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domingo, 29 de abril de 2018

Junta de Freguesia de Válega cede moinho à Casa de Povo de Válega

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No passado dia 25 de abril, a Junta de Freguesia de Válega de celebrou com a Casa do Povo de Válega um contrato, em regime de comodato, dos prédios onde se encontra implantado o moinho existente na Rua da Sociedade Columbófila, cuja proprietária é a Junta de Freguesia de Válega.

A Junta de Freguesia de Válega procedeu à entrega à Casa do Povo de Válega dos terrenos e do respetivo recheio que deles fazem parte, para que os mesmos sejam utilizados e neles sejam desenvolvidas atividades objeto de cariz folclórico, etnográfico e gastronómico, representativas dos costumes e tradições da Freguesia de Válega.

Com esta cedência, que tem a validade de 25 anos, cumpre-se uma vontade antiga e estão reunidas as condições para que o moinho seja reabilitado, surgindo, assim, mais um polo de atração turística na Vila de Válega.

Note-se que este processo iniciou-se no mandato autárquico anterior, tendo a Junta de Freguesia de Válega solicitado às coletividades de Válega que apresentassem projetos para ocupação do moinho.

A Casa do Povo de Válega foi a única coletividade que se mostrou interessada, tendo feito chegar uma proposta muitíssimo interessante, quer a nível da preservação do património histórico edificado, quer ao nível do desenvolvimento do potencial turístico.

Resta felicitar a Casa do Povo de Válega pela ousadia e por ter respondido, afirmativamente, ao repto lançado pela Junta de Freguesia de Válega.

Estamos certos de que o projeto apresentado chegará a bom termo.

Válega está cada vez mais viva.

O progresso da nossa freguesia é desiderato de Todos.

Estamos juntos.

Há que continuar a trabalhar com Paixão, em prol do bem-estar e da melhoria da qualidade de vida dos nossos fregueses, e da promoção da cultura e do engrandecimento do nome da nossa Terra.

De repente nos 30. Os medos, as frustrações e a ansiedade de crescer

29 Abril 2018

Ana Cristina Marques

Relacionamentos longos que acabam, amizades que mudam substancialmente e carreiras interrompidas. Os 30 são uma altura de reavaliação pessoal e de ansiedade que nos faz perguntar: "Afinal, sou feliz"?

Tecnicamente, não é possível chamar-lhe “crise dos 30”, mas a angústia e frustração que atinge quem passa por esta fase é real. Não é necessariamente uma banalidade, nem tampouco um exagero de quem não está habituado às adversidades da vida. E antes que culpemos apenas a geração dos Millennials pela “crise”, vale a pena recordar um artigo do The New York Times sobre exatamente o mesmo assunto, publicado a 9 de maio de… 1977. Este artigo em particular conta a história de pessoas que há 41 anos celebravam os 30 a fazer coisas diferentes que até então nunca tinham experimentado: como cortar as longas madeixas negras e furar as orelhas pela primeira vez ou inscrever-se num mestrado por acharem o trabalho atual pouco desafiante. Convenhamos, esta não é uma conversa sobre instabilidade financeira, precariedade laboral ou pressões sociais — disso já antes falámos –, mas de uma transição nem sempre pacífica.

"Fiz 30 anos em setembro. Fugi para Nova Iorque e passei o dia na companhia de duas grandes amigas. Costumo dizer que tive a minha crise dos 30 aos 27. Tinha ataques de choro constantes, andava ansiosa e meio agressiva. Agora estou mais serena. Vem da aceitação (não confundir com conformismo). Os medos ainda cá estão todos, apenas sei lidar melhor com eles: medo da solidão, de nunca vir a ter uma família, medo de que não conseguir um trabalho que me faça feliz. Reconciliei-me com muitas coisas. É um trabalho gradual e constante."

Maria, 30, Setúbal

Aos 30, as decisões são disruptivas

Na casa dos 20, celebrar um aniversário é relativamente arbitrário. Os 21, 22 e 23, por aí fora, remetem todos para o mesmo: “Somos jovens, temos a vida pela frente”, explica ao Observador a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva. Não é que uma pessoa de 30 anos possa ser considerada velha, nada disso, mas a chegada a esta década é para muitos o realizar de que não somos eternos. Se aos 20 o desafio era descobrir o que gostamos de fazer, aos 30 a vida coloca-nos uma pergunta bem mais desafiante: tirado o curso e iniciada a carreira profissional, afinal, quem somos?

“Obviamente que isto não é exclusivo dos 30. De uma forma global, algures entre os 27 e os 33 notamos que este desafio mais existencial surge”. A partir do momento em que os primeiros guiões pré-definidos acabam — escola primária, básica, secundário e faculdade, por exemplo –, e à medida que se começa a ter dinheiro para tomar decisões, surgem as primeiras perguntas. “Que contributo estou a dar ao mundo?”, “Faço mesmo aquilo que me concretiza”, “Sou feliz?”, enumera a psicóloga. É provável que até muito tarde se tenha apontado o dedo a pais e professores pelas coisas que foram acontecendo. Agora, chega a altura de assumir responsabilidade pelas decisões tomadas e suas consequências. “Cheguei aos 31. Vou apontar o dedo a quem?”, pergunta retoricamente Filipa Jardim da Silva. “A apropriação da nossa vida e das nossas escolhas é essencial”, diz, referindo-se, por oposição, ao medo que existe em assumir as consequências e em estar “por nossa conta num mundo infinito de possibilidades”.

