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segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Eis como a Presidência de Trump se irá desenrolar


por estatuadesal
(Pepe Escobar, in GlobalResearch, 21/01/2017, Tradução por Estátua de Sal)
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Nota: Este texto merece ser lido. Nele se tenta perceber quais as orientações da nova administração dos EUA, não em função da análise do carácter, da psicologia e dos discursos de Trump - que é apenas aquilo que os nossos comentadores sabem fazer e a maioria das pessoas sabe discutir, aderindo ou recusando -, mas sim em função dos profundos interesses e confrontos de ordem geopolítica e geoeconómica que se estão degladiar. Percam as ilusões aqueles que se ficam pela superfície das imagens e acham que Trump não passa de um pateta alegre, ou de um doido varrido. Mas ainda que ele o fosse, as gentes ocultas que o apoiam e comandam são tudo menos patetas ou alucinados. Tal como as gentes, também ocultas, que o atacam e que farão tudo para o destruir. Quem acha que a contenda principal é entre muros, piadas sexistas, misogenia e outros atributos de Trump, desengane-se. É pena que ainda tantos acreditem nisso.
Estátua de Sal, 23/01/2017

A era de Trump começa agora - com uma série de episódios plenos de suspense, ligados à geopolítica e à geoeconomia, iminentes e imprevisíveis.

