas é um preço aceitável para conter o fluxo no Mediterrâneo Central. Mas nada justifica que as pessoas fiquem encurraladas na Líbia ou deixadas para morrer no mar às portas da Europa.
Nas semanas recentes, alguns líderes europeus – incluindo de Portugal – apelaram a soluções sustentáveis para buscas e salvamento e pelo fim das detenções arbitrárias na Líbia. A situação não permite demoras: têm de transformar as palavras em ações. Refugiados e migrantes na Líbia têm de poder fugir para alcançar segurança e os retornos forçados têm de acabar.
Os líderes europeus devem possibilitar a retirada de todas as pessoas detidas arbitrariamente. Isto já foi possível recentemente. Porém, por cada pessoa transferida ou recolocada, três mais são forçadas a voltar pela Guarda Costeira da Líbia – que a União Europeia está a apoiar com meios navais. Se os líderes europeus fizerem finalmente jus às suas declarações públicas, esta contradição tem de desaparecer.
A 25 de julho, ao mesmo tempo que as equipas MSF prestavam cuidados a 135 dos sobreviventes, fomos responsabilizados pelas mortes. A MSF e a SOS Méditerranée anunciaram há dias o reínicio das operações de buscas e salvamento no Mediterrâneo Central. E uma vez mais somos acusados de contribuir para um factor de “atração” para quem foge da Líbia. Os factos demonstram que isto é categoricamente falso. As pessoas encurraladas na Líbia, confrontadas com violência e despojadas dos mais fundamentais direitos humanos, vão continuar a fugir para salvar a vida. É o instinto humano mais básico e acontece independentemente de os barcos das ONG estarem ou não a operar.
A tragédia humana que refugiados e migrantes enfrentam na Líbia e no mar é totalmente evitável.
Ações claras e concretas têm de incluir o regresso das operações de buscas e salvamento. Tem de ser estabelecido um mecanismo claro de desembarque em portos seguros e os milhares de refugiados e migrantes nos centros de detenção têm de ser retirados da Líbia, sem mais demoras.
A assistência que ONG e organizações humanitárias podem oferecer a quem está encurralado na Líbia ou no mar é incrivelmente limitada. Não temos capacidade para mudar a situação.»
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