por estatuadesal
(José Pacheco Pereira, in Público, 28/06/2020)
Pacheco Pereira
Domar a noite de S. João, como aconteceu há dias, é obra. E domá-la pela responsabilidade é ainda maior obra.
O dia mais democrático de Portugal é uma noite, a noite de S. João no Porto. Nessa noite acontece uma coisa única na Europa, uma cidade inteira sai à rua. Há sítios preferenciais como as Fontainhas, como nos bairros populares no S. António em Lisboa, mas o que torna a noite diferente é um fluxo humano de dezenas de milhares de pessoas que se desloca como um rio pelas várias ruas de centro. O que fazem? Nada a não ser meterem-se uns com os outros, antes com os alhos porros, ou com ramos aromáticos, antes de aparecer essa coisa sinistra que são os martelinhos. Ninguém escapava e ninguém protestava.
Só houve uma noite de S. João fora da noite de S. João, o dia em que a cidade saiu à rua para esperar Humberto Delgado, naquilo que não foi uma manifestação mas uma sublevação. Aliás, a noite de S. João era antes do 25 de Abril, um momento ideal para distribuir panfletos clandestinos, muitas vezes no formato das quadras populares. Dito isto, domar a noite de S. João, como aconteceu há dias, é obra. E domá-la pela responsabilidade é ainda maior obra.
Seria uma coisa sem pés nem cabeça estar agora a fazer uma geografia da responsabilidade, dizendo que o Norte se porta bem nas restrições da pandemia e o Sul pelo contrário. Essas fracturas são de outra natureza, etárias, sociais, habitacionais, todas adensando-se em Lisboa, mas a verdade é que também existem no Porto. Seja como for, parabéns aos “tripeiros”, numa cidade tão pouco conhecida em Lisboa.
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