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sábado, 28 de abril de 2018

A insustentável leveza dos filmes do senhor procurador

por estatuadesal

(Por Jorge Wemans, in Público, 28/04/2018)

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Só a impunidade soprada pelos ventos de populismo que assola a Europa pode explicar o que tenho ouvido e lido como defesa da “grande reportagem” da SIC construída com base nos filmes dos interrogatórios dos arguidos do processo Operação Marquês. Não encontro outra explicação. E o que vejo assusta-me.


Vamos por partes.

1. A tal “grande reportagem” que a SIC montou com a divulgação dos filmes dos interrogatórios tem zero de investigação própria e nada de factos novos. O seu roteiro segue o discurso da acusação e a dita reportagem não é mais do que a ilustração dos milhares de páginas em que aquela se deu a conhecer. Ou melhor dizendo: os milhares de páginas impressos como certificado de tudo quanto sobre o caso já tinha sido tornado público pela via de flagrantes e repetidos atropelos ao segredo de justiça.

A suposta reportagem da SIC, entre outros atropelos éticos que não vêm agora ao caso e que não têm que ver com o segredo de justiça, rebaixa-se ao hediondo de substituir o preceito deontológico de “ouvir todas as partes com interesses atendíveis na matéria” pelos filmes em que os arguidos respondiam ao interrogatório policial. Ou seja, para simular que respeitava aquele dever deontológico, a SIC “foi ouvir” os acusados defenderem-se das acusações por ela lidas e ilustradas a partir do texto da acusação através... do próprio interrogatório a que foram submetidos! Não me recordo de ter assistido, em democracia, a tão repugnante entrega do papel do jornalista a procuradores e juízes. Total confusão de papéis, completa mistura de planos e violação declarada dos deveres para com os acusados e para com o público. Não estou a falar de lei, estou a falar de deontologia jornalística.

Divulgar à exaustão e sob a capa de peça jornalística imagens captadas durante interrogatórios só pode resultar da procura de audiência a todo o custo, ou da vontade de incentivar o desejo de realizar justiça pelas próprias mãos.

2. Pior do que esta “grande reportagem” com guião e imagens extraídos dos processos realizados por quem conduziu a investigação foi o desagrado que ela provocou na atual procuradora-geral da República. “Desagrado?” — senhora procuradora!... Claro que a ouvimos também dizer que vai mandar instaurar novo inquérito, mas essa parte era para rir, não é verdade? Quantos inquéritos já mandou instaurar desde que este folhetim da Operação Marquês começou? Nomeadamente os relativos aos crimes de violação do segredo de justiça que continuam e continuarão impunes. Alguém foi demitido, suspenso, ou incomodado? Não continuam procurador e juiz titulares da investigação impávidos e serenos sem se deixarem afetar pelos recorrentes crimes em que o seu trabalho se viu envolvido? O crime desagrada-lhe, senhora procuradora? Então, quando o condena (se foi isso que fez...), não faça logo a injunção para a necessidade de todos os operadores judiciários repensarem comportamentos nesta matéria. Ou caminhamos para regulação e legislação retroativas, esponjas branqueadoras de comportamentos imperdoáveis do aparelho que dirige?

Mas nesta tragédia de levezas alegretes à portuguesa, as cenas dos próximos episódios ainda seriam mais negras. Como quase sempre nos media portugueses, em que o que falta em matéria de informação sobra em opinião, boa parte desta veio mostrar que afinal estava tudo certo. Que a luta contra a corrupção, o desmascarar das trapaças dos poderosos, ou o interesse público se sobrepunham a tudo e a todos.

3. Sabemos quanto a corrupção de altos responsáveis políticos, empresariais, financeiros, académicos e culturais é um dos principais cancros da sociedade portuguesa e da nossa vida democrática. A Operação Marquês investigou a corrupção ao mais alto nível. Mas não há importância ou singularidade de um processo judicial que suspenda todos os direitos dos investigados, confira exceção absoluta de procedimentos legais, substitua os tribunais pelo julgamento popular, dispense a prova por existir convicção. Estes são os fundamentos do populismo que, como é sabido e é tristemente patente nesta Europa a que nos deixámos chegar, opera sempre do mesmo modo: escolhe e denuncia impasses políticos verdadeiros e problemas sociais reais; explica-os através de origens deturpadas e razões falsas; e propõe-se resolvê-los através de medidas radicais, excecionais e antidemocráticas.