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Nesta fase pode também existir dificuldade em lidar com o que não é possível controlar e a consciencialização da finitudeà medida que se chega aos 30 desponta uma urgência maior.Não é à toa que a psicóloga se refere a esta fase como a “era do empoderamento pessoal”, no sentido em que, para muitos, os 30 são marcados por decisões disruptivas. Isto é, relações amorosas de longa data que terminam, relações de amizade que mudam significativamente e até carreiras que tomam percursos particularmente distintos. Filipa Jardim da Silva aconselha a refletir sobre as inquietações mais importantes durante algumas semanas para não tomar decisões a mando da impulsividade. “Ajuda se fizermos um trabalho interior paralelo. É preciso perceber quais são os nossos valores e perceber o que isso significa concretamente para nós”, diz.

A ideia é semelhante à do psicólogo consultado pela publicação norte-americana e semanal New Scientist, que apelida esta fase mais conturbada de “crise do quarto de vida”, que se ocupa sobretudo de pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 35 anos. Para Oliver Robinson, da Universidade de Greenwich, em Londres, isto acontece quando alguns jovens adultos dão por si num trabalho do qual não gostam ou numa relação que não os satisfaz. No artigo datado de 2011, o psicólogo diz que fingir que está tudo bem não é resposta e pode estar na origem de uma maior ansiedade ou até de problemas mentais. Mas para perceber exatamente o que acontece durante esta “crise”, Robinson e um colega entrevistaram 50 pessoas que passaram por esta situação e determinaram 5 fases:

  1. Sensação de se sentir preso tendo em conta as escolhas de vida tomadas; sensação de que se vive em piloto automático;
  2. Sentimento crescente de querer abandonar o barco; sentimento de que se pode mudar de vida;
  3. Abandonar o trabalho, a relação ou qualquer coisa que faça a pessoa sentir-se presa e embarcar num período de “time out”, que permita experimentar coisas novas;
  4. Refazer a vida;
  5. Desenvolver novos compromissos mais sintonizados com o interesse e aspiração individuais.

"Um pouco antes dos 30, e após o falecimento da minha avó, dei por mim a questionar-me se a vida aparentemente perfeita que tinha não era uma mera aparência. Tinha um marido, uma casa, um cão e um ótimo trabalho, mas, no fundo, estava sozinha. Ele passava os fins-de-semana fora e eu ficava sozinha. Comecei a sentir um grande vazio emocional, como se ninguém me entendesse. Não foi só a morte da minha avó, que me criou e que era o meu modelo, que me fez mudar de vida. Foi também o medo gigante de morrer. Dei por mim casada com uma pessoa há 4 por quem já não sentia nada. Comecei a sentir que tinha perdido os meus 20 e que estavam a chegar os 30. Não conseguia aceitar a ideia de ter 29 anos e não ser feliz. Separei-me há dois anos. Desde então tive um bebé, hoje com 7 meses. Mudei de casa duas vezes. Mudei a minha postura no trabalho para ser mais produtiva e aproveitar melhor o meu tempo. Hoje sou sócia do escritório onde trabalho. A maior mudança foi o bebé, foi ser mãe. Não tenho dúvidas que sou uma pessoa mais feliz do que era há dois anos. E não só por ter sido mãe, mas porque decidi ser honesta comigo própria."
</BR&NBSP;>

Teresa*, 31 anos (*nome fictício, esta pessoa não quis ser identificada)

“É importante aceitar a nossa realidade”

Não dá para voltar atrás. Pode parecer que ainda ontem o espelho refletia um adolescente de 13 anos, mas a verdade é que o tempo passou e a vida aconteceu. Daí que o nem sempre fácil exercício de aceitar o passado e seguir em frente seja particularmente importante. Na prática, é uma questão de perspetiva. “À medida que nos aproximamos dos 30 há uma fase de maior serenidade e maturidade emocional que permite que olhemos para trás de forma mais introspetiva. É aí que conseguimos valorizar, por exemplo, aspetos da dinâmica familiar nos quais ainda não tínhamos reparado. O exercício da aceitação é dos mais desafiantes que existe e vai acompanhar-nos sempre”, diz Filipa Jardim da Silva. Já a nostalgia que se pode sentir, acrescenta a psicóloga Cláudia Morais, tem que ver com a incerteza que as pessoas sentem quando alcançam esta faixa etária. “É natural que haja alguma saudade por antecipação, como se esta idade de maior responsabilidade implicasse ter de abdicar de muita coisa.”

A questão da aceitação não implica apenas olhar para trás, mas também conviver bem com o presente. Num artigo do britânico Metro, de abril de 2017, também ele focado na crise dos 30, lê-se que muitas mulheres imaginam o que querem ter aquando da chegada desta década, o que tende a chocar com a realidade. A noção dos 30 é, no imaginário infantil, ser-se adulto, estar casado, ter filhos e ter uma casa e um trabalho perfeitos. É preciso não só aceitar o que não se tem, como também a possibilidade de ainda não se saber o que se quer. “Aos 30 anos há um conjunto de expetativas da própria pessoa e também em termos sociais. Se uma pessoa estiver a viver em casa dos pais, mesmo que não haja pressão da família, ela vai questionar-se. Em relação às mulheres, essa angústia surge mais frequentemente associada às expetativas por cumprir do ponto de vista profissional e familiar, tendo em conta o ter ou não ter filhos”, diz Cláudia Morais.

