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quinta-feira, 28 de maio de 2020

O presidente dos portuenses que é “amigo” do presidente dos portistas tem um Conselho Superior para dar

Curto

Pedro Candeias

Pedro Candeias

Editor

28 MAIO 2020

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Rui Moreira

Durante anos, duas vezes por ano nos anos antes de Cristo, celebravam-se em Roma dois festivais dedicados à Bona Dea, a Boa Deusa. Estas duplas comemorações tinham as suas particularidades que descreverei a seguir.
Antes de mais, eram exclusivas para mulheres, que podiam beber vinho e entregar-se aos sacrifícios pagãos em segurança, pois estes ritos eram-lhe socialmente proibidos pelos homens em quaisquer circunstâncias que não estas.
Por outro lado, a primeira festança, passada em maio, era bastante inclusiva para os padrões de então: havia escravas em comunhão com - não há outra forma de o escrever - as suas proprietárias; a segunda, em dezembro, era menos abrangente e só podia participar quem pertencesse à alta sociedade.
E foi numa destas últimas, em 62 a.c., que o político Públio Clódio Pulcro entrou à socapa disfarçado de mulher, alegadamente com o objetivo de seduzir Pompeia, casada com Júlio César e anfitriã do evento. O intruso foi obviamente apanhado e depois acusado numa trama política muito confusa e pouco edificante de rivalidades antigas.
Mas Clódio acabou absolvido após um longo julgamento em que o próprio Júlio César garantiu nada ter contra ele quando chamado a depôr. Para a posteridade ficou a frase do futuro ditador que o caro leitor estava previsivelmente à espera de ler desde o início deste Expresso Curto: “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”, disse em tribunal, quando lhe perguntaram porque se separara de Pompeia se não acreditava na traição.
A partir de então, com uma ou outra variação sobre seriedade e honestidade, esta frase transformada em provérbio é utilizada sempre que alguém pisa as linhas imaginárias da prudência e do bom-senso - que são justamente bem mais elásticas do que as legais, mas que estão lá. E ainda que por vezes o excesso de voluntarismo dos justiceiros sociais as estique até para lá ponto de ruptura, transformando questiúnculas em casos dramáticos de vida ou morte, há exemplos dificilmente relativizáveis.
Dou-lhe dois: o juiz do caso Rui Pinto e a lista de Pinto da Costa para as eleições do FC Porto.
No primeiro caso, o juiz Paulo Registo botou “likes” em publicações nas redes sociais que chamavam “pirata” ao hacker dos Football Leaks e Luanda Leaks, e Ana “Heroína” Gomes à ex-eurodeputada; além disso, Registo não se coibiu de demonstrar o seu benfiquismo. Caçado no Facebook, pediu escusa do processo por considerar que a sua imparcialidade poderia ser posta em causa; o Tribunal da Relação de Lisboa aceitou os seus argumentos e no acórdão está escrito que assim ficou garantida “a legitimidade do Estado de Direito no exercício da ação penal que sejam tramitados de forma transparente e sem polémicas acrescida”.
Como todos nós, o cidadão anónimo Paulo Registo teria a sua opinião sobre o hacker Rui Pinto, mas aquele clique ingénuo no FB fez com que todos nós soubéssemos a opinião do juiz Paulo Registo sobre o mais célebre cidadão de Mafamude que iria ajuizar brevemente em tribunal. Para todos os efeitos, achava-o um “pirata” e um “bisbilhoteiro” - e o seu juízo estava publicamente comprometido e o jogo inquinado.
Para o segundo caso, reporto o capítulo IV dos estatutos do FC Porto. Nas páginas 24 e 25 definem-se os órgãos sociais do clube, a saber, Assembleia Geral, Mesa da Assembleia Geral e o seu Presidente, a Direção, o Conselho Fiscal e Disciplinar e o Conselho Superior. O artigo 42.º diz que os “membros dos órgãos sociais [...] gozam da faculdade de ter um lugar especialmente destinado nos recintos do Clube”; e, no que nos interessa, o artigo 70.º, sobre as “competências” do Conselho Superior, especifica que este “deve ser ouvido sobre os assuntos de magno interesse para o Clube”, “velar pela observância dos estatutos”, “apresentar sugestões ao Conselho Fiscal e Disciplinar” e “emitir pareceres”. É um bocadinho vago para um órgão composto por “20 associados sénior”, mas a lista apresentada pela candidatura do crónico presidente Pinto da Costa é, pelo contrário, concreta. Por causa dos nomes.
Nela estão os muito reconhecíveis Luís Montenegro (ex-candidato à liderança do PSD), Tiago Barbosa Ribeiro (deputado do PS), Nuno Cardoso (antigo presidente da Câmara do Porto), Manuel Pizarro (socialista, vereador da Câmara do Porto) - e Rui Moreira (atual presidente da Câmara do Porto). O Conselho Superior é um fórum meramente consultivo, sim senhor, mas também poderá ser um centrão político-futebolístico que dará uma certa coceira a quem defende que estes dois mundos podem cruzar-se, mas que não se devem misturar.
De todos estes, é evidente que Rui Moreira é o que mais questões levanta e o próprio Pinto da Costa sugeriu duas ou três: “O Dr. Rui Moreira não precisa de apresentação e orgulha-me muito tê-lo nas minhas listas, não por ser meu amigo, não por ser presidente da Câmara do Porto, mas por ser o presidente que é da Câmara do Porto”. Não que o seu portismo fosse segredo - fez parte do programa “Trio D’Ataque” - tal como não é o benfiquismo de Fernando Medina ou o sportinguismo de Eduardo Ferro Rodrigues; ambos são detentores de cargos de responsabilidade política e nenhum deles fez parte de listas nos seus respetivos clubes.
Então, a partir de 7 de junho, dia de eleições de resultado previsível no clube, o presidente dos portuenses - que não é um presidente qualquer, mas um “amigo” do presidente dos portistas -, passará a estar oficialmente dentro da presidência do maior clube da cidade. Onde já esteve antes, em 2012, como membro do Conselho Consultivo da SAD portista ao lado de Fernando Gomes, também ele apresentado na altura como antigo presidente da Câmara do Porto e ex-administrador da GALP.
Depois, em 2014, Fernando Gomes subiu a administrador da SAD do FCP, ficou responsável pela pasta das Finanças, e assim nasceu um putativo candidato à liderança no pós-Pinto da Costa. É possível que aconteça o mesmo com Rui Moreira.