Sorrateira ou explicitamente, são estes pressupostos que baseiam boa parte da opinião publicada a favor da “grande reportagem” da SIC. Não, não há nenhum “interesse público” que justifique a difusão das imagens dos interrogatórios. As expressões dos arguidos em interrogatório, o conteúdo do que ali dizem e o modo como se exprimem nada provam, nem são factos relevantes no apuramento da verdade. Só quem nunca foi sujeito a interrogatório por parte daqueles que lhe retiraram a liberdade pode supor que essa é uma situação “normal”. Mas, mesmo não a tendo vivido na pele, deve perceber que nesse contexto absolutamente excecional ninguém é como é. E, sobretudo, que ninguém naquela situação se preocupa com a sua eventual performance perante as câmaras. De resto, o populismo reinante opera também esta “confusão” entre duas coisas bem distintas: o que são as provas aduzidas pela acusação e o que são factos provados em tribunal. Nada se encontra definitivamente provado antes de este se pronunciar, ouvida a defesa e avaliadas as provas por ela apresentada. Phil Graham daria uma volta no túmulo se alguém lhe traduzisse a glosa portuguesa da sua célebre frase [1] que parece ter cristalizado neste desastre: “Os tribunais trabalham para a história, os jornalistas para o momento”!

4. Duas coisas são certas. A primeira, pouco importante e de nível pessoal: se alguma vez for sujeito a investigação policial, exigirei uma máscara antes de responder a quaisquer perguntas que me queiram fazer. Não quero correr o risco de me ver envolvido nestas cenas degradantes. A segunda, mais decisiva: a luta contra a grande corrupção em Portugal acaba de dar um gigantesco passo atrás. E, para o seu recuo, mais do que a desastrosa “grande reportagem” da SIC, contribuíram os seus alegretes defensores, exultantes com a pornográfica exibição das “provas” que reforçam as suas convicções. Minar a administração da Justiça sobrepondo-lhe o julgamento popular, substituir a prova pela convicção e retirar à vida democrática os procedimentos formais que também a caracterizam — aí está toda uma agenda para o sólido desenvolvimento do populismo à portuguesa.

As rendas excessivas da EDP no país da imprensa comunista

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

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Fotografia: Paula Nunes@ECO

António Mexia é o exemplo acabado de um homem de sucesso em Portugal. Deu aulas, foi para a política, daí para organismos e empresas públicas, com a passagem da praxe pelo BES, e regressou à política, de onde em bom rigor nunca chegou a sair, para integrar o executivo Santana Lopes, entre Julho de 2004 e Março de 2005. Dai seguiu directo para a cadeira de presidente do Conselho de Administração da EDP, onde continua, hoje sob a batuta do regime chinês. Em 2014 recebeu de Cavaco Silva a mais alta condecoração da Ordem de Mérito Empresarial. Três anos depois, foi constituído arguido no caso relacionado com as rendas excessivas da EDP. Aquele percurso clássico.  Ler mais deste artigo

Competir no e ao centro

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 28/04/2018)

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Pacheco Pereira

(Caro Pacheco. Grande palestra de balneário. Estás para a política como o Jorge Jesus está para a bola, és o rei da táctica para o PSD de Rio. Esqueces vários detalhes. Um deles, e de não pouca importância, é que se à esquerda do PS existir 20% do eleitorado, não há "centro" tal como tu o vês. E é para esse objectivo que PCP e BE vão lutar. E, como os portugueses, tem a noção perfeita de que o PS só prosseguiu muitas das políticas que beneficiaram muitos devido ao peso da esquerda nos acordos de governo, talvez não seja difícil que alcancem essa fasquia. E lá se vai o "centro".

