Raquel Moleiro
Coordenadora de Sociedade
14 MAIO 2020
Partilhar
Bom dia.
Se Portugal fosse um ser humano, dotado de emoções e fraquezas, hoje tinha acordado com o estômago um bocadinho enrolado, as mãos a suar frio como quando se está na iminência de receber o resultado de um teste importante, daqueles que abrem portas e mudam vidas. Este muda a de dez milhões, e viabiliza (ou não) o fim de outras tantas barreiras, em pequenas e grandes superfícies, escolas, lares, relvados e areais.
Esta quinta-feira de manhã, há reunião quinzenal no Infarmed e o Governo receberá dos epidemiologistas as primeiras avaliações aprofundadas da progressão da covid-19 após o fim do estado de emergência, sendo que a DGS admite que só desde ontem os números começaram verdadeiramente a refletir os efeitos do desconfinamento iniciado a 3 de maio. O povo saiu à rua (moderadamente) e hoje pesam-se as consequências, que vão permitir firmar decisões sobre a abertura (a segunda) da economia e da sociedade a mais atividades durante os próximos 15 dias, a validar sexta-feira num conselho de ministros extraordinário.
Os relatórios diários foram sendo animadores, com uma diminuição constante dos internados em cuidados intensivos e os recuperados a duplicar desde o início do mês. Porém, nem o número de novos infetados nem a taxa de letalidade estabilizaram completamente na descida, como que a relembrar que nesta pandemia tudo é matéria volátil e desconhecida, e que nem as linhas desenhadas com a geografia certa garantem o êxito do combate. Está-se em fase de estagnação, mas o medo (e a possibilidade) da reversão existe, bastando para isso que se descurem os deveres de recolhimento e proteção.
O secretário de Estado da Saúde disse estar “expectante num balanço positivo”, e é à luz dessa esperança que se percebe que, mesmo antes do primeiro relatório do estado de calamidade, se avancem recomeços: visitas controladíssimas aos lares a 18 de maio, no mesmo dia em que os alunos do 11º e 12º ano voltam à escola e as creches e os restaurantes reabrem; missas de máscara no fim de maio; e a I Liga de Futebol a jogar a 25ª jornada a 4 de junho, à porta fechada.
Cavalgando o optimismo, arrisco dizer que, se em 1917 Nossa Senhora tivesse surgido na Cova de Iria uns meses mais tarde, se calhar o 103ª aniversário da primeira aparição, que ontem se realizou em versão minimalista e quase sem peregrinos, teria tido santuário lotado, respeitando uma quadrícula de segurança ao estilo do 1º de maio. Mas vendo as fotografias do António Pedro Ferreira e lendo os textos da Rosa Pedroso Lima, que lá estiveram nos últimos dois dias, ninguém pode afirmar que Fátima não se encheu de Fé .
E foi precisa uma grande dose da dita - independentemente da religião - para acreditar que Mário Centeno ainda amanheceria hoje como ministro de Estado e das Finanças, depois de um dia de pingue-pongue de culpas a propósito da transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco, em que o presidente do Eurogrupo levou com boladas de todos os lados, com críticas de Marcelo Rebelo de Sousa, com o primeiro-ministro a nada acrescentar às palavras do Presidente, com Rui Rio a pedir-lhe a demissão e o Bloco de Esquerda a falar em "remodelação em direto".
Centeno acabou a noite em São Bento, numa reunião de urgência com António Costa, decidido a demitir-se, como conta aqui a Liliana Valente. Três horas depois, já depois das 23h, saiu ainda dono da pasta. Mas não saiu sozinho. Saíram os dois juntos e sorridentes. Era preciso dar prova de vida da confiança pessoal e política, que seria depois firmada por escrito.
Esta quinta-feira, depois do encontro com os epidemiologistas que lhe permitirá decidir o futuro próximo do país, o primeiro-ministro segue para Belém para um almoço privado com Marcelo Rebelo de Sousa. No topo da ementa está a avaliação do futuro político de Centeno. Anteveem-se dores de barriga e suores frios para os lados do Terreiro do Paço.
Sem comentários:
Enviar um comentário