Querem mesmo um ensino sem aulas presenciais?

Posted: 27 May 2020 03:04 AM PDT

«Confesso que fiquei surpreendido quando ouvi um dirigente sindical criticar a abertura das aulas para o 11º e 12º anos. O que começou por dizer pareceu-me convincente: é preciso garantir a segurança de alunos, professores e funcionários. Mas depois acrescentou, se bem registei, que preferia que se mantivessem as aulas à distância. Eu não prefiro. Por isso é que gostaria de ter ouvido algo mais, que temos que nos mexer para ter as condições para voltar à vida das escolas. O mais depressa possível. Sem aulas presenciais não há ensino.

É provável que sem aulas presenciais também deixe de haver professores. De facto, manda a prudência que se tenha em conta que, se o sistema de ensino for só uma telescola, alguém um dia imaginará que basta um vídeo das aulas de cada cadeira e que se pode repeti-lo ad infinitum. Umas dezenas de figurantes contratados para apresentarem um texto e um powerpoint e está dado o curso. Ponham-lhe o bastão na mão e já verão como é o vilão, saltar da telescola para a youtubescola será um ápice. Este risco profissional pode ser grave, mas ainda assim não é a única ameaça. Até sugiro aos leitores, sentindo o ceticismo de alguns que leram as últimas linhas, que esqueçam por completo esta questão. O que não se pode ignorar, em contrapartida, é que o encanto das novas tecnologias não substitui a relação entre os docentes e os alunos, a atenção ao detalhe, a aprendizagem viva, a insistência e a resposta imediata, as dúvidas durante e no fim da aula, a conversa nos intervalos, as atividades extracurriculares, a forma como os estudantes se envolvem com a escola.