Eu defendi que a estratégia de oposição do guru de Trump para a política externa, Henry Kissinger, ao poderoso trio de integração da Eurásia - Rússia, China e Irão - é uma mistura de dividir para reinar; seduzir a Rússia, afastando-a da sua parceria estratégica com a China, e acossar o elo mais fraco, o Irão.
Na verdade, é isso que está a acontecer - como se vê pelas ofensivas dos membros escolhidos para o gabinete de Trump durante suas audiências no Senado dos EUA. As fações dos EUA próximas do Think Tankland, defensores da política de Nixon para a China projetada por Kissinger, estão animadas com as possibilidades de contenção em relação a pelo menos um desses poderes "potencialmente virado contra a América." Kissinger e o Dr. Zbig "Grande Xadrez" Brzezinski são as duas principais autonomeadas sumidades ocidentais - mestres fantoches - que se disputam na área da geopolítica. Em oposição a Kissinger, o mentor da política externa de Obama, Brzezinski, fiel à sua russofobia, propôs uma lógica de dividir para reinar, apostada na sedução da China.
No entanto, um influente homem de negócios de Nova Iorque, muito próximo dos reais e discretos Mestres do Universo, que previu corretamente a vitória de Trump semanas antes do fato, depois de examinar o meu argumento ofereceu-me não só uma avaliação mordaz dessas queridas sumidades; ele dispôs-se a detalhar-me como a nova normalidade será estabelecida, tendo sido negociada pelos Mestres diretamente com Trump. Vamos designá-lo por "X".
A China em observação ininterrupta
"X" começa por dizer algo que aqueles que regularmente mantém ligações ao Deep State e que reverenciam os seus ídolos, nunca ousam dizer, pelo menos em público: "É importante não atribuir muita importância a Kissinger ou Brzezinski, pois eles são apenas fachadas para aqueles que tomam as decisões e o seu trabalho é recobrir e justificar as decisões com um refinamento de intelectualidade. O seu contributo não vale nada. Eu uso os nomes deles de vez em quando pois não posso usar os nomes daqueles que realmente tomam as decisões ". Está então aberto o caminho para" X " detalhar a nova normalidade:
"Trump foi eleito com o apoio dos Mestres para se inclinar para a Rússia. Os Mestres têm os seus instrumentos nos media e no Congresso mantendo uma campanha de difamação contra a Rússia, e têm o seu boneco Brzezinski também a pregar contra a Rússia, afirmando que ‘a influência global da América depende da cooperação com a China’. O objetivo é pressionar a Rússia para ela cooperar, colocando essas fichas negociais na mesa de Trump. Em termos de uma abordagem tradicional de polícia-bom, polícia-mau, Donald é retratado como o polícia bom querendo boas relações com a Rússia, sendo o Congresso, os media e Brzezinski os policias maus. Trata-se de ajudar Trump nas negociações com a Rússia supondo que Putin, à medida que for vendo o seu amigo numa posição mais ´precária´, estará disposto a fazer maiores concessões.”
E isso leva a explicar como é que Taiwan - e o Japão – entram em cena:
"Donald mostrou a sua inclinação para a Rússia conversando com os taiwaneses, de forma a demonstrar que a mudança é a sério. Mas foi decidido fazer entrar o Japão na peça como sendo um predador contra a indústria dos EUA, através de um ataque à Toyota, bem merecido. Isso moderou a nossa posição já que os Mestres recearam que a perceção de que estávamos a apoiar o Japão contra a China seria considerada uma provocação excessiva ".
Por isso, espera-se que a China - que "não tem demasiada importância", como afirmou Kissinger – seja mantida sob controlo ininterrupto:
"Os Mestres decidiram reindustrializar os Estados Unidos e querem trazer de volta os postos de trabalho da China. Isso é aconselhável do ponto de vista chinês; por que razões devem eles vender seu trabalho aos EUA por um dólar que não tem valor intrínseco, não recebendo realmente nada pelo seu trabalho. Cada trabalhador chinês deve ter um carro na sua garagem e a China deve tornar-se num produtor de carros maior do que a UE, EUA e Japão combinados, mantendo a sua riqueza no seu próprio país ".
E porquê a China e não a Rússia?
“A Rússia, no que toca a este tema, é um país com muitos recursos naturais, com um gigantesco complexo industrial militar (sendo este o único motivo pelo qual é secretamente respeitada), mas está fora destas difíceis negociações, pois quase não exporta nada além de recursos naturais e equipamentos militares. Os Mestres querem os empregos de volta do México e da Ásia, incluindo do Japão, de Taiwan, etc., e isso é já visível no ataque de Trump também ao Japão. A principal razão subjacente a esta estratégia é que os EUA perderam o controlo dos mares e não podem defender os seus destacamentos militares durante uma grande guerra. Esta é a realidade que interessa ter em conta no momento presente e esta é a verdadeira história que se desenrola nos bastidores. "
Em poucas palavras, "X" resume o conteúdo da reversão de um ciclo econômico:
"Os Mestres ganharam dinheiro com a transferência da indústria para a Ásia (A Bain Capital especializou-se nisso) e Wall Street ganhou dinheiro com taxas de juro mais baixas sobre os dólares reciclados dos défices comerciais. Mas agora, a questão é estratégica; eles ganharão dinheiro de novo com o regresso das indústrias que reduzirão os seus investimentos na Ásia devolvendo-os aos Estados Unidos, à medida que reconstruímos a produção aqui ".
" X " continua a ser um grande admirador da estratégia de negócios de Henry Ford, e esse é o ponto que ele vai usar para trazer à baila um tema crucial: a defesa nacional. De acordo com "X":
