por estatuadesal
(Elisabete Miranda, in Expresso Diário, 13/05/2020)
O ministro das Finanças deu ontem uma esclarecedora entrevista à TSF, onde, a propósito da polémica transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco, deixou, direta ou implicitamente, uma mão cheia de mensagens:
- a transferência tinha de fazer-se, e já (não fazê-lo representaria a quebra de um contrato com consequências legais e reputacionais para Portugal);
- mesmo que alguém tivesse a veleidade de sugerir que fosse suspensa, o ministério das finanças nunca o permitiria;
- a transferência estava prevista no Orçamento do Estado (logo, António Costa, que em 2017 até esteve a seu lado no anúncio do acordo para a venda do Novo Banco, sabia que ela é para acontecer ritualmente todos os anos até se esgotar o plafond);
- não há qualquer regra que faça depender as transferências anuais para o Novo Banco de uma auditoria, e não há surto epidémico que mude essa realidade (logo, António Costa pôs-se fora de pé no Parlamento, por duas vezes);
- o ministério das Finanças fez tudo o que tinha a fazer e só se penitencia por não ter informado o primeiro-ministro de que já tinha autorizado a operação (um erro, ainda assim, menor, face à irresponsabilidade financeira de não a fazer).
De uma penada, Mário Centeno conseguiu desviar as atenções que desde quinta-feira o responsabilizam por uma embaraçosa falha de comunicação no Governo, e transferir os holofotes para um primeiro-ministro que, deliberada ou acidentalmente, causou esta confusão.
É agora a António Costa que cabe explicar se valida a cândida explicação avançada no fim de semana pelo Público, segundo a qual confundiu a auditoria da Deloitte com a análise da Oliver Wyman (que nem é uma auditoria, nem está agendada para julho). Ou se mudou de opinião sobre a transferência para o Novo Banco numa semana, porquê, e porque não informou o seu ministro das Finanças da alteração.
Mas, nesta entrevista exemplarmente conduzida pelo jornalista Anselmo Crespo, Mário Centeno também deixou algumas pontas soltas.
Desde logo, ficou por explicar como é que o seu gabinete e o do seu secretário Estado que tutela a pasta – “o Mourinho da Finanças” – negligencia a circulação da informação sobre uma operação politicamente tão sensível, baseada num contrato que nunca foi bem digerido pelos contribuintes nem pela oposição parlamentar.
Depois, também não fica claro se as Finanças fazem algum tipo de análise aos pedidos de transferência do Novo Banco ou se se limitam a assinar o cheque de cruz.
Este sábado, quando o Expresso explorou o desacerto entre as Finanças e o gabinete do primeiro-ministro, publicou uma segunda noticia igualmente relevante: que o Novo Banco, que está impedido de distribuir prémios até 2021, tratou de reservar, desde já, 2 milhões de euros nas contas de 2019 para serem embolsados em 2022. O Fundo de Resolução, considerando que os prémios não seriam moralmente aceitáveis num contexto em que o banco já leva 3 mil milhões de euros de dinheiro dos contribuintes, reteve o dinheiro, e abateu-o à transferência global de 1.037 milhões de euros.
E nesta operação outras tantas dúvidas se levantam (e o Expresso já as fez chegar ao Terreiro do Paço, ainda sem sucesso). A distribuição de prémios é admissível à luz do contrato assinado em 2017? Sendo-o, o ministério das Finanças concorda que a administração do Novo Banco reserve para si 2 milhões de euros, mais do que, por exemplo, o prémio que o BCP tinha definido? Não concordando, porque não teve o mesmo zelo que o Fundo de Resolução, subtraindo os 2 milhões de euros do empréstimo público a transferir, e com isso poupando dinheiro aos contribuintes?
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