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segunda-feira, 22 de maio de 2017

Cuidado com Bolsonaro

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/05/2017)

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Por suspeita de conivência com a compra de juízes e de um procurador, o Presidente brasileiro está debaixo de fogo. Depois da divulgação da gravação de um diálogo entre Michel Temer e o empresário Joesley Batista, a Ordem dos Advogados do Brasil já pediu a sua destituição. Também o fizera com Dilma Rousseff, que fora acusada de “pedalada fiscal”, algo que não é crime em nenhum país europeu e que dificilmente levaria, em qualquer lado, a uma perda de mandato. É muitíssimo discutível que se tratasse de um “crime de responsabilidade”, condição para a destituição. Seja como for, a política brasileira tem esta particularidade de o Congresso se transformar em tribunal, fazendo cair políticos por crimes pelos quais não foram julgados. O resultado está à vista.
Dilma terá responsabilidades na crise económica brasileira e nos poucos avanços no combate à corrupção – apesar da Justiça ter hoje muito mais condições para investigar. Mas a presidente destituída é dos poucos políticos brasileiros sobre quem não pendem suspeitas minimamente sólidas de corrupção. Qualquer olhar distanciado ao seu processo de afastamento conclui que assistimos a um golpe constitucional que subverteu a natureza presidencialista do sistema político brasileiro. Para sair do atoleiro em que se encontra, o Brasil devia ter ido a votos logo depois do afastamento de Dilma. Isso não aconteceu por uma razão: Lula da Silva era, como ainda é, o candidato com melhores resultados nas sondagens. Era preciso tempo para que o cerco judicial ao antigo Presidente sortisse algum efeito. Isso ainda não aconteceu.
À medida que vão caindo todos os principais protagonistas políticos, um candidato sobe nas sondagens: Jair Bolsonaro, o deputado que, no dia do impeachment de Dilma, dedicou o seu voto ao Coronel Ustra, conhecido torturador da ditadura
Mas, à medida que vão caindo os principais protagonistas políticos brasileiros, há um candidato, que há uns meses tinha um apoio marginal e, desde então, não parou de subir nas sondagens: Jair Bolsonaro, o deputado que, no dia do impeachment de Dilma, dedicou o seu voto ao Coronel Ustra, ex-chefe do COI-Codi, conhecido torturador da ditadura e responsável pela morte ou desaparecimento de dezenas de opositores.
Bolsonaro é um saudosista da ditadura militar, abertamente racista, homofóbico e misógino. Entre algumas das suas posições está a defesa da utilização de armas pelos proprietários rurais contra o Movimento dos Sem Terra, da castração química de violadores, da pena de morte, da tortura e da censura.
Confuso em matéria económica – vagueando sem grande critério entre o conservadorismo e o liberalismo –, Bolsonaro é, acima de tudo, um fascista. Um fascista que está em segundo lugar nas sondagens (17% a 21%), cada vez mais próximo de Lula (com 25% a 27%) e cada vez mais presidenciável. Em resumo, o Brasil está a um passo da ditadura. E quanto mais tempo a elite brasileira tentar travar as eleições, para matar as possibilidades de Lula regressar a Brasília, maior é a probabilidade de Bolsonaro progredir no meio do caos e da descrença absoluta.
Isto, claro, se não for também apanhado pelas suspeitas do Lava-Jato. Na semana passada o seu nome começou também a aparecer.
O papel da Justiça é investigar e aplicar a lei. E esse papel é especialmente relevante no combate à corrupção. Porque a corrupção é uma forma das elites se apropriarem dos bens públicos e da democracia. Mas quando o combate à corrupção transforma a Justiça num circo mediático e pretende enfraquecer todas as instituições extrajudiciais, passa para o lado de lá da barricada. Porque a única lei legítima é a que nasce da vontade do povo expressa em democracia e liberdade, não há defesa da lei que possa ter a democracia como inimiga. Uma coisa é a aplicação da lei, outra, bem diferente, são as ambições políticas ou corporativas de magistrados. Passa-se com o poder judicial o mesmo que se passa com o poder militar: quando extravasa os seus objetivos e trabalha para a expansão do seu poder político, transforma-se num perigoso inimigo da democracia, da liberdade e do Estado de Direito. Esperemos que ele não esteja, através da destruição sistemática e planeada das estruturas democráticas do Estado, a encaminhar o Brasil para o regresso à ditadura. Não através da indispensável investigação da corrupção endémica no Brasil, mas através da manipulação política e mediática do cansaço dos brasileiros.
Sim, o Brasil é um país aprisionado pela corrupção. Apesar do papel da Justiça ser fundamental, ela nunca conseguirá matar uma erva daninha de tal forma espalhada pela política e pela sociedade. Para isso, é preciso muito mais. Primeiro, mudar um sistema eleitoral que favorece a compra de deputados, para ser possível qualquer tipo de governabilidade. Depois, bem mais relevante, combater a desigualdade. Não há povos mais talhados para a corrupção do que outros. Há condições que favorecem a corrupção. Todas as sociedades desiguais são por natureza corruptas. Porque a desigualdade não é apenas económica. É social, cultural e política. Numa sociedade onde a esmagadora maioria da população está privada de instrumentos para determinar o seu futuro, a corrupção é a forma natural de governo. É assim que a elite se governa. Ou assim, ou através da ditadura. Bolsonaro é apenas a forma dos que não querem perder as rédeas do poder se continuarem a servir dele. O que se está a passar no Brasil não é uma limpeza da corrupção, como ficou claro pela substituição de Dilma por figuras bem menos recomendáveis do que ela. O que se está a passar no Brasil é a preparação do tempo das vacas magras. Depois do roubo, a ditadura.
 
Ovar, 22 de maio de 2017
Álvaro Teixeira