"Ford dobrou os salários que pagou e ganhou mais dinheiro do que qualquer outro fabricante. A razão é que um salário mínimo mais elevado que permitiu à mulher ter muitos filhos, dependendo só do salário do marido, foi psicologicamente bom para o aumento da produtividade nas suas fábricas de automóveis, além de que permitiu aos próprios trabalhadores comprar-lhe os seus carros. Desse modo ele reconheceu que numa sociedade deve haver uma mais justa distribuição da riqueza, coisa que o seu admirador, Steve Jobs, não pode fazer.
A produção em série e a produtividade de Henry foi a maravilha que fez os Estados Unidos ganharem a Segunda Guerra Mundial. A Amazon não contribui em nada para a defesa nacional, sendo apenas um serviço de marketing na Internet baseado em programas de computador, nem o Google que simplesmente organiza e fornece melhor os dados. Nada disso constrói um míssil ou um submarino melhor, exceto de modo marginal. "
É o Pentágono, estúpido
Então sim; tudo isto tem a ver com a reorganização do poder militar dos EUA. “X” fez questão de se referir a um relatório do CNAS (Centro para uma Nova Segurança Americana), que citei na minha coluna inicial:
"É muito importante o que se depreende do relatório. E é por isso que estamos em grande dificuldade por estarmos tecnologicamente atrás da Rússia em várias gerações de armamento, o que vem na sequência da afirmação de Brzezinski, que diz que já não somos uma potência global”.
Esta é uma análise completa e abrangente de como a Rússia conseguiu organizar as melhores forças armadas do mundo. E o relatório nem sequer leva ainda em conta o sistema de defesa de mísseis S-500, que agora está sendo ultimado e que, sem dúvida, vai fechar por completo a totalidade do espaço aéreo russo. E a próxima geração - S-600? - Será ainda mais poderosa. "X" aventura-se mesmo no território tabu do Deep State, referindo a forma como a Rússia, ao longo da última década, conseguiu posicionar-se muito à frente dos EUA, "eclipsando-o como o poder militar mais forte". Mas a vantagem deles no jogo deve estar perto do fim – seja isso desejo auto- realizável ou seja lá o que for:
“Esperamos que o Secretário de Defesa James Mattis entenda isso e que o Secretário Adjunto de Defesa tenha as competências técnicas, a capacidade organizacional e de previsão para entender que as armas da III Guerra Mundial são mísseis ofensivos e defensivos, e submarinos, e não poder aéreo, tanques e porta-aviões. "
Um realista, "X" admite que o status quo neoconservador / neoliberal - representado pela maioria das fações do Deep State dos EUA - nunca abandonará a postura padrão de hostilidade incessante em relação à Rússia. Mas ele prefere concentrar-se na mudança:
"Deixe Tillerson reorganizar o Departamento de Estado de acordo com a eficiência da Exxon. Ele pode ser válido nessa tarefa. Ele e Mattis podem parecer falhos de coragem mas se você disser a verdade ao Senado você nunca vai poder ser confirmado. Por isso, o que eles lá dizem não significa nada. Mas veja o que se passou no caso da Líbia. A CIA tinha um objetivo de empurrar a China para fora da África e por isso criou o AFRICOM (Comando dos EUA para a África). Esse foi um dos segredos da nossa intervenção na Líbia."
Não que tal tenha tido sucesso; A NATO / AFRICOM transformou a Líbia num terreno baldio dirigido por milícias, e a China ainda não foi afastada do resto da África.
"X" também admite: "A Síria e o Irão são linhas vermelhas para a Rússia. Assim como o é o leste da Ucrânia a partir do Dnieper. "
Está também plenamente consciente de que Moscovo não permitirá qualquer ameaça de mudança de regime em Teerão. E está também ciente de que "os investimentos da China no petróleo e no gás iraniano implicam que a China também não permitirá o derrube por Washington do governo iraniano".
As coisas vão tornar-se complicadas no que toca à NATO; "X" está convencido de que a Rússia: "invadirá a Roménia e a Polónia se os mísseis não forem retirados da Roménia e se o compromisso de aceitação de mísseis pela Polónia não for rescindido. A questão não são os mísseis defensivos não perigosos dos Estados Unidos, mas a possibilidade de os substituir por mísseis nucleares ofensivos nesses silos. A Rússia não tolerará esse risco. Esses mísseis não estarão sujeitos qualquer negociação. "
Em contraste com a "perpétua ameaça", contínua propaganda do Partido da Guerra dos Estados Unidos, Moscovo dá é atenção aos factos reais que ocorrem no terreno desde a década de 1990; a rutura do histórico aliado eslavo, a Sérvia; a anexação pela NATO das nações do Pacto de Varsóvia e até mesmo de ex-repúblicas da URSS, para não mencionar as tentativas de incluir também a Geórgia e a Ucrânia; o apoio e a organização, pelos EUA, de revoluções coloridas; o fiasco "Assad deve ir", na tentativa de mudança forçada do regime da Síria, incluindo inclusive o armamento de Salafi-jihadis; as sanções económicas, a guerra de preços do petróleo e os ataques ao rublo; o continuado assédio da NATO. "X", plenamente consciente destes factos, acrescenta:
"A Rússia sempre quis a paz. Mas eles não vão jogar um jogo com os Mestres do Universo que apresentam Trump como o tipo bom e o Congresso, CIA, etc., como o tipo mau, usando tal cenário como um estratagema de negociação. É assim que eles veem a situação. Eles não acham que este circo seja real. "
O circo pode ser apenas uma ilusão. Ou uma wayang – uma espécie de teatro de fantoches indonésio - como eu já sugeri. "X" avança uma interpretação nítida deste jogo de sombras do ponto de vista de Moscovo, admitindo que "vão ser necessários vários meses para ver se Putin pode aceitar negociar um desanuviamento com Trump que essencialmente passará por uma Ucrânia oriental autónoma, um tratado de paz na Síria com Assad no lugar, e uma retirada das forças da NATO, regressando esta à linha de defesa que existia no tempo de Ronald Reagan. "
Quem prevalecerá; Os Mestres, ou o Deep State? Prepare-se para a colisão.
 
