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quarta-feira, 8 de abril de 2020

O editorial esquerdalho do Financial Times

O editorial esquerdalho do Financial Times

08/04/2020 by João Mendes

KM

O editorial que se segue foi publicado no Financial Times, sendo a tradução da autoria de João Rodrigues, perigoso ladrão de bicicletas. Tentem não entrar em pânico, não baixem a guarda, mas preparem-se: os esquerdalhos andam aí e querem comer os vossos filhos ao pequeno-almoço.

A existir um raio de esperança no Covid-19, este é a injecção de um propósito comum em sociedades polarizadas. Mas o vírus e o confinamento económico necessário para o combater, também lançaram uma luz horripilante nas desigualdades existentes, para lá de terem criado novas desigualdades. Para lá de derrotar a doença, o grande teste que todos os países enfrentarão em breve consiste em saber se os actuais sentimentos de propósito comum moldarão a sociedade a seguir à crise. Como os líderes ocidentais aprenderam na Grande Depressão e depois da Segunda Guerra Mundial, a exigência de um sacrifício colectivo implica oferecer um novo contrato social que a todos beneficie.

A crise actual expôs a forma como tantas sociedades ricas estão aquém deste ideal. A luta para conter a pandemia expôs a falta de preparação dos sistemas de saúde ou a fragilidade de muitas economias nacionais, à medida que os governos correm para evitar falências em catadupa e para enfrentar o desemprego de massas. Apesar de apelos inspirados à mobilização nacional, não estamos realmente todos nisto.

Os confinamentos económicos estão a impor um custo acrescido aos que estavam já em pior situação. De um dia para outro, milhões de postos de trabalho e de sustentos foram perdidos nos sectores da hotelaria, lazer e quejandos, enquanto que os trabalhadores melhor remunerados enfrentam o incómodo de trabalhar a partir de casa. Pior ainda, todos os que têm empregos mal remunerados e que ainda conseguem trabalhar estão tantas vezes a arriscar as suas vidas – como cuidadores e auxiliares de saúde, mas também como repositores de prateleiras nos supermercados, condutores ou empregados de limpeza.

Os extraordinários apoios orçamentais à economia por parte dos governos, embora necessários, piorarão as coisas de várias formas. Os países que permitiram a emergência de um mercado de trabalho marcado pela precariedade e pela informalidade estão a encontrar grandes dificuldades em canalizar ajuda financeira para os trabalhadores com empregos inseguros. Entretanto, o alívio monetário por parte dos bancos centrais ajudará os ricos, que detêm activos. Por detrás disto tudo, os subfinanciados serviços públicos está a ceder, sob pressão das políticas de combate à crise em vigor.

A forma como travamos a guerra contra o vírus beneficiará alguns em detrimento de outros. As vítimas do Covid-19 serão sobretudo os mais velhos. Mas a maiores vítimas dos encerramentos serão os mais novos e activos, a quem é pedido que suspendam a formação e que prescindam de rendimento precioso. Os sacrifícios são inevitáveis, mas todas as sociedades terão de demonstrar como gerar formas de restituição aos que tiveram de arcar com os maiores fardos dos esforços nacionais.

Será necessário pôr em cima da mesa reformas radicais – invertendo a orientação política prevalecente nas últimas quatro décadas. Os Estados terão de ter um papel mais activo na economia. Devem encarar os serviços públicos como investimentos e não como um peso, e procurar formas de tornar os mercados de trabalho menos inseguros. A redistribuição estará novamente na ordem do dia; os privilégios dos mais velhos e dos mais ricos serão postos em causa. Políticas consideradas excêntricas como um rendimento garantido e impostos sobre a riqueza terão de fazer parte do menu.

As medidas que os governos têm tomado para apoiar as empresas e os rendimentos estão a quebrar tabus e são correctamente comparadas com o tipo de economia de guerra que os países ocidentais não conheceram nas últimas sete décadas. A analogia pode ir mais longe.

Os líderes que ganharam a guerra não esperaram pela vitória para planear o que se seguiria. Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill estabeleceram a Carta do Atlântico, que culminaria nas Nações Unidas, em 1941. O Reino Unido publicou o relatório Beveridge em 1942. Em 1944, a conferência de Bretton Woods forjou a arquitectura financeira do pós-guerra. O mesmo tipo de visão é necessária hoje em dia. Para da guerra de saúde pública, os verdadeiros líderes mobilizarão agora para ganhar a paz.

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