Ontem, numa SMS trocada com um jornalista, escrevi: "há qualquer coisa fácil demais neste processo que me inquieta". Referia-me à acumulação de sinais positivos em torno da candidatura de António Guterres. Estava-me a parecer que quem se lhe opõe não iria ficar de braços cruzados perante a fantástica cavalgada vencedora que o candidato português estava a fazer, no quadro das votações indicativas no Conselho de Segurança. Quem me lê por aqui e por outros locais testemunhará que fui sempre muito prudente na consideração das hipóteses de Guterres, muito embora concordasse que a expressividade do seu destaque perante os seus adversários estava a tornar cada vez mais difícil que o jogo "fosse virado". Mas foi, como a emergência, agora anunciada, de Kristalina Georgieva, bem o prova.
Kristalina Georgieva António Guterres
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O jogo volta à quadra inicial? Não volta. As votações em Guterres são um "património" muito importante e vai ser difícil revertê-lo. Mas a vice-presidente da Comissão Europeia, apoiada por setores importantes do Partido Popular Europeu, não sairia a terreiro se não tivesse as "costas quentes" e se não fossem minimamente fortes as perspetivas em que a sua ambição se apoia. Angela Merkel e Jean-Claude Junker, figuras cimeiras do PPE europeu - clube político onde também está o portuguesíssimo PSD - são os grande promotores da cartada Georgieva, que se diz que se terá voluntariado a este papel sob a promessa de, em caso de derrota, vir ser a candidata da Alemanha uma eventual sucessão de Junker na Comissão Europeia.
No dia 4 de outubro, quando o P5, os membros permanentes do Conselho de Segurança, tiverem de mostrar as cartas, isto é, revelarem quem vetam, tudo ficará mais claro. Veremos se terão a "lata" de afastar o candidato cuja qualidade relativa ficou bem patente neste processo, cuja transparência acabou por prejudicar os "trade-off" que tradicionalmente eram a regra do jogo.
Nesse dia, verificaremos se David ganhou a Guterres. Refiro-me a Mário David, o antigo secretário de Estado do PSD que se sabe ser um dos "operadores" da candidatura de Georgieva, sob o impulso do governo húngaro desse expoente da democracia que é Viktor Órban. Claro que ninguém é obrigado, por mero patriotismo, a apoiar António Guterres. Mas parece poder haver alguma esquizofrenia no seio do PSD quanto a este assunto, que ganharia em ser de imediato clarificada: a linha oficial do partido afirma defender a candidatura portuguesa e um dos seus homens de mão no seio do PPE trabalha por Georgieva. Onde ficamos?
Publicado por Francisco Seixas da Costa no Facebook
Ovar, 28 de Setembro 2016
Álvaro Teixeira