"A transição não foi fácil, lembro-me que tinha dificuldade em verbalizar o número 30 quando me perguntavam a idade. Porque não queria envelhecer. Não queria ver os outros envelhecer e morrer. Queria que ficasse tudo igual. De há uns anos para cá que vejo os meus pais envelhecer e, pela primeira vez, senti que eles podiam desaparecer. Isso assustou-me de morte. Tive mesmo a sensação de que eles não são eternos. Caiu-me a ficha."

Joana, 35 anos

Curiosamente, um artigo da Forbes de 2015 faz uma comparação entre noções desatualizadas e outras bem mais recentes do que é fazer 30 anos — o autor do artigo apresenta o mesmo exercício para quem faz 40 ou 50 anos. Se antes fazer 30 significava estar com alguém há cerca de uma década a construir uma família, hoje o paradigma é totalmente diferente: “Estás a começar a perceber quem és enquanto adulto e estás grato por não teres ficado preso às escolhas feitas na década anterior”. Segundo a Forbes, em cada uma destas fases da vida — 30, 40 e 50 — estamos a reinventarmo-nos enquanto pessoas, ao invés de continuarmos numa trajetória estável e ascendente. “O que tens agora, em cada fase, é uma rara oportunidade para criar o tipo de vida que é fiel às tuas esperanças, sonhos e valores. Tens liberdade sem precedentes.”

"O bom de fazer 30 está relacionado com o que sinto nestes últimos tempos: uma aceitação maior da pessoa que sou, uma consciência maior daquilo que é o meu valor e que me diferencia como pessoa, o meu trajecto e a minha missão aqui. Nunca me considerei alguém muito influenciável, mas sem dúvida que os 30 trazem um aceitar do não ter de agradar a todos. E não há mal nisso, de saber dizer não, de saber quem são os meus e naqueles em que vale a pena investir. Percebo agora que o 'tempo' é feito de vontade. Outra contestação é que somos mais parecidos com os nossos pais do que pensamos. E isso tem tanto de bom como de mau."

Tânia, 30 anos

“É importante aceitar a nossa realidade, o que não significa que não vamos fazer nada para a mudar. Também é normal que queiramos coisas antagónicas. Aceitando as nossas necessidades tornar-se mais fácil encontrar respostas”, assegura Cláudia Morais, que incentiva as pessoas a evitar fazer comparações com os outros. “Quando faço comparações com aqueles que estão à minha volta estou a desviar a atenção do que é essencial, menos atenção vou dedicar à minha vida e às minhas circunstâncias.”

“Existe dificuldade em escolher um caminho e em tomar uma decisão. Mas os jovens têm de começar a aprender a errar. Esta geração sempre foi muito criticada pelo erro, mas errar é fantástico, permite-nos saber o que realmente queremos”, assegura o neuropsicólogo Fernando Rodrigues ao Observador, embora errar pareça ir contra ao que a sociedade proclama. Um artigo de opinião do The Guardian explora precisamente essa ideia, ao admitir que a nossa cultura dá um significado “pouco racional” à idade em causa. “Graças à televisão e aos filmes, continuo a acreditar que as mulheres de 30 anos são supostas ser ultra bem-sucedidas, viver em casas imaculadas e usar saltos altos muito caros. São supostas estar casadas e ou ter crianças ou começar a planeá-las.”

Decidi continuar a ser como era, o que pode ser visto como disruptivo se a perspectiva geral for a do acinzentamento obrigatório a partir dos 30. Não deixei de fazer nenhuma das coisas de que gostava e que muita gente com mais de 30 não pode, não quer, não consegue ou tem vergonha de fazer. A sociedade, apesar de livre, é bastante normalizante. Ninguém se deveria deixar normalizar, nem sentir pressionado a diferenciar-se. Há falta de pessoas com autoconfiança que lhes permita ser como querem ser, especialmente depois dos 30.

Alberto, 39 anos

“Cada geração tem os seus desafios”

O mundo em que vivemos cresce a olhos vistos, pelo que, numa primeira análise, os nossos horizontes também se expandem, o que pode ser estimulante e desorganizante. “As pessoas vivem com mais intensidade e com menos foco no futuro”, assegura o neuropsicólogo Fernando Rodrigues, referindo-se à mutação geracional que separa, por exemplo, os Millennials dos seus pais, os Baby Boomers. A geração que anda agora na casa dos 30 é descrita como tendo mais parceiros de vida e um maior número de pessoas na esfera social — mas nem aqui a quantidade se pode traduzir em qualidade. “Estamos a tornar a nossa sociedade mais focada no eu. Os vínculos são cada vez menores.”

Os meus 30 não são os 30 normais. Estou a passar uma fase que a maioria das pessoas passa aos 40 ou aos 50. Neste momento não estou a tentar garantir a minha sobrevivência, mas a sobrevivência da minha mãe. Acho que os meus 30 são uma exceção, estão a ser muito difíceis e são totalmente diferentes dos 30 do meu pai, que já tinha casa, carro e filhos. Eu sou o completo oposto disso. Mas sou feliz. A vida é uma experiência e isso deixa-me muito grata.

