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terça-feira, 7 de julho de 2020

Pedro Nuno vs Medina: um insustentável peso nos ombros

Curto

Vítor Matos

Vítor Matos

Editor de política

07 JULHO 2020

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Bom dia!
“Odiar não é um sentimento bom”, escreveu o ministro. Sempre é melhor do que a ameaça do antigo colega que há uns anos prometeu aos críticos uns “salutares tabefes” no Facebook e foi corrido do Governo a tempo de prevenir mais disparates. Apesar de ontem Pedro Nuno Santos ter recusado falar de aviação - "sobre a TAP direi zero. Tenho falado sobre a TAP todos os dias" - passou o dia a divertir-se e a fazer comentários no Twitter por causa da TAP. “Há alguém irritante do que Pedro Nuno Santos?”; perguntava uma Beatriz. E respondia o ministro: “Mas o que é que eu fiz? :(“. A um tal de Joe mais agressivo - “nunca odiei tanto um ministro como odeio o Pedro Nuno Santos, p*** que o pariu” - eis que o membro do nosso Governo lhe escreveu, magnânimo, aquela frase maravilhosa: odiar não. Mas houve mais comentários ministeriais: pode ler outras pérolas do mesmo calibre nesta recolha da Liliana Valente, inclusive uma troca de mimos com João Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, mas o tema é demasiado dramático para brincadeiras.
Esta crise leva a tantas crises que todas engrossam o caudal da Grande Crise. Tudo começa na pandemia e desagua na pandemia, na crise de doença, morte, medo, falência, desemprego. A TAP será, possivelmente, o nosso caso de efeito económico mais dramático a seguir às mortes, aos traumas e ao desemprego. Pedro Nuno Santos pode ter piada no Twitter, pode até ter uma elevação provocatória que desarma críticos anónimos, mas no Governo agora “a música é outra”. O ministro fez o que tinha de ser feito? Mas o que tinha de ser feito vai ter custos enormes, incalculáveis, e vamos passar anos a avaliar o que aconteceu na semana passada, vamos passar anos a avaliar os moldes da venda aos privados do Governo Passos/Portas e a analisar o processo de reversão do Governo Costa/’geringonça’ e a nacionalização negociada que começa agora - será uma aposta segura dizer que haverá comissões de inquérito. Pedro Nuno Santo será jovial nas redes sociais, mas arrastará tudo o que acontecer na TAP pelo futuro do país e pela sua carreira política - e tanto mais pesado será o fardo nos seus ombros quanto mais subir, ou seja, se chegar lá.
Se de um lado temos a semana difícil de um candidato à sucessão no PS, do outro assistimos a uma péssima semana do delfim do líder socialista na câmara de Lisboa. Fernando Medina não cometeu o pecadilho das redes sociais como o seu "rival", mas não evitou o pecado da gula pela imprensa estrangeira. Medina não tem acertado. Depois de o PS o ter isolado nas críticas à gestão do surto de Covid-19 em Lisboa - quando ele tinha razão - e de ter sido corrigido quanto à inexistência de testes aos fins-de-semana, eis que o presidente da câmara de Lisboa decidiu escrever um artigo no "The Independent", um jornal inglês, sobre um tema cujo público é exclusivamente português. Uma trapalhada. Ora se Medina achava que o jornalismo de referência da velha "albion" era uma vantagem perante a piolheira cá da terra, enganou-se. Os ingleses sabem lá quem é o Medina e abusaram no título, cuja ideia era esta: Lisboa ia acabar com os Airbnb e substituí-los por arrendamento para trabalhadores. Ora o tema principal do texto era exatamente que Lisboa ia tentar inverter a natureza dos Airbnb (não eram para acabar, como é evidente) e convertê-los e arrendamento de maior duração.
O sarilho acabou com um assessor a telefonar para as redações, incluindo para o "The Independent", que corrigiu o título da peça: "After coronavirus, Lisbon is replacing some Airbnb and turning short term holiday rentals into homes for key workers". Escrever em estrangeiro para leitores que querem lá saber, mostra cá em casa a aflição do presidente da câmara a um ano de eleições. Depois de o turismo massificado ter esvaziado o centro de Lisboa, depois de ter reagido tarde quando decidiu criar áreas de contenção ao alojamento local em setembro do ano passado - já havia bairros vazios de moradores tradicionais - agora a inversão nas políticas. Não há turistas, regressem os moradores. É a decisão lógica, pois é. É o que deve ser feito (agora), claro que é, mas com o turismo a borbulhar a opção dificilmente seria essa, mesmo para bem da cidade. Tal como Pedro Nuno carregará o peso da TAP aos ombros, Medina terá no esvaziamento da cidade em nome de um el dourado que parecia não acabar a sua nemesis. Vai ter de batalhar em 2021.
Ora foi Fernando Medina que desencadeou, e muito bem, uma destas cadeias de crise, quando denunciou as falhas no combate à pandemia, que depois levaram a duas manchetes do Expresso: primeiro sobre a falta de técnicos e depois sobre as discrepâncias nos números de infetados. Ontem, Duarte Cordeiro, secretário de Estado com o pelouro da pandemia e Lisboa - e ex-vice de Medina em Lisboa -, deu mais um contributo do Governo e do PS para deixar Fernando Medina sozinho nas críticas, ao dizer que “as decisões tomadas foram no sentido certo” e rápidas. O Ministério da Saúde anunciou que a Direção-Geral da Saúde vai ter uma plataforma única, em vez de três, para juntar as bases de dados nacionais e locais, para não haver mais discrepâncias e Graça Freitas disse que os números estão “o mais perto possível da realidade”, e que nada tem a ver com “esconder casos”. No primeiro discurso sobre a pandemia, o Presidente da República tinha garantido que "ninguém vai mentir a ninguém", mas os dados não têm andado certos. O tempo dirá se Marcelo Rebelo de Sousa terá de divergir em matéria de pandemia, já que se colocou como penhor da verdade, se os números continuarem a falhar.
Noutra área de tutela partilhada entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina (os transportes em Lisboa) as operadoras estão disponíveis para ajudar no desfasamento de horários entre trabalhadores e estudantes para baixar o risco de propagação do vírus. Mas depois de o ministro da Educação ter dito ao Expresso na entrevista publicada sábado que pouco mudará no funcionamento das escolas para além do uso de máscara, parece difícil esse objetivo de evitar um provável aumento de passageiros à hora de ponta, que pressione a lotação máxima de dois terços dos transportes públicos. Registe-se para futuro esta frase de Tiago Brandão Rodrigues na mesma entrevista: “Estou convencido que haverá poucos sítios mais seguros do que as escolas”. É o que veremos: proclamações destas são pouco avisadas.

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