Comentário da Estátua, 28/04/2018)


Há quem se dê bem com os quadros de análise esquerda versus direita. Não é o meu caso, que de há muito penso que é uma maneira muito redutora de olhar para a realidade política dos nossos dias. Mas a verdade é que, apesar de sempre o fazer com muita resistência, não pude escapar a essa dicotomia e usei-a nos últimos anos. Uma das razões é que a radicalização da nossa vida política nos anos do ajustamento tornou a fractura direita-esquerda uma realidade impossível de evitar, visto que a viragem drástica à direita materializada no Governo PSD-CDS, acompanhada pelo abandono por parte do PSD do seu património genético social-democrata, criou uma frente de direita de facto. Por seu lado, o acordo PS-BE-PCP gerou uma resposta com uma protofrente de esquerda. A dicotomia não era perfeita, porque o PS conseguiu manter uma identidade de centro-esquerda, facilitada pela viragem do PSD, que deixou parte do terreno político vazio e que o PS ocupou, impedindo a existência de uma frente de esquerda perfeita.

O que se passa nos dias de hoje é que, com a mudança da liderança do PSD, que abandonou parte dos aspectos mais agressivos da viragem à direita nos anos de Passos Coelho, a política recentrou-se para fora dos extremos, o que teve efeitos no PSD e no PS e a reacção entre irritada e utilitária do CDS e do PCP e do BE. As negociações entre PSD e PS, mesmo com escassa substância, tiveram o efeito de ajudar o PS a poder fazer uma política em duas frentes e o PSD de se demarcar da oposição muito agressiva que caracterizara os dois primeiros anos da “geringonça”. Não é, insisto e insisto muito, uma viragem consolidada e segura, mas é uma viragem. Pode agora começar a falar-se do centro, esse fantasma da política portuguesa que ninguém quer na bandeira, mas de que PS e PSD sabem precisar para ganhar eleições.

As próximas eleições que poderiam realizar-se no modelo frente de esquerda (PS+BE+PCP) versus frente de direita (PSD+CDS) podem agora realizar-se numa competição pelo centro político, uma entidade difícil de definir, mas que agrega uma parte muito significativa do eleitorado urbano, politicamente mais qualificado e informado, e que pode, quando no seu terreno aparece uma alternativa, escolher sem clubite identitária. Ou seja, premeia ou pune o partido que lhe pareça merecer essas atitudes, e que historicamente se desloca do PS para o PSD e vice-versa, em particular em função da performance governativa. Soares, Sá Carneiro, Cavaco, Guterres, Sócrates, Passos Coelho (em 2011), todos beneficiaram desse efeito, ou o desbarataram.

O problema para o PSD é que, à data em que escrevo, o PS tem muito mais condições para usufruir dessa ocupação do centro político, até porque mesmo com a “geringonça” pode manter-se no terreno do centro-esquerda e o PSD só agora se deslocou para o centro-direita-centro--esquerda, com o terreno ainda muito minado pelo seu passado recente e pelo corte muito ambíguo com as políticas do “ajustamento”. Na verdade, enquanto, do ponto de vista do eleitorado central, o PS tem feito quase tudo bem, o PSD fez apenas o recentramento com as negociações com o PS, mas errou ou não explorou todos os outros factores que pesam na competição ao centro.

De facto, a competição pelo centro é diferente do confronto frente de esquerda--frente de direita. Para o eleitorado mais informado e qualificado do centro, contam à cabeça três coisas com que o PSD tem tido muita dificuldade em lidar, quer por erros próprios, quer por falta de massa crítica partidária de um PSD muito desertificado de quadros políticos, muito dependente de políticos de carreira no interior do partido e por uma ruptura com vários sectores da sociedade, processo que se tem acentuado desde que Cavaco Silva deixou de ser primeiro-ministro.

O primeiro dos factores é fundamental para travar o populismo e a deriva abstencionista: a imposição de um quadro mínimo de atitudes éticas com medidas exemplares e oportunas de demarcação ante a corrupção, o tráfico de influências e actos de moral duvidosa, mesmo que não necessariamente ilegais. Rio vem com uma imagem de rigor ético e falou da necessidade de um “banho de ética”, o que era uma vantagem face a um PS ainda muito enterrado no “caso Sócrates”. Porém, sucede que nestas matérias a primeira impressão conta muito e raras vezes dá a oportunidade de uma segunda impressão, e os casos de Elina Fraga e Barreiras Duarte mancharam essa primeira impressão.