Dulce, 32 anos

Embora diga que os Millennials foram educados a pensar que a vida seria mais fácil, Fernando Rodrigues não associa momentos de angústia e frustração unicamente a eles e fala ainda numa “crise dos 40” vivida pela geração anterior. “Cresci a ouvir falar da crise dos 40, a propósito da geração dos meus pais”, conta também a psicóloga Cláudia Morais. Falava-se nisso porque nessa fase esta geração já tinha a vidaestabilizada emprego, casa, filhos. Era quando surgiam as primeiras questões. Associava-se a crise aos Porsches e às amantes”, continua. A geração dos pais de Cláudia Morais chegou aos 30 anos casada, o que não é normativo nos dias que correm. “Antes, as pessoas achavam que tinham de se casar. Na maior parte das vezes, a decisão pode não ter sido tão consciente”, diz, referindo que atualmente não existe tanto automatismo. “Cada geração acaba por ter os seus desafios. Mas as necessidades são comuns.”

Os 30 são mesmo os melhores anos?

Não é difícil encontrar referências na cultura popular de como os 30 são os melhores anos, tal como esclarece um artigo do The Huffington Post. Por esta altura é mais provável do que nunca termos encontrado estabilidade financeira — ainda que os Millennials enfrentem de momento desafios socioeconómicos — e segurança pessoal. Há estudos que sugerem que a melhor idade é os 35 e outros que apontam que é aos 33 que as pessoas são mais felizes.

“É preciso encarar a crise dos 30 com respeito e com um grande marco de desenvolvimento pessoal e não banalizar, como se fosse uma crise existencial que vai passar. É de aproveitar aquilo que surgir sempre num sentido construtivo”, assegura Filipa Jardim da Silva. Na verdade, ainda se vai a tempo de muita coisa. Seja disso exemplo o artigo da The Atlantic que revela que grandes avanços são feitos na carreira já depois dos 30. Ou a investigação de 2012, que mostra que 70% dos britânicos inquiridos com mais de 40 anos afirmam não foram realmente felizes antes dos 33. E ainda o estudo conduzido pelo The Huffington Post e pelo YouGov que dá a entender que o melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional chega aos 34 anos e que a “verdadeira satisfação”— seja ela qual for — aos 38. Certo que não há grande dificuldade em encontrar estudos para todos os gostos mas, assim de repente, está tudo em aberto e, afinal, não nos faltam oportunidades.

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A norte do paralelo nada de novo

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

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Foi com este abraço que Kim Jong-un e Moon-Jae-in selaram a amizade do momento. Passearam-se pela zona desmilitarizada, fizeram juras de amor e chegaram mesmo a dar as mãos. O mundo exultou, a fake imprensa atribuiu o momento histórico a Trump e a região respira de alívio. Alegadamente.

Quem não respira de alívio, e fica na exacta mesma situação em que se encontrava antes deste belo episódio de marketing político, é o povo norte-coreano. Lá, agora como antes, impera um regime totalitário. Não há liberdade, qualquer tipo de liberdade, não há condições de vida dignas para a maioria e a senhora que lê as notícias no canal do Estado é sempre a mesma. Ler mais deste artigo

sábado, 28 de abril de 2018

Os pensadores da Nova Esquerda: Eduardo Lourenço

28 Abril 2018

Carlos Maria Bobone

A propósito da publicação de "Tolos, Impostores e Incendiários", virámos o livro para dentro de casa. Como pensa a Nova Esquerda portuguesa? Este é o primeiro de uma série de cinco artigos.

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À lente aproximada dos dias comuns, o título ou é tolo ou malvado. De facto, o primeiro livro de Eduardo Lourenço, Heterodoxia I, já ultrapassou sozinho a idade da reforma, o que diz quanto baste da mocidade do autor. A novidade de Eduardo Lourenço, porém, pode ser tomada, não como uma provocação mesquinha, mas como um elogio. Eduardo Lourenço é novo porque o comparamos, não connosco, mas com os grandes espíritos da História.

Mais a mais, a ideia vem de outro lado. Acabou de sair pela Quetzalo livro Tolos, Impostores e Incendiários – Os pensadores da nova esquerda, de Roger Scruton. Nele, Scruton debate com os grandes figurões da esquerda contemporânea a uma luz que também podemos voltar para os pensadores portugueses.O pensamento pós-marxista não passou apenas por Sartre e Foucault, chegou também aos fundos da Europa: haverá mais, que também merecerão análise; mas entre todos, Eduardo Lourenço será com certeza dos mais importantes.

A esquerda de Eduardo Lourenço já não é a esquerda jacobina da Revolução Francesa ou da Comuna, nem um instantâneo da cultura soviética. A sua ideia de Heterodoxia, aliás, não podia ser mais clara em relação a isto. Apesar de escrever na revista Vértice, de acompanhar com interesse o neorrealismo e os movimentos de oposição ao Estado Novo, a ideia de Heterodoxia é já uma porta de saída da ortodoxia comunista, do sistema total de Marx e da sua dialética materialista.

“Tolos, Impostores e Incendiários: os pensadores da nova esquerda”, de Roger Scruton (Quetzal)

Nisto, Eduardo Lourenço acompanha as figuras que inspiraram Roger Scruton no seu livro sobre os pensadores da Nova Esquerda. Como Sartre, como Foucault ou como Zizek, Eduardo Lourenço mata o pai para o ressuscitar como irmão. Nunca deixa a esquerda, mas não abdica de lhe propor um código de conduta. A sua não é uma esquerda já construída, mas uma esquerda que ainda pode ser pensada e renovada.