Se quem estuda não reconhecer a escola como o seu lugar de aprendizagem e de socialização e ficar reduzido a aulas por ecrã no canto da sua casa, o percurso da maior parte dos alunos será um desastre. Por exemplo, o ministério da educação de França calcula que, durante os dois meses de confinamento, já 5 a 8% dos alunos “descolaram”, mas o facto é que nesse país chega a 40% a percentagem dos que não entregam regularmente os trabalhos. O sistema educativo não resiste ao artificialismo da distância e pode até acentuar alguns dos seus principais defeitos, dado que a tendência vai ser multiplicar o tpc, inundar os alunos de obrigações, exigir aos pais que vigiem, tutelem e complementem a educação, ocupando obsessivamente o tempo como se isso impedisse as distrações.

Vai ser um ensino-lantejoula, uma coisa assim tipo EdTech, dizem-nos, as aulas vão passar a ser videojogos, uma maravilha, assim a modos que um Fortnite levezinho, vão multiplicar-se as aplicações e os sistemas de motivação, até de vigilância (algumas universidades discutem se podem obrigar os alunos a fazer exame com as câmaras dos computadores ligadas), criando uma feira popular de conteúdos clicáveis. Acabou a hierarquia e a autoridade, a educação passou a ser horizontalizada, dizem e repetem, e eu desconfio. Sem aulas presenciais não há ensino, insisto.

Sem escola física, que aproxima as crianças e os jovens, cada um fica fechado no lugar de onde vem e sobra a desigualdade. Sem universidades e politécnicos não há nem ensino de excelência nem investigação. Sem comunidade escolar não há obrigações nem para os professores nem para os estudantes, nem para as suas famílias.

Por isso, ao ouvir o ministro elogiar o B-learning, um estranho e mal definido cocktail de aulas virtuais e algum atendimento individual, fico ainda mais preocupado. E se, em vez de perdermos tempo com fantasias, pensássemos em soluções mais interessantes? E se fossemos pelo caminho de turmas menores, equipas de professores nos primeiros anos, horários mais curtos e mais desencontrados no secundário? Se começasse a produção de conteúdos de apoio pedagógico pelo ministério da educação, para tornar as aulas mais interessantes? Tudo menos o facilitismo deslumbrado com um mundo virtual em que há entretenimento, mas não há certamente uma educação completa. Se não queremos desistir dos estudantes, devolvamos-lhes a escola, o mais depressa que for possível.

NB- É público e notório, mas registo a declaração de interesses: sou professor e, portanto, profissionalmente envolvido na escolha sobre o tipo de ensino que vamos ter.»

Francisco Louçã

Quanto nos custará, afinal, esta “bandeira”?


Quanto nos custará, afinal, esta “bandeira”?

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 27/05/2020)

Eu sei que muitos virão dizer: mas quem já pagou, está a pagar e irá continuar durante muitos anos a pagar negras “bandeiras”, como o BPN, o BES e outros sacrossantos defuntos Bancos, continua a pagar as PPP’s e eu sei lá que mais negros negócios, porque não salvar esta “ Bandeira”, esta sim uma verdadeira Bandeira, como aquelas que a seguir referirei.

Pois é, eu “dusoso” me confesso e, não tendo adequada e definitiva resposta, apenas me questiono. Eu sei o quanto o desaparecimento da TAP desagradável será para o Miguel ( de Sousa Tavares) pois lá tem em lugar destacado, e muitíssimo bem, a sua Mãe, como eu tenho o meu querido Ary dos Santos e todos temos nomes inesquecíveis da nossa História! Mas…

Antigamente os Mouzinhos da Silveira nas suas explorações selvas adentro, os Vascos da Gama mar adiante descobrindo novos mundos ou os Antónios Vieira pelos sertões Brasileiros pregando novas doutrinas, todos eles levavam à sua frente o porta estandarte com a nossa verde e rubra Bandeira.

Também nas guerras de conquistas ou reconquistas também lá ela seguia bem altiva anunciando este nobre Povo e País, pequeno de origem mas grande de nome.