Ovar, 23 de janeiro de 2017
Álvaro Teixeira

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A caminho do ‘impeachment’?

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A caminho do ‘impeachment’?

Ricardo Leite Pinto, Professor Universitário e Advogado

 

Trump beneficiará direta ou indiretamente, através das suas empresas, das decisões tomadas diariamente pelos governos de outros Estados e seus agentes. O interesse nacional vacilará, a História tem-nos dito, perante o lucro privado.

Amanhã, quando Donald Trump jurar cumprir e fazer cumprir a Constituição dos EUA, cometerá  uma violação – e de particular gravidade – dessa mesma Constituição. Quem o afirma é o Professor Laurence H. Tribe, provavelmente o mais famoso e qualificado constitucionalista norte-americano. O artigo I, secção 9 da Constituição norte-americana consagra a chamada “Emoluments Clause”, ou seja,  a regra segundo a qual nenhum político ou funcionário público poderá aceitar presentes, emolumentos, títulos ou valores de qualquer Rei, Príncipe ou Estado estrangeiro. “Emoluments” significa compensação por serviços ou trabalho.

Como todas as normas previstas na lei fundamental americana, velha de 230 anos, também esta tem uma história.  O caso é que Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos EUA, após regressar de França, onde foi Embaixador da Confederação, trazia uma singular prenda do Rei Luís XVI: o retrato deste último acompanhado de uma caixa de rapé cravejada de diamantes. Quando chegou perguntou ao Congresso se poderia ficar com o presente. A partir deste episódio (e de outros similares) o tema ficou e os constituintes entenderam melhor consagrar uma norma que resolvesse o assunto, mas com alcance mais amplo.

Não há qualquer precedente judicial na matéria. Ou seja, até hoje nenhum Presidente se aproximou sequer da “Emoluments Clause”, tal a natureza tóxica da questão. Recorde-se que o Presidente Obama  tratou de saber se a compensação económica que recebeu por ter sido Nobel da Paz ofendia alguma norma constitucional. Embora a resposta tenha sido negativa acabou por doar o prémio pecuniário a uma organização  de solidariedade.

Ainda que Trump tenha aparentemente tentado resolver a questão financeira relativamente às múltiplas empresas de que é dono ou sócio maioritário, os comentadores são unânimes em dizer que nada disso resolve o problema das incompatibilidades e a permanente tentação do interesse privado se sobrepor ao interesse público. Trump beneficiará directa ou indirectamente, através das suas empresas, das decisões tomadas diariamente pelos governos de outros Estados e seus agentes. E, nesses casos, o interesse nacional vacilará, a História tem-nos dito, perante o lucro privado.

A imprensa dá-se conta de algumas situações que ocorreram e ainda Trump não tomou posse. A semana passada, antes do muito polémico telefonema ao presidente de Taiwan, soube-se que um representante da Trump Organizations chegou a Taiwan com vista a tratar de investimentos em hotéis de luxo. É público que os negócios de Trump são devedores de milhões ao Deutsche Bank, o mesmo banco que negoceia com o Departamento de Justiça norte-americano investimentos em imobiliário na ordem de outros tantos milhões. Outro exemplo ainda, mais prosaico: após a eleição de Trump, a Embaixada do Bahrain mudou a celebração do dia nacional do país para o Trump Hotel em Washington.

Estou convencido que casos destes se multiplicarão simplesmente porque não há forma de evitar que tal aconteça. Laurence Tribe defendia, com estes mesmos fundamentos, que os grandes eleitores deveriam ter recusado a eleição de Trump. Tal não aconteceu. Será que mais ano menos anos teremos processo de impeachment.

