bate Vitinho, ou o problema da secapor estatuadesal |
(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 13/01/2021)
As próximas eleições podem resultar num grave problema de abstenção, enfraquecendo a democracia e fortalecendo candidatos radicais. Como se combate a abstenção com um debate tão maçador como o que pôs (mas nem opôs) os sete candidatos à Presidência? Neste teste, negativaram todos. Numa campanha quase sem campanha, pior que o desperdício de combate político é o tédio. Este tédio. Este bocejo. Se anda tudo a dormir, ninguém acorda.
Há vários tipos de seca: a permanente, a sazonal, a variável e a dos debates eleitorais a sete. Talvez o frio de rachar em estúdio tenha atrofiado os candidatos, mas a questão não está na baixa temperatura, está na ameaça de uma abstenção que seja tão assustadora nas eleições que relegue a possível subida do Chega para escândalo secundário. Até porque debate não houve nenhum. Houve duas horas de Vitinho, de cantiga de adormecer para irmos para a cama cedo.
Não é uma questão menor. Vitorino Silva foi o único a falar nisso, quando colocou a questão de legitimidade do voto se as eleições tiverem menos de 50% de participação, como é por exemplo obrigatório nos referendos para que sejam vinculativos. Há anos que politólogos colocam precisamente a questão da legitimidade do resultado de umas eleições se a abstenção ultrapassar os 50%. Tipicamente, essas análises referem-se a legislativas. Mas abstenção já foi superior a 50% nas duas últimas presidenciais (51,3% em 2016 e 53,5% em 2011). Com um país em confinamento e sem campanha que se veja, o alarme é se o risco de uma abstenção recorde não alarmar ninguém. Com tudo o que isso implica, do ponto de vista da legitimidade democrática mas também do enviesamento dos resultados, pois os partidos mais radicais tendem a ser favorecidos, por terem um eleitorado naturalmente mais mobilizado.
Não foi neste debate a sete que houve mobilização. Ou esclarecimento. Ou o que quer que fosse. O debate foi um enorme bocejo. E em grande parte por causa de Marcelo.
QUANDO MARCELO DESPREZA
O único momento em que houve provocação foi na ronda sobre a relação que deve existir entre um Presidente e um governo, se deve apoiá-lo por vocação ou criticá-lo por impulso. Nessa ronda, todos criticaram Marcelo por ter andado ao colo com o governo. Pela busca de popularidade, pelo afastamento da procuradora-geral da República e do presidente do Tribunal de Contas e por não ter imposto acordo escrito aos parceiros do governo (Mayan), por se reunir com o diretor da PSP durante o caso SEF (Marisa), por precisar de Costa e se embalarem um ao outro (Vitorino), por ser o candidato do PS, salvar a face a Centeno no caso CGD, permitir a lei das expropriações, permitir quatro mil taxas, defender o ex-ministro da Defesa no caso Tancos e não derrubar o governo nos incêndios de 2017 (Ventura), por não ter uma palavra para os trabalhadores da refinaria de Matosinhos mostrando ter os afetos “mal distribuídos” e desproteger os jovens na entrada no mercado de trabalho (João Ferreira), por não usar as Forças Armadas no combate à pandemia, representar a estabilidade do bloco central de interesses e estar pronto para trazer de volta a sua direita num segundo mandato (Ana Gomes). E a que acusações respondeu Marcelo, a quem foi dado um tempo “generoso” de resposta? A nenhuma. Despachou a resposta em dois minutos. Ignorou os candidatos e falou “aos portugueses”, que “percebem”, que “estabilidade está ligada a compromissos”.
Este desprezo é tático, não é soberba. Marcelo sabe que qualquer resposta amplificaria a crítica e potenciaria a polémica. Não passou cartão a ninguém. “Prometi [estabilidade] há cinco anos e cumpri. Ninguém foi defraudado”, porque toda a gente sabia no que estava a votar. E depois listou as crises, para mostrar quão difícil era a obra: a bancária, a saída dos défices excessivos, os fogos, os sindicatos radicais, a pandemia, a crise económica… “tudo isso recomendava um presidente que não fosse de fação mas que aproximasse (…), o PR não cria crises onde já há crises, não cria vazios onde não há alternativas.” Debate encerrado.
Marcelo foi o vencedor da época de debates porque adotou uma estratégia certa para cada um deles. Neste, a estratégia era ser superior aos outros, não lhes responder, mostrar-se como sendo o único presidencial.
A NOTÍCIA: ELEIÇÕES MANTÊM-SE
O resto não teve lume nem faúlha. O país está muito habituado a eleições antecipadas mas não a eleições adiadas. Vamos manter a data das eleições, mesmo em confinamento? A notícia veio daí. Sim porque tem de ser, sim porque nenhum partido defende uma revisão constitucional à pressa, sim mesmo que seja mau para todas as candidaturas, sim mesmo sabendo que a abstenção deverá subir, sim mesmo se adaptar agora a campanha é sabê-la prejudicada à partida. Ninguém destoou. Só houve quem debatesse… com o governo: fê-lo André Ventura (“o governo não preparou devidamente a eleição”) e Tiago Mayan Gonçalves (“a incapacidade de previsão deste governo trouxe-nos a um ponto de não retorno, agora vamos ter de fazer as eleições nas condições que temos”), enquanto Ana Gomes responsabilizou o Parlamento (“não legislou a tempo e horas para permitir o voto por correspondência por emigrantes”).
O debate prosseguiria com participação de privados na saúde. Eis como: João Ferreira ataca empresas privadas, Mayan Gonçalves ataca toda a esquerda, Ana Gomes ataca Marcelo, Marcelo defende-se, Marisa atacou o governo de direita PSD/CDS, Ventura ataca Ana Gomes e concorda com Vitorino Silva, que este diz que “se eu estivesse a morrer não ia escolher um médico do público ou do privado, eu queria era ser salvo”. E foi isto. Ah: e todos defenderam melhores condições salariais para profissionais de saúde e mais investimento para o SNS.
No fim ainda se falou de crescimento económico, mas tirando as visões ideológicas Estado contra privados, ou direita contra esquerda, ou liberais contra os que os chamam neoliberais, pouco a reter e nada a derreter.
Um debate a sete ou é tudo à molhada ou é tudo com as barbas de molho. O receio do arruaceiro Ventura é tão grande que não houve sequer diálogo, quanto mais debate, houve sete entrevistas paralelas. O problema não está só no formato, está nos candidatos. Numa eleição como esta, quase sem ações de campanha, os debates televisivos são os palcos principais.
Aqui, os candidatos não foram todos iguais mas nenhum foi diferente da mediania e da repetição. Suponho que as audiências foram caindo ao longo das duas horas. Receio que a queda continue até uma taxa de abstenção enorme. Não percebo como ninguém está aflito com isso. Mas, na verdade, a resposta até depende de si. Interesse-se, desconfine-se, pegue na esferográfica e vá votar.
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