A insignificante morte de um pobre
(Tiago Franco, in Facebook, 10/09/2024) Uma das coisas que me intriga na guerra da Ucrânia é este rapaz, o Peskov. Não é propriamente uma figura que necessite de grande secretismo, já que é apenas o porta-voz do Kremlin (portanto, o papagaio de serviço) mas acho que não lhe vejo a boca a mexer há dois anos. Todas as declarações chegam assim, de imagem fixa, como se o homem estivesse preso num buraco qualquer e um imitador de vozes a ler o guião. É um, dos vários de ambos os lados que se dedicam à propaganda, mas parece-me ser o único em paradeiro incerto. Já a Diana Soler, o Seixas da Costa e o Agostinho Costa mexem, e muito, os lábios, enquanto analisam o que se vai passando em Kursk. As posições do general "sôtor" são mais ou menos conhecidas e, à parte o seu entusiasmo pelo lado russo, por norma as suas análises batem certo com o que se passou (e passará) no terreno. Nesta temática, já o escrevi várias vezes, gosto de pragmatismo. Não me interessa quem tatua Putin nas nádegas ou quem adormece com um peluche do Zelensky. Interessa-me saber o que se passa e perceber, por imagens de satélite, sinais de fumo, código morse ou qualquer outro meio, o que se passa no terreno. Com Rogeiro, Milhazes, Isidros, Helenas e Ribeiros (da Visão) tenho sempre a sensação que estou a ouvir aquele famoso ministro da propaganda do Iraque (não é preciso contar a história porque vocês são todos velhos como eu e lembram-se dele). Com a Soler, a Sénica, o Seixas da Costa, o Tiago Lopes, o Carlos Dias e outros do género, já fico ali com a sensação que o bom senso e a realidade ganham à ideologia. Isso é importante, pelo menos para mim, que tenho pouca paciência para narrativas sobre Nárnia e mundos paralelos (daí este carinho especial por liberais). Ora, depois de algumas semanas a ouvir falar maravilhas sobre a invasão de Kursk (o Ribeiro até falou em "humilhação russa"), dei comigo a pensar: que raio andarão a fazer os russos para não ligarem à humilhação que todo o mundo parece ver? Ontem ouvi o embaixador Seixas da Costa e a Diana Soler dizerem, ambos, que Kursk não tinha gerado propriamente os resultados desejados. O que é que aconteceu afinal? Os ucranianos entraram naquelas aldeias perto de Kursk com as suas melhores brigadas (desguarnecendo o Donbass) e os russos, que tinham por ali uns mancebos, bateram em retirada (uma versão mais sangrenta da invasão inicial das Malvinas por parte dos argentinos). Mais uns camiões de mortos e, aparentemente, os russos não abrandaram nem retiraram tropas do Donbass (que seria o principal objetivo da Ucrânia). Em vez disso, foram buscar mais uns rapazes à Chechénia, e outros (da Wagner) ao Burkina Faso, e lá os deixaram para morrer ou estancar a ofensiva ucraniana. Para o comando militar, tanto faz. Quando estes morrerem logo se arranjam mais uns gajos lá na ponta da Sibéria. Ao mesmo tempo, vendo as perdas no Donbass, os ucranianos deixaram em Kursk os antigos empregados de escritório a segurar a coisa e recambiaram as tropas de elite (sem o capitão Nascimento) novamente para o sul. Portanto...em que resultou afinal a "humilhação russa"? Mais uns mortos de parte a parte, uns quantos prisioneiros de guerra, mais terreno papado no Donbass e umas aldeias russas - que a Ucrânia não conseguirá segurar quando ali chegar a cavalaria. A minha pergunta é, novamente, para quê? Quantos mais destes desgraçados é que precisam de morrer, anónimos, em valetas, para que os contendores se sentem a uma mesa a discutir sobre territórios que, até há uns anos, ninguém sabia sequer apontar num mapa? Esta coisa da morte de pobres para o enriquecimento das elites e expansão dos impérios é algo que, decididamente, nunca me entrou na cabeça. A História documentará o erro e o engodo que os ucranianos morderam quando os EUA, Reino Unido e NATO os empurraram para esta guerra. E claro, não deixará de registar o crescimento russo no meio desta chacina toda. É preciso perceber quem é o adversário que se tem pela frente e simplesmente deixar de ouvir os idiotas úteis da propaganda. Em 2022 disseram-nos que o exército russo colapsaria antes do Natal. Em 2023 garantiram-nos que o garrote financeiro os deixaria de joelhos. Em 2024 percebemos que temos pela frente um dos exércitos mais poderosos do mundo, assente num mar de gente, suportado por uma economia de guerra, com produção própria e apoiado por algumas das maiores economias do mundo (com a China à cabeça).
Quantos pobres mais é que precisam de morrer no campo de batalha para acalmar a ânsia de poder dos burocratas e saciar a ganância de riqueza dos abutres do armamento? |
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