Eduardo Lourenço, porém, tem uma particularidade que escapa a outros pensadores de esquerda. Diante das disputas titânicas de Sartre com Aron, ou da sanha que motivam Chomsky ou Zizek de cada vez que abrem a boca, Eduardo Lourenço foi mais vezes tomado como um pensador consensual do que propriamente como um pensador da Esquerda.

É certo que o seu feitio diplomático ajuda: vemos nas suas análises literárias que há poucos autores contemporâneos a quem Lourenço não dispense uma palavra simpática. Aliás, é vulgar vermos Eduardo Lourenço a alçar figuras de segunda a patamares filosóficos que eles dificilmente alcançariam sozinhos. É difícil dizer, por muito que gostemos de Ruben A. ou de Nuno Bragança, que a Torre de Barbela de um ou a prosa semi-experimental de outro não saem favorecidas da análise de Lourenço. Este espírito, porém, não justifica completamente a aceitação geral do seu pensamento.

Pouco depois de sair Heterodoxia II, Eduardo Lourenço viu-se obrigado, por interposta pessoa, a esclarecer o crítico Óscar Lopes: ele não era, como cria o crítico, um autor católico. Heterodoxias, aliás, podia ser quase tomado como uma forma de explicar porque é que não era católico. Este pequeno episódio não é apenas mais um relato para a biblioteca monumental de erros da crítica; é, acima de tudo, prova dos equívocos a que se pode prestar a obra de Eduardo Lourenço.

Dado o espectro de interesses de Eduardo Lourenço – cuja genealogia ainda está por fazer --, é normal que o seu pensamento seja apreciado em quase todas as frentes. Pode criticar o idealismo Absoluto, o Catolicismo, a Filosofia Portuguesa, o neorrealismo, o comunismo, mas reserva-lhes sempre uma pureza inicial teórica que guarda uma margem de apreço.

Lourenço, para já, tem um método de crítica que favorece a confusão. Enquanto apóstolo da “realidade situada”, é vulgar que a sua crítica a um fenómeno histórico se faça através da restauração de um purismo teórico. Isto é, um tradicionalista pode facilmente julgar Eduardo Lourenço um involuntário “mestre da contra-revolução”, como António Sardinha fazia com Teófilo Braga. Para Eduardo Lourenço, o tradicionalista só tem consciência de si quando os seus valores estão ausentes. Ora, esta ideia, presente na fórmula “a Aristocracia Histórica não era tradicionalista, mas a tradição mesma” pretende, antes de mais, criticar um movimento: a existência de tradicionalistas provaria a falência do Estado Novo como projecto tradicionalista. Claro que, o ensaio também poderia servir para um tradicionalista perceber como os seus valores estavam ameaçados, ou a que é que corresponderia um verdadeiro tradicionalismo teórico. Para Lourenço, porém, a teoria pura não serve ao Homem situado.

A crítica acaba, assim, por funcionar também como pára-raios contra os criticados. Já com os neorrealistas se segue o mesmo método: louva-se o interesse, restaura-se uma intenção inicial e explica-se de que modo é que não foi cumprida, de que modo é que, na realidade, não é verdadeira.

Ora, dado o espectro de interesses de Eduardo Lourenço – cuja genealogia ainda está por fazer –, é normal que o seu pensamento seja apreciado em quase todas as frentes. Pode criticar o idealismo Absoluto, o Catolicismo, a Filosofia Portuguesa, o neorrealismo, o comunismo, mas reserva-lhes sempre uma pureza inicial teórica que guarda uma margem de apreço. E se isto lhe granjeia admiradores em vários quadrantes, lestos a talhar nacos do seu pensamento, obnubila a compreensão daquele que é um dos seus traços principais: o traço de pensador de esquerda.

O espírito de heterodoxia

Eduardo Lourenço é um pensador de esquerda em vários aspectos, e muitos deles fragmentários (marca, aliás, que ele atribui à esquerda como a entende). Há, no entanto, algumas linhas principais que podem ajudar a perceber o pensamento de Eduardo Lourenço, e em que medida é que este pensamento se revela como próprio da esquerda.

A abertura de “Heterodoxia I”, de Eduardo Lourenço, publicado originalmente em 1949

Para começar pelo princípio, uma das linhas mestras é-nos dada pelo título do primeiro livro, que Lourenço retoma mais duas vezes. Heterodoxia, ou o espírito de Heterodoxia, é já de si um programa.

Para Eduardo Lourenço o espírito de Heterodoxia consiste, antes de mais, em recusar um caminho único. Ora, uma das coisas mais interessantes em Eduardo Lourenço é que ele próprio consegue perceber como podem ser fátuas ou perigosas afirmações como esta, que geram aplausos apaixonados desde que não exijam grandes trabalhos de raciocínio. Por isso, é ele próprio que põe obstáculos à sua ideia. A heterodoxia não significa o nihilismo, isto é, não recusa os caminhos. O nihilista julga que todos os caminhos estão errados, o céptico julga impossível saber se os caminhos estão errados, o heterodoxo simplesmente não sabe. Como é óbvio, a heterodoxia como método é igualmente céptica. Mesmo que não o diga, quem escolhe como método não aceitar nem recusar soluções fá-lo porque não acredita que  possa vir a saber que uma solução está certa; como diz o próprio Eduardo Lourenço, “a heterodoxia é a consciência da pluralidade histórica das ortodoxias”.

