REUTERS/Ueslei Marcelino
“Ou desta vez as instituições reagem e as forças democráticas se unem e fazem o impeachment, ou serão cúmplices da imposição autoritária, com ou sem quartelada. Um novo golpe não seria uma réplica do roteiro de 1964”
- 21 Abril, 2020
- Posted inOpinião
As peças do impasse político começaram a se movimentar neste domingo, dia do Exército. Ou o Brasil reage e enfrenta o impeachment de Bolsonaro, ou sofrerá o plano golpista que ele escancarou ontem.
Depois de participar de manifestação em frente ao QG, pedindo golpe militar, fechamento do STF e do Congresso, Bolsonaro teria se reunido com seus ministros militares, enquanto o STF recebia um mandado de segurança pedindo a imediata suspensão de parte de seus poderes para evitar que ele continue cometendo crimes de responsabilidade e atentando contra a democracia, face à comissão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em autorizar a abertura de seu processo de impeachment. Até o julgamento do mérito da ação, pedindo seu afastamento do cargo, parte de suas atribuições seriam transferidas ao vice, Hamilton Mourão.
Na manifestação, de resto contrária às circunstâncias sanitárias dramáticas que o país enfrenta, Bolsonaro pregou “o povo no poder”. Em outras palavras, isso significa “todo poder a Bolsonaro”, sem Congresso e sem Supremo. Ou desta vez as instituições reagem e as forças democráticas se unem e fazem o impeachment, ou serão cúmplices da imposição autoritária, com ou sem quartelada. Um novo golpe não seria uma réplica do roteiro de 1964.
Para se impor como ditador, Bolsonaro só pode contar com os militares. A beligerância premeditada antes ainda da pandemia agravou-se com ela, na medida em que ele passou a desprezar as vidas dos brasileiros, combatendo o isolamento social em nome de uma preocupação que nunca teve com os desvalidos e com os desempregados, ensaiando desavergonhadamente a estratégia de culpar governadores, Congresso e STF pelos efeitos econômicos inevitáveis que virão.
Com a trombada ele buscou isolar-se, dizendo ter todos contra si, embora apoiá-lo significaria trair a população, empurrando-a para uma normalidade que levaria ao morticínio descontrolado. Restou-lhe os militares e ninguém pode dizer honestamente se estão dispostos a se comprometer com um golpe em favor de um presidente tão insano, desequilibrado e incapacitado para o governo. O jornalista Gerson Camarotti falou em “constrangimento” da alta cúpula militar mas não se ouviu um pio de reprovação da caserna.
Do meio político-jurídico veio uma condenação uníssona à senha para o golpe, reunindo parlamentares diversos, 20 governadores, três ministros do STF, o presidente da OAB, os ex-presidentes FHC, Lula e Dilma. A nota fora do tom veio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que condenou a conduta mas não acenou com a abertura do processo de impeachment por crime de responsabilidade, embora já tenha recebido pelo menos 17 pedidos. “Não temos tempo a perder com retóricas golpistas”, disse ele, indicando que não tomaria a providência esperada.
À noite, os advogados Thiago Santos Aguar de Pádua (OAB/DF 30.363) e José Rossini Campos do Couto Corrêa (OAB/DF 15.932) impetraram mandado de segurança junto ao STF, pedindo que, face à omissão do presidente da Câmara em autorizar a abertura do processo de impeachment por eles apresentado, seja concedida liminar limitando os poderes do presidente da República e transferindo parte de suas atribuições ao vice-presidente Hamilton Mourão, até seja julgado no mérito o pedido de seu afastamento do cargo.
Trata-se de um atalho jurídico que pode ter sua eficácia política. Os autores invocam o precedente em que o STF limitou as prerrogativas do então deputado Eduardo Cunha e do então Aécio Neves para que deixassem de incorrer em crimes de responsabilidade, já que as casas a que pertenciam não tomavam providências. Também agora Maia estaria cometendo abuso de poder por omissão, dizem os autores. Poderá o STF até negar a liminar, alegando que cabe ao Congresso, e ao não ao STF, julgar o presidente da República por crimes de responsabilidade, sendo do presidente da Câmara a iniciativa de determinar a abertura do Um constrangimento para Rodrigo Maia, que nunca desmentiu a notícia de que se recusa a abrir o processo por superstição. Todos os presidentes da Câmara que teriam tomado tal iniciativa tiveram dissabores a seguir: Ibsen Pinheiro foi cassado após abrir o processo contra Collor, e Eduardo Cunha foi preso após fazer o mesmo contra Dilma Rousseff. Mas, qualquer que seja a decisão do STF sobre a ação interposta ontem, Maia ficará numa saia justa, podendo ser forçado a tomar a decisão.
O que a hora exige, como em outros momentos cruciais de nossa história, é uma frente de todos os setores democráticos para remover da Presidência quem chegou lá pelas regras da democracia e agora quer dar um golpe. O exemplo da ex-presidente Dilma Rousseff é eloquente, pois tendo sido vítima de um golpe travestido de impeachment em 2016, poderia ter restrições a alianças, mas ontem ela disse: “Devemos nos unir contra esta ameaça de implantar o caos. E a Constituição mostra o caminho”. Lula, que juntamente com a cúpula do PT hesitou em abraçar o “fora Bolsonaro”, ontem ele fez uma inflexão: “A mesma Constituição que permite que um presidente seja eleito democraticamente têm mecanismos para impedir que ele conduza o país ao esfacelamento da democracia e a um genocídio da população.” Fora das articulações petistas, o ex-ministro José Dirceu é direto: “ou se faz o impeachment, ou ele vai dar o golpe”. Simples assim.
Mas nem o PT nem a esquerda farão o impeachment sem a articulação de uma ampla frente democrática para evitar o golpe. É desta articulação que todos os democratas devem começar a tratar nesta segunda-feira, sem preconceitos, buscando superar suas diferenças e elegendo como prioridade a preservação da democracia. Nesta frente devem caber a esquerda, o centro e a direita não bolsonarista.
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