Biden e a perigosa ausência de um plano B
(Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 27/06/2024) Os ataques na profundidade do território russo não afetam o equilíbrio de forças no teatro de operações ucraniano, mas podem contribuir seriamente para alimentar uma confrontação direta entre os EUA e a Rússia. Os recentes desenvolvimentos no conflito entre os EUA e a Rússia, que decorre na Ucrânia, dão-nos indicações claras da sua agudização. Os EUA não abdicaram de infligir uma derrota estratégica à Rússia. Apesar dos revezes de Washington, o plano para derrubar Putin mantém-se em cima da mesa, o qual passa por criar pânico e caos na sociedade russa e assim obrigar o presidente russo a negociar o congelamento do conflito. Em 23 de junho, a Ucrânia atacou a cidade russa de Sebastopol com cinco mísseis ATACMS, de fabrico norte americano, armados com bombas de fragmentação. As defesas aéreas russas intercetaram quatro, mas o quinto explodiu no ar, matando seis civis e ferindo 150, entre os quais crianças. O elevado número de vítimas prende-se com o facto de terem sido utilizadas ogivas de fragmentação que libertam centenas de submunições, por sinal, proibidas pela Convenção sobre as Munições de Fragmentação (2008), que impede a utilização deste tipo de munições contra civis. Ao mesmo tempo, no Daguestão, um grupo jihadista atacou igrejas cristãs ortodoxas e uma sinagoga, degolando um padre ortodoxo; e na fronteira da Abcásia, outro grupo jihadista realizou um ataque em que se registaram vários mortos. Estes eventos foram precedidos, alguns dias antes, por um ataque perpetrado por uma célula do ISIS numa prisão em Rostov. Será difícil não ver coincidências e uma ação concertada nestas provocações terroristas. Quando começa a ser claro em Washington que a guerra convencional não está a produzir os efeitos políticos desejados, ensaiam-se novas técnicas, esperando com ações de guerra não convencional produzir os efeitos não conseguidos com as de guerra convencional. Por exemplo, a Ucrânia já declarou que tenciona recorrer ao terrorismo contra escolas russas. Isso leva-nos a crer que poderá estar em preparação uma guerra de terror de natureza assimétrica em território russo, para criar um clima de agitação social e insatisfação com as respostas do Kremlin. Os ataques a alvos civis na Crimeia não tiveram qualquer valor militar real. Se houvesse dúvidas sobre a intenção de Kiev em atingir civis, essas foram desvanecidas quando o assessor do presidente ucraniano, Mikhailo Podolyak, disse que “não existem nem podem existir «praias», «zonas turísticas» e outros sinais fictícios de «vida pacífica» na Crimeia… [dado] serem os civis ocupantes”. É difícil escamotear o facto de terem sido deliberadamente selecionados alvos civis. Caso contrário, as forças ucranianas não teriam atacado na tarde do domingo ortodoxo de Pentecostes, altura em que as ruas e as praias estavam repletas de civis. É incontornável que o ataque não tivesse por objetivo as bases militares russas na Crimeia. As instalações militares mais próximas encontravam-se a quatro quilómetros e meio de distância do local onde ocorreu a tragédia. Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, “o envolvimento dos EUA no ataque terrorista em Sebastopol não está em dúvida”. É difícil não ver a cumplicidade dos EUA neste ataque, uma vez que as informações sobre alvos e a orientação para o míssil têm origem em meios norte-americanos. Este ataque terá tido a aprovação tácita dos EUA. Não só são os ATACMS operados por norte-americanos, como não podem ser utilizados sem o envolvimento direto de militares americanos e das suas capacidades satelitárias. Não será descabido afirmar que os EUA permitiram a evolução do conflito para um novo patamar ao facilitarem/permitirem o ataque terrorista a Sebastopol, ignorando os avisos e as “linhas vermelhas” russas. Os russos chamaram a embaixadora norte-americana em Moscovo para lhe darem conta da sua incomodidade com os acontecimentos. O Kremlin terá dado a entender que considera estas ações um ataque direto dos EUA à Rússia. Os ataques na profundidade do território russo não afetam o equilíbrio de forças no teatro de operações ucraniano, mas podem contribuir seriamente para alimentar uma confrontação direta entre os EUA e a Rússia. Interrogamo-nos, pois, qual poderá ser a resposta de Moscovo a estas provocações, que a colocam num dilema difícil: escalar e dar pretextos para uma confrontação global, ou resistir às provocações. Nenhuma das respostas é fácil. Zelensky adoraria a primeira opção. Uma resposta cinética de Moscovo direta aos EUA. Assim, talvez pudesse obter, finalmente, aquilo por que tanto se tem esforçado desde o início da guerra e conseguir o que, até aqui, não foi possível: ter os EUA a seu lado no terreno, envolvendo a NATO ou alguns dos seus membros. A aparente impotência russa em responder a estes ataques também apresenta perigos. A escalada do conflito não interessa a Moscovo, uma vez que está a ganhar a guerra, mas uma retaliação frouxa reforça a posição política dos falcões, tanto em Moscovo como em Washington. Os primeiros a exigirem uma resposta mais musculada, e os segundos a verem nessa postura medo e fraqueza. Os especialistas adiantaram várias possíveis respostas de Moscovo. Criar uma “no fly zone” sobre o Mar Negro, com consequências não difíceis de adivinhar; entregar armas e tecnologia a proxies; promover ataques a tropas americanas colocadas noutras latitudes. A retaliação russa, qualquer que seja, poderá provocar uma escalada perigosa e conduzir a um ponto de não retorno. Mas Washington também já percebeu que a possibilidade de o Kremlin efetuar um ataque em larga escala até às eleições vai ficando cada vez mais distante, à medida que o tempo avança. Apostando na possível alteração de poder em Washington, Putin evitará, por enquanto, essa “modalidade de ação”. Aguardemos, então, para ver qual será a resposta de Putin. |
Sem comentários:
Enviar um comentário