A heterodoxia parte do princípio de que há algo da verdade que nos está vedado, acha “que ninguém pode atingir adequadamente a Verdade, nem falhá-la completamente”

O problema, porém, está na possibilidade de haver reflexo vital neste nem/nem heterodoxo. Ponhamos, por exemplo, a questão do ateísmo. Que significa o agnóstico – aquele que representa o heterodoxo na querela de Deus, aquele que não escolhe acreditar nem deixa de o fazer? Significa que, a cada momento, terá de viver como se Deus existisse ou não existisse. A ortodoxia, no fundo, não significa mais do que definição. A própria ideia de recusar a ortodoxia já implica uma certeza, uma definição: o Homem vive como se não houvesse um único caminho, é esta a sua definição. O próprio Eduardo Lourenço admite que “a luta é sempre entre ortodoxias” e que as heterodoxias criam a sua própria ortodoxia. A definição é própria da razão, é própria do Homem.

Já Zizek, no seu recente “A Europa à deriva”, notou o espantoso elitismo da esquerda contemporânea. Ora, este elitismo já se revela na linguagem de Eduardo Lourenço no prólogo sobre o espírito de heterodoxia. A heterodoxia torna-se, de um método, num valor; além de não ser “fácil”, passa também a ser “o respeito”, a “humildade de espírito”, e isto em condições adversas.

Eduardo Lourenço admite-o, embora com matizes que lhe permitem dar um salto. Isto é, admite que a ortodoxia é própria do Homem, porque oferece paz e continuidade, o “desejo mais profundo do Homem”. Ora, colocar a ortodoxia como desejo e não necessidade permite dar o desejado salto. A ortodoxia é percebida como uma tendência e a heterodoxia o espírito que a contradiz. A heterodoxia “não é fácil”, é desinquietação e é contrária à tendência natural do Homem.

É desta fórmula, aliás, que ressumbram dois aspectos típicos da esquerda e contrários à sua genealogia. Em primeiro lugar, o repúdio por aquilo que é natural no Homem. Também o estruturalismo fala de estruturas reaccionárias ocultas de que o Homem tem de se libertar, também as forças da reacção no marxismo mais canónico são estranhamente persistentes, também no feminismo de Simone de Beauvoir o caminho é de desmontagem. A esquerda não é apenas herdeira de Rousseau, ou pelo menos interpreta muitas vezes o seu estado de Natureza num sentido ultra-estrito. O Homem como ele é, na concepção da nova esquerda a que se associa o espírito de heterodoxia, deve ser desconstruído.

Ora, daí surge que aqueles que o desconstruíram, que foram contra a sua natureza reaccionária, formam uma plêiade de eleitos. Já Zizek, no seu recente “A Europa à deriva”, notou o espantoso elitismo da esquerda contemporânea. Ora, este elitismo já se revela na linguagem de Eduardo Lourenço no prólogo sobre o espírito de heterodoxia. A heterodoxia torna-se, de um método, num valor; além de não ser “fácil”, passa também a ser “o respeito”, a “humildade de espírito”, e isto em condições adversas. Os heterodoxos não só atravessam um longo e duro caminho contra si próprios, como ainda são humildes e suportam os ortodoxos, aqueles que os desdizem. Não se trata apenas do discurso da vítima sofredora já denunciado por Girard; esta narração permite colocar os eleitos, ao mesmo tempo, entre os sofredores e os oprimidos, isto é, no lugar que a esquerda toma como seu.

Scruton, no seu livro sobre a nova esquerda, explica como o intelectual se foi transformando, pouco a pouco, de “voz do operário” no próprio operário. Ora, o discurso sobre o espírito de heterodoxia – que tem ramificações artísticas na arte marginal, nos escritores malditos… — é mais uma das etapas deste caminho.

Eduardo Lourenço

O caminho do heterodoxo é ao mesmo tempo um caminho especial e um caminho sofrido. A estrutura natural empurra o Homem para um lugar de que o heterodoxo, numa luta titânica do indivíduo contra algo maior e mais forte, consegue superar.

Não negaremos, decerto, a existência destas estruturas superiores. De Saussure a Barthes, já vários pensadores explicaram com suficiente consistência de que forma a linguagem molda o pensamento, ou de que forma a sociedade é importante para a formação de uma personalidade, mesmo que ela não tenha consciência disso. Este, no entanto, é mais um dos aspectos em que o pensamento da nova esquerda se podia aproximar daquele que professam os teóricos da direita tradicional. Não por acaso, tanto Bonald como De Maistre procuram a mesma analogia entre o comportamento social e o funcionamento da linguagem que é feita, anos depois, pelos grandes pensadores do estruturalismo. O que é curioso é que aquilo que os tradicionalistas vêem como um indicador de Verdade, Barthes e companhia vêem como um indicador de mentira.

Para De Maistre, a estrutura indica o caminho; para Barthes, como para Eduardo Lourenço, a estrutura é o grande opressor. A filosofia deixa-se contaminar por uma narrativa marxista sem fundamento. O que é que prova a maldade da estrutura senão o facto de se apresentar como superior. Barthes aplicou a fórmula – os fortes são a reacção, os fracos a revolução – e tornou a estrutura, arbitrariamente, um mal em si mesmo. Eduardo Lourenço também nunca justifica, filosoficamente, a maldade social; no entanto, a sua predilecção pela liberdade como valor supremo parece indicar o caminho. O homem heterodoxo é o Homem livre; se a estrutura condiciona, impede o Homem de ser livre, pelo que é vista como inimiga.

