Entre o aberrante e a vulgaridade
(Carlos Matos Gomes, in Facebook, 15/09/2024) A relação entre os comentadores públicos europeus e as eleições americanas fazem-me lembrar os comentários que numa noite de insónia, num hotel em Londres, ouvi a propósito de um jogo de cricket. Desconhecia e desconheço as regras do cricket. O meu interesse residia em descobrir o que levava os ingleses a interessarem-se pelo jogo. Conheço um pouco melhor algumas faixas da sociedade norte-americana do que as motivações dos adeptos do cricket, o que me permite equacionar o que esses grupos e outros idênticos (emigrantes de segunda e terceira geração, latinos e classes médias de origem anglo-saxónica), quer da costa Leste quer da Oeste, pensam das eleições para a presidência que colocam frente a frente uma figura aberrante e uma vulgaridade. A primeira convicção que tenho é a de eles, uma percentagem significativa dos americanos, não considerarem Trump aberrante, um ser exótico, como para mim é um jogador de cricket, o que conduz à conclusão de que eles também não veem Kamala Harris como alguém que saia da mesma vulgaridade onde situam Trump. O que está em jogo no jogo do cricket, ou do basebol, nos Estados Unidos para os eleitores americanos, não tem relação com o que está em jogo para os cidadãos dos vários estados estados europeus.
Os acionistas perante quem Trump e Kamala Harris respondem fazem parte da oligarquia que governa os Estados Unidos e os eleitores americanos sabem disso. Eles votam para receberem a maior fatia possível do que sobra dos lucros dos oligarcas. Uns apostam na especulação financeira, outros no mercado interno, uns nos títulos e juros, outros no emprego pago à hora. O resto do mundo comporta-se perante os Estados Unidos como eu perante uma transmissão de cricket. Apenas sei que os ingleses vão continuar a comportar-se de modo a que a sua elite possa ter acesso aos campos impecavelmente tratados e que tudo farão para que assim continue a ser. O resto, como dizia um amigo meu, é conduta. As guerras em curso seguirão o seu curso de acordo com as cotações de Wall Street, que essa sim, é a verdadeira aberração do sistema em que vivemos, pois produz dinheiro a partir do nada. Nós somos as bolas. |
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