 

Fonte: Jornal Económico

 

Ovar, 19 de janeiro de 2017

Álvaro Teixeira

Amanhã começa o fim do (nosso) mundo

 

Henrique Monteiro

Por Henrique Monteiro

Redator Principal

 

19 de Janeiro de 2017

 

Amanhã começa o fim do (nosso) mundo

Expresso Curto

E pronto, é já amanhã ao meio dia de Washington, cinco da tarde de Lisboa, que Donald J. Trump toma posse, jurando cumprir a Constituição dos Estados Unidos da América (aquela que começa por “Nós, o povo…”) perante o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A fórmula, que a maioria dos presidentes terminaram com a expressão “So help me God” (Assim Deus me ajude), deveria terminar, neste caso, com “So help us God” (Assim Deus nos ajude). É um pequeno contributo do escriba para o verdadeiro sentimento de certas tomadas de posse.
Não digo que o mundo acabe, nem que comece outro. Mas há qualquer coisa na cerimónia de amanhã muito marcante, capaz de alterar o ecossistema em que nos habituámos a viver. Não é um homem qualquer que sobe ao mais elevado posto dos EUA e do planeta. E a sua singularidade é, aos olhos de muita gente negativa. Nunca, nos últimos largos anos, um presidente começou um mandato com índices tão baixos de popularidade.
O discurso já está feito. Quem o afirma é o próprio Trump num dos 33 500 twitts que já enviou aos seus 20,3 milhões de seguidores. Foi escrito há três semanas em Mar-a-Lago. O que considera serem "As oito promessas de Trump que ameaçam mudar o mundo" é o maior destaque no 'Público'. E quais são elas? Bem, é quase tudo - do comércio, à armas, passando pela China, o Médio-Oriente, o Irão, os refugiados e o consenso sobre as alterações climáticas.
A administração de Obama escreveu 275 memorandos (cerca de mil páginas ao todo), destinados ao presidente eleito, com material classificado, que vai desde o tema nuclear na Coreia do Norte, aos conflitos no Mar da China, passando pela campanha contra o Daesh. Mas não sabe se alguém do lado de Trump os leu. Ninguém acusou a receção. O mesmo não se pode dizer da última conferência de imprensa do ainda Presidente, ontem à hora do jantar em Portugal: foi bem recebida, sobretudo a parte em que pediu aos jornalistas para serem céticos e não servis.O balanço que fez do seu mandato foi positivo, mas não seria de esperar outra coisa. A despedida do Presidente é o que o 'Diário de Notícias' chama para assunto principal.
Já o discurso da ‘inauguration’, ou tomada de posse, de Trump é aguardado com ansiedade, embora Jurek Martin lembre, no ‘Financial Times’ que a maioria não foram memoráveis. Recorda apenas as frases de Roosevelt, em 1933, plena recessão – “A única coisa que temos de recear é o próprio medo” – e de Kennedy em 1961, em plena ‘Guerra Fria’ – “Não perguntem o que o vosso país pode fazer por vós, mas sim o que podem fazer pelo vosso país”.

 

Ovar, 19 de janeiro de 2017

Álvaro Teixeira

 

 
 
 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O Ocidente à deriva

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O Ocidente à deriva

João Pedro Dias, Investigador em Assuntos Europeus

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A parte do mundo em que nos inserimos, o Ocidente, parece reunir todas as características para conhecer a tempestade perfeita que muitos antecipam.

Dentro de dois dias toma posse o próximo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Se a sua eleição constituiu surpresa de monta para a maioria dos analistas e observadores que se fiaram em sondagens e estudos eleitorais, já em relação às expectativas que o seu mandato suscita voltamos a encontrar uma rara unanimidade que avisa e adverte para o completo “inconseguimento” do mesmo, sujeito a uma falta de políticas conhecidas e coerentes, a uma errância que não pode deixar de preocupar e assustar, submetida sobretudo aos impulsos e humores do seu principal intérprete – mais do que a qualquer linha programática conhecida, articulada e sistematizada.

Basta, de resto, acompanhar as audições em sede do Congresso norte-americano e escutar com atenção o que tem sido dito pelos principais membros do futuro gabinete de Trump para nos apercebermos das contradições que por ali vagueiam, das faltas de sintonia entre responsáveis futuros pela defesa e pela política externa. Ou, então, estarmos atentos às querelas verbais entre o futuro ocupante da Sala Oval e as direções das principais agências federais de defesa e segurança, que Trump tem desacreditado e sistematicamente posto em causa. São apenas episódios esparsos, mas que servem para nos demonstrar, à evidência e à saciedade, o ponto crítico a que chegou uma administração que, ainda não o sendo, parece já ter sido.