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Livre para não poder ser mais nada

No seu primeiro volume das heterodoxias, Eduardo Lourenço identifica plenamente heterodoxia com liberdade. Para ele, “heterodoxia não é senão a obrigação de suportar a liberdade humana”. É certo que mais tarde admitirá a possibilidade de um ortodoxo livre; a inversão, porém, nunca será feita: é impossível que um heterodoxo não seja livre. A heterodoxia identifica-se, assim, como liberdade. A liberdade é sempre situada. É, aliás, o obstáculo que cria a liberdade. Numa parábola curiosa, Eduardo Lourenço mostra bem a sua estranha concepção de liberdade. Imaginemos dois Homens que querem chegar de uma encruzilhada a uma cidade. Um deles sabe o caminho, o outro não. O Homem que sabe o caminho estuga o passo e chega à cidade sem hesitações. O outro erra, vagueia, perde-se, hesita. Em todas as tradições filosóficas, o homem livre seria o primeiro. Se a liberdade consistir em fazer o que se quiser, o Homem quer chegar à cidade, pelo que, tendo meios para isso, é livre se conseguir chegar à cidade. Se o que nos torna livres é fazer o que nos é próprio, também será este o Homem livre. É na cidade que o Homem está livre, o caminho só pode impedi-lo de ser livre, caso não consiga chegar à cidade.

Para Eduardo Lourenço, porém, o Homem livre é o que vagueia. É o não saber, o obstáculo, que o obriga a decidir, a escolher. Para lá de todos os afagos à ideia de resistência presentes nesta ideia – os resistentes são os Homens livres, aqueles que lutam por remover o obstáculo opressor – há também nesta posição um esquecimento curioso. Poderíamos considerar livre aquele que vagueia, sim, mas apenas se ele não tivesse objectivo, isto é, se não tivesse obstáculo. A liberdade, aqui, é vista como um fim em si mesma; é, como já em Voltaire, uma liberdade opressora. O objectivo, para Eduardo Lourenço, é uma ortodoxia. Querer alguma coisa tira-me a liberdade; esta, para ser vivida como tal, tem de ser exclusiva: querer alguma coisa é já contrário à ideia de liberdade. Como no projecto iluminista, os Homens são livres de serem livres, mas não de serem mais alguma coisa.

Diz Eduardo Lourenço que Portugal falhou a Reforma, a criação da físico-matemática e a filosofia cartesiana e que, por isso, ficou arredado da cultura Universal (a única cultura que o é verdadeiramente, por ser para cada um). Esta ideia será retomada no Labirinto da Saudade em que mais uma vez se explica que, por não termos contribuído enquanto indivíduos para a ciência, falhámos o seu espírito, o espírito crítico.

Eduardo Lourenço usa outras formulações um pouco mais canhestras. “Livre é aquele que não faz o que é contrário à consciência da sua vontade”, por exemplo, que não nega a ideia anterior mas, num espírito de Pilatos, permite recuperar o melhor dos dois mundos. Por um lado, percebe que o Homem que faz o que quer é apenas escravo da sua vontade; por outro, a formulação negativa aproxima-o do espírito da heterodoxia, do “não” que a resistência e a nova esquerda querem erigir como sistema. A liberdade não consiste em fazer alguma coisa, mas em não fazer. Como no espírito iluminista mais lúcido, a liberdade só pode ser céptica, negativa, não pode construir nenhum projecto.

Esta ideia de que a liberdade se encontra à margem dos grandes objectivos da História e do Homem é tão importante que a principal unidade do seu Heterodoxia I está, então, na maneira como as várias ortodoxias – encapotadas ou não – cerceiam a liberdade.

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Dialética: a fénix política

A cultura portuguesa serve de exemplo no caso mais óbvio. Diz Eduardo Lourenço que Portugal falhou a Reforma, a criação da físico-matemática e a filosofia cartesiana e que, por isso, ficou arredado da cultura Universal (a única cultura que o é verdadeiramente, por ser para cada um). Esta ideia será retomada no Labirinto da Saudade em que mais uma vez se explica que, por não termos contribuído enquanto indivíduos para a ciência, falhámos o seu espírito, o espírito crítico. Embora Eduardo Lourenço não reduza o espírito de heterodoxia a um mero espírito crítico (mas também não explica em que é que são diferentes), há semelhanças óbvias entre eles: o não aceitar o que é imposto, a procura constante ou a verificação pessoal, que em Portugal só são apanágio de figuras insuladas. Isto não só porque as instituições históricas refrearam o espírito cartesiano, mas também porque, como vem explicado mais uma vez no Labirinto da Saudade, há uma consciência da existência “milagrosa” de Portugal, que acaba por funcionar como escape para a responsabilização pessoal.

Não façamos caso da copiosa relação, apresentada por Domingos Maurício, de livros seiscentistas portugueses que já mencionam os avanços de Descartes; mais do que a verdade histórica, interessa a ideia que Eduardo Lourenço faz de cultura. O atraso português faz-se por oposição à cultura Europeia, que é a verdadeira cultura universal, “o esforço espiritual que se supera aprofundando-se”, e que tomou para limites de si própria os limites do Homem. Isto é importante não só porque a cultura não está definida positivamente – não é a cultura de Sartre ou Sertillanges, mas a “consciência da própria contradição” entre os pensamentos. A cultura europeia é, assim, o lugar da tolerância e o espelho do Homem heterodoxo. Como a Europa, “o Homem é uma realidade dividida. O respeito pela sua divisão é heterodoxia”.

