por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 09/10/2020)
Daniel Oliveira
Para o BE, é incomportável estar associado a mais dinheiro para o poço sem fundo do Novo Banco. Se os bancos não aumentam a sua contribuição e o NB continua a receber dinheiro do Fundo de Resolução, será o contribuinte a pagar. Não basta o Orçamento não falar do Novo Banco, é preciso um compromisso que não faça da omissão um truque. É preciso amarrar o Governo a uma escolha - à esquerda ou de bloco central - que ponha fim ao pântano em que estamos, com a ausência de uma maioria política clara e um governo que surfa em alianças circunstanciais. A chantagem só é estratégia de aliança quando se quer ter um governo a prazo.
O leilão do Orçamento do Estado do ano passado teve um preço. António Costa, que sendo muito hábil sofre do pecado da soberba, garantiu a aprovação inicial. Depois, para não ter de ceder em nada de substancial, fez um leilão com todos na especialidade, tornando aquele documento numa coisa só sua. O PCP, que não podia salvar o Governo sozinho, pôs-se de fora na votação final. Mas o BE, com medo de uma crise política, acabou por viabilizar sem ter conseguido alguma coisa. Foi um erro que lhe retirou poder negocial para este ano. Um erro que as últimas notícias dão a entender que não quer repetir. Veremos até onde aguenta a pressão.
Perante este historial e o risco de novos episódios como a crise dos professores, é natural que o BE não viabilize o OE sem um documento escrito de compromisso para 2021. E parece-me evidente que terá de votar contra um Orçamento em que nem isso Costa esteja disposto a dar. Nenhum partido pode ficar refém de chantagem e dramatização durante quatro anos. Ficar nessa situação corresponderia a um desrespeito pelos seus eleitores. Se eles quisessem o PS com maioria absoluta sem ter de ceder a ninguém teriam votado no PS. É claro que, se for verdade que o PCP garante uma abstenção inicial, parte da pressão é aliviada. Isso não diz nada do voto final – mudou-o no Orçamento de 2020 – e não chega. Falta o PAN, que geralmente sai barato.
Com o Bloco de Esquerda, a dias de se conhecer a proposta de OE, pouco ou nada avançou. A moratória à caducidade das convenções coletivas é o mínimo dos mínimos e estou convencido que o Governo avançaria com ela mesmo sem acordo. Vieira da Silva chegou a impor uma. Costa pretende fazer este ano o que fez no ano passado: pega em medidas que já tem planeado e atribui a sua autoria a outro, dando-lhe um prémio de propaganda. O prémio mais forte, este ano, até seria a nova prestação social de emergência. Também já estava decidida e até anunciada. Isto não é negociar, é conter os danos no aliado circunstancial.
Não está em causa apenas o Orçamento do Estado. Os custos políticos de ficar amarrado ao Governo num momento de incerteza exigem mais. Por isso, também está em cima da mesa o aumento do salário mínimo nacional – é absurdo andar a apoiar empresas para permitir que a recuperação se volte a fazer com base em salários baixos – e algumas mudanças na lei laboral, como o recuo no período experimental que só serviu para aumentar a precariedade. E há o aumento da indemnização por despedimento.
O mais complicado e mais relevante é mesmo o Novo Banco. Mais relevante porque, para o Bloco de Esquerda, é politicamente incomportável estar associado a mais um cêntimo que seja atirado para aquele poço sem fundo. O Governo parece estar disponível a comprometer-se a não transferir mais dinheiro para o Fundo de Resolução. Mas diz que não pode impedir o Fundo de fazer transferências para o Novo Banco. E aqui, meus amigos, é pura matemática: se os bancos não aumentam a sua contribuição e o Novo Banco continua a receber dinheiro, será, agora ou depois, o contribuinte a pagar.
Não basta o Orçamento não falar do Novo Banco, é preciso um compromisso que não faça dessa omissão um truque. O Fundo de Resolução é gerido pelo Estado e no fim, todos sabemos, é o Estado que vai pagar. Não travar a sangria ali é brincar com as palavras. E é cada vez mais evidente que a administração do Novo Banco percebeu a disponibilidade sem fim do Estado e pretende extorquir tudo o que conseguir enquanto esvazia o banco por dentro. O risco é andar a pagar e ficar com uma carcaça que alguém terá de voltar a salvar. Pode um partido com o discurso do BE ter o seu nome associado a isto? Do meu ponto de vista, seria um suicídio.
Ou o PS faz um acordo de bloco central, tendo como argumento a situação extraordinária que vivemos, ou opta por uma governação com opções distintivas. O Orçamento não pode ser igual nas duas circunstâncias. Não é só o BE que precisa de um contrato escrito para viabilizar o OE. É o país. É preciso amarrar o Governo a uma escolha que ponha fim ao pântano em que estamos desde as últimas eleições, com a ausência de uma maioria política clara e um governo que surfa em alianças circunstanciais. Isto impede um rumo claro para um país que se prepara para um período difícil. Ou à esquerda, ou em bloco central. A escolha é de António Costa e terá sempre custos. A chantagem só é estratégia quando se quer ter um governo a prazo.
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