Surgem-nos estes factos, sumariamente elencados, num quadro em que a potência liderante e sobrante do antigo Ocidente de Estados atravessa a sua maior crise de credibilidade desde, seguramente, o final da Segunda Guerra mundial – crise essa que se encontra em processo de contágio e expansão, parecendo alargar-se às mais diversas coordenadas desse outrora chamado Ocidente, a ponto de não sabermos, e ficarmos na dúvida, se este conceito de Ocidente ainda é um conceito operativo útil que corresponde a alguma realidade substantiva ou se, pelo contrário, é apenas e só uma reminiscência de um passado não distante que se continua a utilizar à falta de melhor definição.

Continuar a ler

A forma como se processou a transição entre as administrações norte-americanas é o exemplo acabado da crise em que os EUA se encontram mergulhados, a que se deve somar o questionamento público por parte do novo Presidente da utilidade da Aliança Atlântica, que congregava parte significativa dos aliados americanos, que foi durante mais de 50 anos um farol de esperança e de liberdade para o mundo e que venceu a Guerra Fria incorporando parte significativa dos valores e do legado histórico desse mesmo Ocidente.

Hoje em dia, todos esses factos, todas essas realidades que tínhamos como dados adquiridos, parecem estar sob escrutínio permanente e na mira dos que mais obrigação tinham de os defender e preservar. Ao questionar esse edifício institucional, que não passa apenas pela Aliança Atlântica mas deve, entre outras, englobar a própria União Europeia, também ela aparentemente em acelerado processo de desagregação, o Ocidente que nos habituámos a considerar e de que, enquanto povo e nação, fomos dos que ajudámos a formar e a definir em termos de valores humanistas e personalistas, perfila-se como estando à deriva, sem bússola e sem norte, com os seus principais expoentes envoltos em crise que lhes retira, cada vez mais, a possibilidade de serem úteis e ativos neste mundo globalizado e de grandes espaços. A ponto de, entre a literatura mais recente, não faltar quem se interrogue sobre se esse mesmo Ocidente ainda existe ou, dito de outro modo, se ainda faz sentido falar em Ocidente.

Com os EUA na situação anómala que se conhece, o Reino Unido a distanciar-se das suas solidariedades europeias, os nacionalismos e os populismos extremistas a proclamarem que devem ser mais os Estados a abandonar o projeto europeu, com a Aliança Atlântica a ser declarada obsoleta pelo Presidente dos EUA, a Rússia de Putin a recordar hábitos e princípios da “grande mãe Rússia”, reforçando o seu poder e a sua esfera de influência, e os EUA liderados por um pirómano sem experiência política ou de governação pública – a parte do mundo em que nos inserimos parece reunir todas as características para conhecer a tempestade perfeita que muitos antecipam. No mínimo, o Ocidente anda à deriva e em busca de rumo. Que parece difícil de encontrar.

Post-scriptum. Theresa May: um perfeito case study! Fez campanha pelo “remain” no referendo britânico sobre a saída da UE. Apesar disso aceitou a incumbência de liderar o governo britânico encarregado da mais complexa tarefa política dos últimos anos: retirar o Reino da União. Como se não bastasse, podendo escolher a via da separação que lhe aprouvesse, optou pelo chamado “hard brexit”. Quer cortar todos os laços do Reino com a União, incluindo a pertença ao mercado único e a livre circulação de pessoas. O que, além de reforçar a incoerência, vai tornar o processo de separação muito mais doloroso, longo e moroso para ambas as partes. Uma particularidade não pode deixar de ser referida: este anúncio surge precisamente um dia após o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, o inenarrável Boris Johnson, ter declarado, em Bruxelas, que via com muito bons olhos o reforço da parceria económica e comercial entre Londres e a administração Trump. Em política internacional não há coincidências. E se o que tivermos pela frente for uma parceria entre Trump e Johnson, as razões para estarmos tranquilos são nenhumas.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Até sempre, Dr. Mário Soares