Agora e já de algumas décadas a esta parte dizem que não é nada a Selecção, nem é o Cristiano Ronaldo, o Mourinho ou muito menos o Fernando Santos. Nem tão pouco o Saramago, o Whils, a Paula Rego, a Maria João Pires, o Joaquim de Almeida, o Pepê Rapazote ou a Maria de Medeiros. Que nada: é a TAP!

Que nos leva a todo o mundo, o que até nem é verdade! Que é a nossa ligação à diáspora e aos países de expressão portuguesa. Tudo bem mas…quanto já nos custou e custa e custará?

Nos casos atrás referidos custou Vidas, muitas vidas cerceadas à juventude e ao seu futuro. Agora, nestas décadas, tem-nos custado os olhos da cara em impostos.

Nos últimos dias consultei vários escritos em jornais tentando perceber o porquê de em anos que representaram o auge dos passageiros transportados, em que o Turismo atingiu níveis nunca vistos e os negócios internacionais também, a TAP tenha apresentado só nos últimos dois anos mais de duzentos milhões de euros de prejuízos.

Fala-se de indemnizações que terá sido obrigada a pagar por incumprimentos para com passageiros, da eterna catastrófica operação de manutenção no Brasil, do serviço da dívida e do ónus por aviões comprados. Mas aqui surge a nebulosa. Serão também os nunca referidos contratos SWAP obrigada a celebrar e ainda em vigôr? Hummmmm…

Mas surgem-me duas essenciais perguntas, cuja primeira é: Mas se no auge atingido do transporte de passageiros o acréscimo de receitas não conseguiu ultrapassar os 35 milhões de Euros avançando, como anunciado, para a aquisição de 70 (setenta) aviões, num custo total estimado em cerca de 10 (dez) mil milhões de Euros ( mais de cento e quarenta milhões de Euros por cada avião), considerando todos os pressupostos que neste cenário a levaram a sucessivos prejuízos, em quantas décadas, ou mesmo séculos, eles se pagarão a si mesmos?

A segunda é: Mas quem financia ou está disposta a financiar, se não pela continuação dessses aviões como seu colateral ou propriedade sua, a venda desses aviões a uma empresa já tecnicamente falida ( com capitais próprios negativos) e apenas suportada por injeções de um oxigénio chamado dinheiro que a vai deixando ligada às máquinas…Como entender?

No entanto também li que, afinal, só três desses aviões terão sido adquirido põe Leasing, isto é, o Aluguer de um imóvel necessário e afecto à exploração e pelo qual se paga uma renda, mas só com propriedade final através do pagamento do  valor residual contratado ao locatário e que o Cash Flow de exploração gerado ( o lucro bruto) terá atingido os 450 milhões de Euros.

Ora isto significa que, mesmo com um resultado de exploração positivo, ela não suportará mais o inexorável Serviço da Dívida (seja ele financeiro ou de alocação), as obrigatórias Amortizações, nem os legais pagamentos de Impostos e constituição de provisões! O Cash Flow, ou o EBIDTA gerados ( lucros antes de Impostos, Juros, Depreciações e Amortizações) não chegarão nunca nem para “ Meia Missa, Amen…”.

Deste modo ou o Estado, em nome da “Bandeira”, toma definitivamente posse da empresa e consegue renegociar a dívida para muito longos prazos, diminuindo drasticamente o seu peso no orçamento, e com os novos aviões e novas rotas consegue multiplicar os seus proveitos, que óbviamente só conseguirá a preços competitivos, tudo coisas que os Privados nunca conseguiram nem conseguirão, ou…

…Ou muito simplesmente a deixa ir à Insolvência e posterior Falência. Pois, como ouvi há muitos anos na altura da anterior crise um meu Amigo dizer : “Se os outros falem, porque não falo eu também …?”

E lá ficaremos sem esta “Bandeira”…mas muito mais aliviados!

