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terça-feira, 21 de abril de 2020

Petróleo: o dia em que os vendedores pagaram aos compradores

Para complicar ainda mais o quadro, os bancos já começam a recusar crédito para operadores dos mercados de petróleo.

A segunda-feira, 20 de abril de 2020, já entrou para a história dos grandes e inéditos eventos financeiros. Nesse dia, os contratos futuros de óleo cru caíram para abaixo de US $ 0 nos Estados Unidos. Menos 40,32 dólares foi o nível alcançado pelo preço dos contratos futuros para o segmento de mercado conhecido como West Texas Intermediate, e que serve de baliza para todo o setor de petróleo nos EUA. Pagavam-se 40 dólares para se livrar da commoditie. Essa é uma queda inédita, já que o outro segundo maior recuo do preço do barril de petróleo ocorreu em 1946, em Nova York, mas ainda com valores positivos, diferentemente do que houve agora.

O que é esse colapso de preços do petróleo, a mais importante commoditie do mundo?

É mais do que as típicas volatilidades de mercado, a partir de movimentos especulativos em que dealers forçam a queda de preços de futuros, projetando superlucros com a compra na baixa e a venda na alta. É mais que uma tradicional política de preço predatório para deslocar competidores, como se poderia imaginar em uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia, até o início do mês de abril. É mais que uma resposta a pressões decorrentes de técnicas substitutivas, para inviabilizar a produção de custos elevados do óleo em rochas de xisto, como vinha ocorrendo, com muito sucesso, nos Estados Unidos. É mais que um ajuste do setor de petróleo ao futuro de energia renováveis, em face da crise ambiental.

Na verdade, antes do surto do coronavírus, o setor de petróleo já enfrentava dificuldades. Há alguns meses, abriu-se uma guerra de preços, envolvendo sobretudo Rússia e Arábia Saudita, com sérios efeitos colaterais sobre os Estados Unidos. A OPEP e outros grandes produtores não conseguiram chegar a um acordo para regular a oferta da commoditie. Antes do coronavírus, as condições de relativa fraqueza da atividade econômica global, que alguns chamaram de estagnação secular, com poucas exceções como a China, já comprimiam os preços do petróleo. Os estoques de petróleo não paravam de aumentar. As tensões políticas entre Estados Unidos, Irã, Arábia Saudita e Rússia sobre os destinos do Oriente Médio, a exemplo da expansão da influência iraniana e do começo de um novo governo saudita, aumentaram sob novas formas, além da guerra, sob o governo Trump. Essas tensões políticas minaram as possibilidades de acordo sobre a oferta de petróleo, a partir da OPEP, desde janeiro e até há pouco, início de abril.

E agora com a pandemia do Covid-19, os problemas haviam de recrudescer. Nesse sentido, não há surpresa. A crise econômica associada ao Covid-19, ao evidenciar as contradições e falhas do capitalismo, acentua os desajustes que vão surgindo, por toda parte, nos diversos mercados. No caso do petróleo, a demanda global por petróleo já se contraiu em um terço.

Em apenas 20 dias, entre o dia 02 e o dia 22 de abril, algumas comemorações transformaram-se em lamento. A vez das comemorações: no dia 02/04/2020, o presidente Donald Trump festejou os resultados de telefonemas para Vladimir Putin, presidente da Rússia, e para o novo governante da Arábia Saudita, o príncipe Mohammed bin Salman. Ele anunciou um acordo a ser firmado para corte do volume de produção de petróleo. Trump despejou alguns twiters, proclamando que (o acordo) ia ser “ótimo para o setor de petróleo e gás”. Esse setor, nos EUA, emprega cerca de 10 milhões de pessoas, direta e indiretamente[1]. Nesse instante, os preços dos contratos futuros no mercado ‘West Texas Intermediate crude’ subiram 24,67%, a maior alta percentual da história, colocando o preço em US$ 25.32 por barril. No dia    12/04/2020, a OPEP e outros divulgaram a concretização do acordo: corte de 10% da produção no mundo, ou seja, 9,7 milhões de barris por dia. Tratou-se do maior corte de produção da história, mais um ineditismo. Trump festejou seu suposto papel de mediador para um acordo envolvendo mais de 20 países. E a vez dos lamentos: no prazo exíguo de 8 dias, a inédita restrição produtiva da OPEP e outros provou-se um castelo de cartas, o preço do petróleo caiu em queda livre. Se a demanda sofreu, com a pandemia do Coronavírus, uma queda entre 25 a 35 milhões de barris, era evidente que os 9,7 milhões do acordo não sustentariam os preços.