O segundo factor é a escolha das pessoas e das equipas, que, numa competição ao centro, é muitas vezes o grande equalizador entre quem está na oposição e quem está no governo. E aqui as escolhas de Rio para áreas fundamentais, quer no partido, quer no governo, são más. Há excepções, mas são poucas. No partido, as escolhas para cargos relevantes de pessoas que traziam um historial pesado de suspeitas e acusações de carácter judicial, ou que pura e simplesmente eram muito medíocres, trouxeram-lhe logo à partida o risco da perda da inocência ética e acabaram por ficar como zombies políticos incapazes de ter qualquer protagonismo nas áreas que justificavam o seu recrutamento. Nas escolhas para um protogoverno-sombra, há pessoas cuja experiência governativa foi insatisfatória e nalguns casos que transportam histórias obscuras quase desde sempre. É duro dizer isto, mas toda a gente, repito, toda a gente, sabe que é verdade. Rio devia estar a milhas dessas pessoas e não tem estado.

A sua única desculpa é que no PSD não abundam pessoas com capacidade para assegurar muitas áreas quer da oposição, quer da futura governação, e muitas das que existiam já há muito se afastaram. A quebra de prestígio partidário nos últimos anos torna relutante a colaboração de muitos independentes, com os quais o PS tem maior margem de manobra, mesmo com Sócrates às costas. Acresce que o aparelho partidário, na “jota” em particular, tem “queimado” qualquer recrutamento e ascensão de pessoas qualificadas e que saibam fazer mais do que viver nas redes sociais mandando “bocas” e servindo como fontes de intriga para os jornais. Neste contexto, era preferível ir buscar gente completamente nova e dar-lhes oportunidade de “se fazerem”. Aqui o CDS sempre foi melhor.

Por último, a competição ao centro faz-se muito pelo confronto de causas e propostas que correspondam aos problemas reais do país, que estão longe da agenda imediata e mediática. Não é só o programa eleitoral — é a condução quotidiana de um grande partido político reformista e moderado que seja capaz de reconstruir o seu património com posições e propostas de forma estudada e criativa, assente na sua identidade genética. E aí há muito para fazer, na educação, na saúde, no sistema político, no mundo do trabalho, na cultura, na Segurança Social, na emigração, na habitação, no equilíbrio regional, etc.

Embora os factores anteriores sejam um lastro negativo para assegurar a qualidade do trabalho programático, penso que tem todo o sentido haver um benefício de dúvida. Se o PSD souber ancorar-se no centro político, vai descobrir todo um terreno de actuação que é efectivamente alternativo ao PS e lhe pode dar um impulso eleitoral, caso o mereça. Para isso é também preciso recusar a histeria da “novidade” e da intervenção permanente, introduzir algum tempo reflexivo e mais lento, sem temer o papão do “vazio” que é hoje um instrumento para subordinar a política aos ritmos da actual comunicação. Aqui Rio tem vantagem e pode explorá-la.

Se nas próximas eleições o confronto se fizer ao centro, pode haver vantagem para os portugueses. Há apenas um óbice e esse demasiado importante: o centro pode significar o abafamento da questão europeia, debaixo de um consenso ambíguo que há muito existe sobre o seguidismo do PS e do PSD em relação a uma União Europeia que é hoje uma entidade pouco democrática e desrespeitadora da soberania das nações.

Esta circunstância pode matar tudo, ao impor a Portugal um modelo de estagnação que a prazo gerará radicalização social, com o risco de populismo. Nessa altura, voltamos à grande simplificação e ao reducionismo político, e o centro nunca se implantará como lugar da democracia.

Vamos ver.

Pela recuperação do tempo de serviço docente – Iniciativa Legislativa de Cidadãos

Novo artigo em Aventar


por António Fernando Nabais

Todos os cidadãos maiores de idade que considerarem que não repor o tempo de serviço dos professores é um injustiça devem assinar a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para Recuperar Todo o Tempo de Serviço Docente. Os que forem de opinião contrária também podem assinar.

