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quarta-feira, 18 de setembro de 2024

 

Fogos, eucaliptos, comentadores e políticos

By estatuadesal on Setembro 18, 2024

(Raquel Varela, in Facebook, 17/09/2024)


Já cá faltavam comentadores a explicar que as "propriedades das celuloses não ardem". Como? Ardem, e ardem sem parar. O país todo é das celuloses. Que têm meia dúzia de propriedades suas, em zonas muito produtivas, e planas, com muita água e onde compensa ter, por exemplo, guardas florestais próprios. As outras propriedades das celuloses - onde há mais riscos - são o país restante, quase todo, da serra do Algarve onde o eucalipto seca tudo, ao pinhal interior, onde nenhum bombeiro chega. Em que as celuloses não estão para arriscar, compram a famílias pequenas a madeira, que são juridicamente proprietárias mas de facto quem controla o mercado e a quem vendem é as celuloses.

As famílias arriscam porque quando não arde dá para, ao fim de 9 anos, pagar os estudos de um filho. Se trabalharem a vida toda muitos não conseguem pagar os mesmos estudos. As celuloses é que fixam o preço, escoam o produto, determinam a taxa de lucro, são um monopólio que controla governos. Nenhuma casa - repito - nenhuma casa de proprietários das celuloses está rodeada de eucaliptos. Da mesma forma que a EDP subcontrata a milhares de pequenas empresas inviáveis os serviços que antes eram da EDP, e nela se acumulam lucros e nas pequenas só custos, as celuloses subcontratam a milhares de pequenos proprietários o risco de colocar uma piscina de gasolina - é isso o eucalipto - às portas de casa.

A falta de limpeza, o clima, os poucos meios, são cerejas numa refeição fatal que se chama eucalipto. Sou filha de engenheiros florestais. O meu pai fez-nos uma lista de praias fluviais, zonas a nunca visitar entre Maio e Outubro, estradas onde não devemos passar, e já me obrigou - e bem - a sair de um turismo rural com os meus filhos porque não há bombeiros, aviões, máquinas que parem um fogo de eucalipto. Paguei e saí, sem dormir, e não havia incêndios ativos. Havia calor, baixa humidade e vento, como há em todo o Mediterrâneo desde sempre. Há pessoas na minha família que compraram o terreno do lado para tirar de lá os eucaliptos, e não ter a casa em risco.

Fiz este verão 7 mil km na Europa de comboio. Vi florestas lindas, que só dão riqueza ao fim de 30 ou 40 anos. Madeiras nobres, magníficas. Portugal é um eucaliptal, e os mortos e casas destruídas são o "normal funcionamento do mercado". As lágrimas de Ursula Von der Leyen são de uma UE que alimenta a monocultura ao mesmo tempo que finge chorar as tragédias. Ah! Quase ia esquecendo - na minha viagem, passei pelo castelo, na Alemanha, de um onde vem a família Von der Leyen - um lugar magnífico, rodeado de carvalhos e vinha.


(Raquel Varela, in Facebook, 18/09/2024)

O Governo do PSD, namorado pela extrema-direita, veio explicar que vai ter mão firme contra os pirómanos e resolver os incêndios com mais polícia. Depois de o governo PS ter explicado em Pedrógão que a culpa era do mato e que ia resolver tudo com uma máquina de cortar mato. Só há uma palavra proibida - eucalipto. Digam comigo: não se pode dizer a palavra eucalipto.

Terá passado despercebido ao governo, já que a nós cidadãos não passou, que só ardeu eucalipto, porque não há mais nada para arder. Que o eucalipto é o pirómano, o criminoso, que joga novos fogos a km de distância. E que a polícia não estava lá para cumprir os mínimos de segurança, encerrando estradas. São centenas as imagens de estradas e autoestradas a arder e que se não fosse o Google Maps e o Waze, e a desobediência das pessoas, teríamos provavelmente um drama ainda pior do que o de Pedrogão. As imagens são dos carros a ser abandonados, a arder, são das pessoas a vir em sentido contrário em plena autoestrada a fugir, e nem um polícia se vê. Um!

Mas o Governo anuncia mais uma taskforce para mais polícias. Vou dizer-vos, com sinceridade, depois de um mês fora daqui, em silêncio, só a ver, fazer e falar de coisas bonitas, no meio de florestas lindas, que o que mais me incomoda é que a lógica do capitalismo - palavra proibida, como o eucalipto -, nos empurra todos os dias para falar de propostas absurdos, em debate com medíocres. De cada vez que procuramos dar um salto e pensar, somos empurrados pela ignorância alheia para baixo.

Queremos falar de um país com cidades pequenas, ligadas por comboio, redes de bicicleta ao longo de rios, agricultura biológica, parques naturais, floresta diversificada, e temos que responder a nada. Esse é um dos grandes truques deste sequestro intelectual que vivemos.

Estamos sempre a responder a nada. Não há um diagnóstico correto, uma ideia consistente, planeamento por anos de nada, já que o mercado, os acionistas, querem retorno a meses, sobra um caos e um terramoto de propaganda.

TEDx em vez de política. Um dia isto dá a volta, há muita gente farta, indignada, e que sabe planear e pensar o país, na educação, na saúde, no território, nos transportes. Parte do problema dos média, sem contraditório, é fazer-nos pensar que não há, perdemos assim a esperança. Mas há. São urgentes formas de jornais, que venham dos sindicatos e das comissões de trabalhadores, das associações, que abram uma nova esfera pública, que dê espaço, com contraditório, a quem pensa a sério o país e acredita nele.

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