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sábado, 13 de abril de 2024

 

O fascismo e os seus avatares

estatuadesal

12 de Abril de

(António Guerreiro, in Público, 12/04/2024)

António Guerreiro

Muitas diferenças separam as novas direitas radicais dos seus antepassados dos anos 1930, mas não conseguimos prescindir completamente do conceito de “fascismo”.


Quando observamos as tentativas para tornar inteligível através de conceitos (à maneira de Reinhart Koselleck, o fundador da “história dos conceitos”) os elementos políticos, sociais e culturais que desenham a história das últimas décadas, verificamos que não se tem ido muito além de um uso imoderado dos prefixos “pós” e “neo”, acrescentados a conceitos quase sempre fixados desde as primeiras décadas do século passado. A “tonalidade” dessa época parece ser uma herança que não foi superada e nos cabe ainda administrar. Ou então tornámo-nos linguisticamente pobres e repetitivos.

Estas actualizações terminológicas feitas à custa de partículas que se limitam a modalizar o sentido de velhos conceitos alcançaram uma nova etapa nos neologismos formados com um prefixo de negação. É o caso de “iliberal”, para designar uma democracia – a “democracia iliberal” –, que já não se ajusta bem ao seu nome, mas para a qual ainda não se fixou um nome próprio; e é também o caso de “afascista”, palavra usada num livro italiano recente intitulado precisamente Democrazia afascista, da autoria de Gabriele Pedullà e Nadia Urbinati. É com esta palavra (cuja primeira ocorrência já vem de Mussolini) que os autores do livro reconstroem a ascendência e o parentesco político de Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana. Enquanto laboratório político, a Itália não podia deixar de ser também um laboratório terminológico. Ao fascismo e ao antifascismo, acrescenta-se agora o afascismo, que introduz um novo rosto nessa família polimorfa.

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Meloni nunca usou tal palavra. Mas suscitou-a no seu discurso político, no modo como tem gerido as suas relações com o fascismo histórico, enquanto líder de um partido, Fratelli d’Italia, que descende directamente do Movimento Social Italiano. O ponto de partida dos dois autores do livro é uma carta, um verdadeiro manifesto ideológico, que Meloni escreveu há cerca de um ano, publicada no Corriere della Sera.

Nessa carta, Meloni diz que o seu partido não cultiva nenhuma nostalgia pelo passado fascista e que, não se reclamando do fascismo, a direita que ela representa está em condições de considerar que o antifascismo, a bandeira que se tem erguido contra ela, é uma coisa anacrónica, uma arma de exclusão, um resíduo inútil de uma história e de uma cultura política que pertencem ao passado. Se o fascismo desapareceu de uma vez por todas, então brandir a arma anacrónica do antifascismo só serve para condicionar a democracia e amarrá-la aos vestígios do passado.

Meloni nunca usou tal palavra. Mas suscitou-a no seu discurso político, no modo como tem gerido as suas relações com o fascismo histórico, enquanto líder de um partido, Fratelli d’Italia, que descende directamente do Movimento Social Italiano. O ponto de partida dos dois autores do livro é uma carta, um verdadeiro manifesto ideológico, que Meloni escreveu há cerca de um ano, publicada no Corriere della Sera.

Nessa carta, Meloni diz que o seu partido não cultiva nenhuma nostalgia pelo passado fascista e que, não se reclamando do fascismo, a direita que ela representa está em condições de considerar que o antifascismo, a bandeira que se tem erguido contra ela, é uma coisa anacrónica, uma arma de exclusão, um resíduo inútil de uma história e de uma cultura política que pertencem ao passado. Se o fascismo desapareceu de uma vez por todas, então brandir a arma anacrónica do antifascismo só serve para condicionar a democracia e amarrá-la aos vestígios do passado.

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