São necessárias 20 000 assinaturas para que a proposta seja obrigatoriamente discutida na Assembleia da República. Esta iniciativa foi lançada há cerca de dez dias e o seu conteúdo é muito simples:

  • Um artigo para revogar a suspensão/anulação de contagem, bem como a produção de efeitos e contagem do tempo de serviço prestado, na sua integralidade.
  • Uma parte desse artigo deverá impedir que a existência de vagas ou menções mínimas de avaliação em alguns escalões possa perturbar os efeitos plenos da contagem integral.
  • Uma norma revogatória, para deixar claro e de forma indiscutível, que as normas que suspenderam a contagem ficam efectivamente revogadas (não faria falta, mas é só para vincar o ponto).
  • Uma norma para definir a entrada em vigor com duas vertentes: os professores e educadores são colocados no escalão na data a que têm direito, mas por razões legais gerais, só são pagos a partir do dia 1 de Janeiro de 2019. Este ponto é importante porque se a lei tivesse efeitos orçamentais em 2018 não poderia ser apresentada e admitida.

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Ladrões de Bicicletas


Logros

Posted: 28 Apr 2018 02:19 AM PDT

Vem esta citação do livro de Yanis Varoufakis Comportem-se como adultos, a propósito de tantos portugueses que contribuíram para o maior logro da História económica dos últimos tempos.
Entre eles, gostava de salientar três sociais-democratas - Cavaco Silva, Jorge Braga de Macedo e Vítor Gaspar - e dois socialistas cujos sorrisos nos deviam fazer pensar: de Vítor Constâncio, numa altura em que sai de cena do BCE, e de Mário Centeno, quando entra em cena no eurogrupo.

"A maioria dos europeus gosta de pensar que a falidocracia americana é pior do que a sua homóloga europeia, graças ao poder de Wall Street e à infame porta giratória entre os bancos dos Estados Unidos e o governo daqule país. Estão redondamente enganados. Os bancos da Europa foram geridos de forma tão atroz nos anos que antecederam 2008 que os bancos inanes de Wall Street quase ficam bem na fotografia em comparação. Quando a crise rebentou, os bancos de França, Alemanha, Holanda e Reino Unido tinham uma exposição de mais de 30 biliões de dólares, mais do dobro do produto nacional dos Estados Unidos, oito vezes o produto nacional da Alemanha e quase três vezes os produtos nacionais do Reino Unido, Alemanha, França e Holanda somados. Uma falência grega em 2010 teria exigido, de imediato, um resgate dos bancos pelos governos alemão, francês, holandês e britânico no valor aproximado de dez mil dólares por criança, mulher e homem que vivesse naqueles quatro países. Em comparação, um revés de mercado semelhante contra Wall Street teria exigido um resgate relativamente diminuto: não mais de 258 dólares por cidadão americano. Se Wall Street mereceu a ira do povo americano, os bancos da Europa mereciam 38,8 vezes essa ira."
"Mas não é tudo. Washington podia empurrar os activos tóxicos de Wall Street para os livros da Reserva Federal e deixá-los ali até recomeçarem a ter bom desempenho ou serem eventualmente esquecidos, para que os descobrissem os arqueólogos do futuro. De uma forma simples, os americanos não precisavam sequer de pagar os relativamente magros 258 dólares por cabeça com os seus impostos. Já na Europa, onde os países como a França e a Grécia abdicaram dos seus bancos centrais em 2000 e o BCE estava proibido de absorver dívidas más, o dinheiro necessário para resgatar bancos tinha de ser buscado aos cidadãos. Se alguma vez se interrogar porque é que o regime europeu se empenha mais na austeridade do que o americano ou o japonês, eis a razão. O BCE não tem autorização para enterrar os pecados dos bancos nos seus próprios livros, o que significa que os governos europeus não têm outra opção senão financiar resgates bancários através de cortes de benefícios e aumentos de impostos."  


Por outras palavras: a austeridade é o mecanismo que a doutrina liberal e o edifício da moeda única europeia encontraram para poder evitar que os accionistas dos bancos paguem as suas dívidas ou simplesmente paguem pelos erros dos seus actos de gestão, transferindo-as para aqueles que eles tanto gostam de designar por consumidores e contribuintes, mas que são, na verdade, pessoas, com as suas vidas e as suas famílias. Tudo sob um lema tristemente ingénuo ou cúmplice que já ouvimos tanto entre nós: Devemos honrar as nossas dívidas.