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Ordem para desconfinar

Curto

Cristina Peres

Cristina Peres

Jornalista de Internacional

27 MAIO 2020

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Quando 64% dos americanos respondem num inquérito nacional que deveria usar-se máscara em público, Donald Trump exibe-se sem usar uma ele próprio e tweeta várias vezes ao dia que não precisa. O Presidente promove a confusão que grassa num país onde a decisão de usar proteção na cara já tinha escala de batalha nacional sobre a responsabilidade individual durante a pandemia. Desde o Memorial Day, 25 de maio, o dia em que os EUA homenageiam os seus cidadãos caídos em batalha, a máscara tornou-se também símbolo de divisão dos americanos.
Usar ou não usar máscara tornou-se ideologia, tornou-se política e cada um dos candidatos à eleição presidencial pelos partidos democrata e republicano fez a sua declaração pública ao aparecerem nas cerimónias com máscara - casal Joe Biden -, e sem máscara - casal Trump.
Este é o contexto em que Trump aposta em desconfinar: os Estados Unidos têm o maior número infetados por coronavírus e os mortos estão no limiar dos 100 mil. O Presidente pressiona insistentemente para que os estados reabram as suas economias assim permitindo que aconteça “a transição para a grandeza”, como reza o slogan da sua campanha. Se dúvidas houvesse, até o ex-chefe de gabinete do Presidente, Mick Mulvaney, disse na terça-feira que usar máscara podia ajudar a revitalizar a economia. Mensagens contraditórias deixaram muitos trabalhadores e as suas comunidades sem saber qual a extensão da disseminação da covid-19.
Pela primeira vez na história, o Twitter adicionou um link a dois tweets da conta do Presidente americano refutando a sua falta de exatidão e denunciado que ele tinha feito alegações falsas acerca dos votos eletrónicos. A empresa incitou as pessoas a “verificar os factos”.

Por direitos sem intermitência na cultura

Posted: 26 May 2020 03:03 AM PDT

«A partir de 1 de junho será possível apanhar um avião cheio e andar num metro a dois terços da sua capacidade. Mas a cadeira que tiver reservado num teatro fará parte de um restrito número de lugares disponíveis, correspondentes a menos de um terço do total.

As regras de lotação das salas de espetáculo são apenas um dos problemas que o setor da cultura enfrenta num futuro próximo.

Em causa não está a necessidade de proteção no desconfinamento. O que se exige é, por um lado, sensatez e equilíbrio no que é pedido a estruturas de pequena dimensão e, por outro, os apoios necessários para suportar um setor tão afetado pela pandemia.

Sabemos bem o que está por debaixo das enormes dificuldades agora sentidas: para a maioria das 130 mil pessoas que trabalham na cultura, são décadas de precariedade e subfinanciamento. O Estado conta com elas para continuarem a fornecer um serviço público essencial e ninguém imagina o que seria não ter produção artística em contínuo. Mas, apesar de serem profissionais, estas pessoas raramente tiveram um contrato de trabalho, fosse de curto ou de longo prazo. O amanhã é quase sempre uma incógnita, mas a crise tornou esse amanhã demasiado prolongado para quem tem contas para pagar, casa, filhos.

É verdade que o Estado manteve o pagamento dos espetáculos que de si dependiam diretamente, mas isso não basta quando as bilheteiras estão fechadas, os concertos foram suspensos e a produção audiovisual está quase parada. No meio da pandemia, a única linha de emergência lançada, num valor de 1 milhão e 700 mil euros, foi um novo concurso, que avaliou novos projetos, e que deixou de fora milhares de pessoas. E nem às instituições que têm apoio público, como Serralves ou a Casa da Música, foi exigido que mantivessem os seus trabalhadores que, por sinal, eram falsos recibos verdes. O mesmo se passa com muitas autarquias e teatros municipais, como o Rivoli, onde assistentes de sala e técnicos de som ficaram sem salário.

Sim, sabemos que é um setor complexo, pela sua heterogeneidade, mas também pelos vícios que o subfinanciamento criou. Mas a desculpa não pode servir para sempre, e não justifica o orçamento público diminuto (em que mais de metade vem de receitas próprias), nem a precariedade que deixa milhares de pessoas fora da proteção de segurança social.

No imediato é preciso apoios para evitar que tanta gente caia na pobreza. Qualquer história de fome em Portugal deve ser motivo de vergonha, e o setor das artes já acumula bastantes. No curto prazo, está na hora de pagar uma velha dívida de respeito: dar contratos e direitos laborais a estas pessoas.»

Mariana Mortágua