No rastro da queda do preço do petróleo, massas de trabalhadores serão demitidas, os chamados pequenos produtores entrarão em falência. Diante do colapso dos preços no dia 20, o presidente Trump correu a anunciar o imediato socorro da mão visível do Estado para o setor de petróleo. Assim, nesse dia 20, ele anunciou o gigantesco aumento da chamada reserva estratégica nacional de petróleo em 75 milhões de barris. Ele, também, cogitou bloquear a importação de petróleo da Arábia Saudita. Cadê aquele fanfarrão de uma semana atrás, bancando o xerife ou o mediador do petróleo no mundo? Os republicanos pedem bloqueio geral de importações para viabilizar a indústria de petróleo das rochas de xisto.

Como avaliar a dimensão desse colapso de preços do petróleo?

Parece, a qualquer título de avaliação, que se trata de um sinal muito relevante, associado a um conjunto de problemas sérios na economia. Não é um evento isolado, nem sequer meramente financeiro. Seria errôneo minimizar esse sinal de graves problemas nessa estratégica junção de petróleo e finança. Esse pode ser mais um ingrediente explosivo dentro da crise econômica global associada ao Covid-19. Os próximos meses, em razão direta com a recessão global, evidenciarão as características e os desdobramentos dessa sinalização de 22/04/2020. Analistas da Bloomberg concluíram que “… a crise do mercado de petróleo está piorando. Esse processo enviará uma onda deflacionária através da economia global…”[2]. De todas as muitas mudanças nos mercados financeiros, no contexto do surto de coronavírus, essa foi a mais contundente[3].

Os preços no mercado físico de petróleo são também pressionados para baixo por conta desse específico movimento dos contratos futuros. As perdas dos operadores dos negócios do petróleo tendem a repercutir negativamente em outras áreas, dado o imbricamento dos mercados financeiros, a exemplo do principal mercado contratos futuros de petróleo no mundo, o WTI. Toda a cadeia de óleo e gás recolhe estilhaços do colapso de preços, a exemplo da paralisação de frotas de perfuração para as buscas de exploração nos Estados Unidos. As principais empresas de estocagem de petróleo praticamente já não têm mais espaço para armazenar o produto. Em pouco mais de um mês, até meados de abril, os estoques aumentaram em 48% em um dos mais importantes conglomerados de estocagem de petróleo dos Estados Unidos. Estamos na época dos ineditismos: pela primeira vez, as estocagens gigantescas em Cushing, Oklahoma, esgotarão sua capacidade de armazenagem de petróleo no final de maio, conforme o atual ritmo assombroso de estocagem diária. Assim, é preciso se desfazer do produto. Para complicar ainda mais o quadro, os bancos já começam a recusar crédito para operadores dos mercados de petróleo.

Os efeitos geopolíticos são evidentes e atingem os Estados Unidos e sobretudo os países mais dependentes das receitas do petróleo como a Rússia, Arábia Saudita, Irã, Venezuela, Iraque. Os mais fragilizados, como a Venezuela, sob permanente cerco político estadunidense, tendem a enfrentar maiores dificuldades. O Brasil, que já vinha com problemas em sua balança comercial, perde receita com a queda de preços das exportações de óleo cru, o que pode aumentar as pressões para novas rodadas de desvalorização cambial do real. Evidentemente, a China, nesse específico âmbito do petróleo, aparece como o maior beneficiário dessa superoferta da commoditie, considerando a posição chinesa de maior importador no mundo. Esse é mais um ponto de apoio estratégico para a China prosseguir sua ascensão econômica para o posto de principal superpotência do século XXI, apesar da nova guerra fria empreendida pelos Estados Unidos.

Aguardemos os próximos capítulos.

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