É por isso que a heteronímia pessoana, a desfragmentação, aparece como a grande empreitada literária contemporânea. Pessoa teria percebido este ser ambíguo, contraditório, e a desfragmentação seria a forma de libertar todas as pulsões contrárias que nunca sobreviveriam numa unidade narrativa tradicional.

Diferentes edições de “O Labirinto da Saudade”

Lourenço não só louva este desfazer da unidade, como critica a prisão narrativa existente, tanto na filosofia marxista da História, como no seu aparente contrário – a dialética do idealismo absoluto, que continua a ser totalitário.

Eduardo Lourenço, a respeito da filosofia da história, não se podia distanciar mais do marxismo ortodoxo: de facto, como é que o Absoluto material se manifesta de forma racional criando uma narrativa, que é a forma própria do espírito? No entanto, não está muito longe dos ataques à razão perpetrados por Foucault (embora, fiel ao seu estilo diplomático, Lourenço só critique “um certo tipo de racionalismo”), ou a qualquer tipo de superestrutura que crie unidade.

A relação de Eduardo Lourenço com a dialética, porém, é uma relação feita de reservas e paixões. Se é verdade que a dialética à moda de Hegel é vista como um sistema totalitário, em que o confronto recupera elementos contraditórios dentro de um mesmo sistema, também é certo que Eduardo Lourenço vê na criação dialética uma forma de superar a concepção puramente negativa da heterodoxia. O surgimento do novo a partir do contrário torna o confronto democrático, não uma mera luta entre inimigos à espera que um soçobre, não uma luta entre verdades, mas a ideia de que os pontos de partida não são estanques, que do confronto surgirá uma nova solução, e desta nova solução surgirá um contrário e um novo confronto, que produzirão novas soluções, numa linha soluçante de progresso.

Mais uma vez, não há verdade no Homem, a sua verdadeira essência está no desinquietar-se constante, na desconstrução e no surgir de novo.

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A Esquerda e o mito da Origem

Esta maneira de olhar para o Homem é também a maneira de olhar para o social. Isto é claro quando Lourenço critica as imagens irrealistas que Portugal, ao longo da História, vai fazendo de si. Claro que uma imagem colectiva tem de ser unitária e, por isso, generalizante: corresponde a uma tendência, não a um absoluto. Lourenço, enquanto admite que todos os povos têm de criar uma imagem de si próprios, só parece admitir uma “imagem lúcida”, que significaria a consciencialização, a desmontagem, isto é, a imagem fragmentada, que na prática nenhuma imagem pode ser.

É interessante verificar a importância da razão de ser, da origem, no pensamento da Esquerda. Embora as monarquias tradicionais pudessem sugerir que a origem – origem divina do poder, origem dinástica, origens históricas da nação… -- fossem um tema mais ao gosto da direita, a verdade é que há uma recorrência espantosa à origem como legitimidade no pensamento da esquerda.

Segundo Eduardo Lourenço, a esta ficção unitária, típica do nacionalismo que idealiza o povo, poucas vezes escaparam os historiadores portugueses, que tratam a história portuguesa como separada do mundo, quase irreal. Num exercício psicanalítico, Eduardo Lourenço atribui este aspecto ao nascimento milagroso que, ao mesmo tempo que nos dá um estatuto quase profético, de escolhidos, dá-nos também a fraqueza de não termos razão de ser (um raciocínio típico da esquerda clássica, que só vê o fundamento para o poder ou para a existência numa legitimidade de origem, nunca na diuturnidade da existência).

É interessante verificar a importância da razão de ser, da origem, no pensamento da Esquerda. Embora as monarquias tradicionais pudessem sugerir que a origem – origem divina do poder, origem dinástica, origens históricas da nação… fossem um tema mais ao gosto da direita, a verdade é que há uma recorrência espantosa à origem como legitimidade no pensamento da esquerda.

Enquanto na direita de tradição maquiavélica – a direita da Realpolitik – a origem do poder pouco interessa, o que interessa é o facto de existir o poder, enquanto mesmo a direita tradicional do Integralismo ou da Action Française viu no positivismo uma justificação mais poderosa do poder do que em qualquer mito original, enquanto, para os juristas da Restauração Portuguesa, a origem era um entre muitos, e sem especial relevância, argumentos para a legitimidade brigantina, na esquerda o caso é diferente: de Rousseau à esquerda psicanalítica, da nova esquerda das comunidades associativas como redutos puros de defesa do Homem, a origem é o grande fundamento do poder. Não interessa que o povo erre – é ele a fonte do poder, é a sua única medida; não interessa o que o Homem quer ser – há debaixo da construção algo que ele verdadeiramente é, que está na sua origem e que se impõe ao Homem como verdade sobre si próprio.

A liberdade de Eduardo Lourenço padece também deste mal. Até pode ser o grande reduto do Homem, mas se tem como fito ser preservada, em prejuízo da vontade, então esta liberdade heterodoxa é bem opressiva.

Carlos Maria Bobone é licenciado em filosofia