"Quando os bancos franceses enfrentaram a morte certa, que escolha lhe restava" - a Christine Lagarde - "enquanto ministra das Finanças francesa, com os seus colegas europeus e do FMI, senão fazer o que fosse preciso para os salvar - mesmo que isso implicasse mentir a 19 parlamentos europeus ao mesmo tempo sobre o objectivo dos empréstimos gregos?" 

O nosso resgate - aquele que aumentou consideravelmente a nossa dívida pública, a ponto de Centeno ficar agora tão feliz por descer um pouco o montante de juros a pagar e de condicionar o investimento público a essa descida - foi verdadeiramente um resgate aos bancos europeus pagos pelos cidadãos mais pobres da Europa.
Diri-se-á: Mas agora não há altenativa agora e convém ser agora prudente. Talvez. E mesmo isso conviria ser melhor discutido. Mas havia uma coisa que era importante fazer: nunca estar sentado a presidir ao grupo de personalidades que são o guardião daquele histórico logro.  

Agitar o fantasma da imigração num país em declínio

Posted: 27 Apr 2018 06:24 PM PDT

Pela terceira vez consecutiva, e reforçando o resultado em eleições muito participadas, Orbán venceu as legislativas da Hungria no início de abril. O registo xenófobo e anti-imigração, entre as críticas à União Europeia e os ataques às ONG, foi decisivo para a vitória. Aliás, no seu primeiro discurso, Orbán refere que «os húngaros escolheram a imigração como a sua grande preocupação», afirmando-se por isso determinado a apertar o cerco às organizações não-governamentais que trabalham com imigrantes.
Sucede porém que a Hungria é um dos melhores exemplos do paradoxo, que assinalámos aqui, de serem países com menor peso relativo de população estrangeira a registar uma maior rejeição de políticas de apoio a imigrantes e refugiados. De facto, com apenas 1,5% de estrangeiros em 2017 (cerca de 7,6% na UE), o país exibe o segundo valor mais baixo de concordância com políticas de apoio a refugiados (29%), tendo apenas atrás de si a República Checa (27%), num quadro em que a média na UE28 ronda os 67%. E quando se constata estarmos perante um país com perdas consecutivas de população (-4% face a 2000), em contraciclo com a União Europeia, a adesão à xenofobia pelo eleitorado húngaro torna-se ainda mais estranha.

De acordo com Endre Sik, do Instituto Tárki, que monitoriza a situação na Hungria desde 1992, a xenofobia começa a ganhar expressão a partir de 2010, evoluindo desde então de forma imparável. O agitar do fantasma da insegurança pela extrema-direita (associando-o às vagas de refugiados que chegam à Europa), é mais recente, juntando-se aos argumentos da ameaça de islamização, perda de identidade e do desemprego. Contudo, também aqui o argumento não colhe. A Hungria tem uma taxa de desemprego pouco expressiva e uma muito reduzida de participação de estrangeiros, vindos de fora da UE28, no seu mercado de trabalho (cerca de 0,2% em 2017, que comparam com uma média europeia a rondar os 4,0%).

Mas tudo tem o seu revés. A infundada campanha de perseguição e ódio, adotada pelos governos de Viktor Orbán, e alimentada por uma comunicação social cada vez menos independente, está a desencadear fluxos migratórios muito significativos, estimando-se que tenham saído recentemente do país cerca de 500 mil húngaros. A atmosfera de desumanidade, desconfiança e medo, que a mentira e a propaganda permitem criar, tem sempre um preço.

Confirmação

Posted: 27 Apr 2018 04:29 PM PDT

Entrevista de Varoufakis ao Público

Bem sei que Cavaco Silva já não mora cá.
Vê-lo no camarote na sessão solene de comemoração do 25 de Abril, quase atrás do reposteiro e com a boca naquela forma de anti-smile revela o quanto ele esteve arredado de tanta coisa, e ao mesmo tempo tão cúmplice do estado a que chegámos hoje vindos desde os anos 80, sempre alinhados com o sistema centrado no marco alemão. Mas isto não deveria passar incólume.
O ex-ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis disse por diversas vezes e também na recente entrevista ao Público - ainda sem desmentido - que Cavaco Silva não quis dar posse ao governo de António Costa e que só lhe deu porque Merkel autorizou.
Se não o desmente, convém que o repitamos muitas vezes.
Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Etc., Etc.