Portugal perdeu hoje o pai da Liberdade e da Democracia, a personalidade e o rosto que os portugueses mais identificam com o regime nascido a 25 de Abril de 1974, “O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio”, de que falava a sua amiga Sophia e pelo qual tanto se bateu Mário Soares ao longo de toda a sua vida. Combate que o moveu até ao fim. Com o seu desaparecimento, o Partido Socialista acaba de sofrer a maior das perdas imagináveis, a sua maior referência, o fundador e militante nº1, figura maior e indelével do socialismo democrático português e europeu, Mário Alberto Nobre Lopes Soares. O nosso muito querido camarada Mário Soares. Este é um momento de profunda dor para todos os socialistas, que sabemos partilhada por tantos e tantos portugueses, que reconhecem em Mário Soares uma figura maior da nossa Democracia.

Sobre todos e sobre cada um dos socialistas portugueses fica a imensa responsabilidade de saber estar permanentemente à altura do legado deste gigante do socialismo democrático, da Democracia e da Liberdade. Mário Soares continuará a ser uma referência incontornável, um exemplo e um motivo de orgulho para todos nós. É sentidamente que o dizemos, num momento tão difícil como este: Mário Soares estará connosco para sempre.

Antes e depois do 25 de Abril, na resistência à ditadura e a todas as tentativas totalitárias, e até ao fim da sua vida, Mário Soares foi sempre um incansável combatente pela Liberdade e pela Democracia em Portugal, a sua voz mais reconhecível e reconhecida dentro e fora do nosso país, como ficou demonstrado em variadíssimas ocasiões.

Histórico líder do Partido Socialista, ainda que a proibição de sair do país imposta pela ditadura não lhe tenha permitido estar presente no ato fundador na Alemanha, em 1973, Soares (que delegou o seu voto em Maria Barroso, sua mulher) foi sempre a figura referencial do Partido, tendo sido seu secretário-geral até 1985, quando decide candidatar-se à Presidência da República, o zénite da sua intervenção política iniciada ainda na década de 40 do século passado.

Das candidaturas presidenciais de Norton de Matos e Humberto Delgado, onde foi figura ativa, à defesa de presos políticos nos tristemente célebres tribunais plenários e nas mais diversas modalidades da oposição democrática, Soares foi sempre um adversário temido e temível pelo salazarismo e marcelismo, o que lhe custou a prisão, a deportação para São Tomé e, mais tarde, o exílio em França, entre 1970 e Abril de 1974. Logo depois do 25 de Abril, embarcou no primeiro comboio com destino a Lisboa, que ficou conhecido como o Comboio da Liberdade, que chegou à capital portuguesa no dia 28 de Abril, sendo um dos primeiros exilados políticos a regressar a Portugal, na sequência da conquista da Liberdade.

Ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Provisório, Mário Soares protagonizou ao longo do período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril várias batalhas contra todas as tentativas totalitárias, constituindo-se, novamente, no maior garante da Democracia recém- adquirida, peça essencial no seu reconhecimento internacional.

Levou o Partido Socialista a grandes vitórias nas eleições para a Assembleia Constituinte e, depois da aprovação da Constituição, em Abril, nas primeiras eleições legislativas, em 1976. Mário Soares viria a ser o primeiro-ministro dos dois primeiros Governos constitucionais e voltaria a sê-lo no IX Governo, entre 1983 e 1985.

É a Mário Soares que se deve também a afirmação da vocação europeia de Portugal. Foi dele o impulso para o pedido de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, formalizado em 1977, e viria a ser ele a assinar a adesão na manhã do dia 12 de Julho de 1985, numa cerimónia no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.

Mas se muitos pensavam que com o final do seu segundo mandato presidencial terminaria a sua carreira política, esse facto viria a ser desmentido pela natureza indomável de puro “animal político” que sempre o caracterizou. Em 1999, voltaria a ganhar umas eleições, como cabeça de lista do PS às eleições europeias desse ano, tendo exercido o seu mandato como deputado europeu. Em 2005, com 80 anos, Mário Soares voltaria a ser candidato à Presidência da República, não tendo conseguido a eleição. Mas continuou a manter uma permanente atenção e reflexão sobre a política portuguesa e mundial, traduzida em tomadas de posição e em várias ações, que lhe valeram ainda em 2013 ser considerado pela Associação da Imprensa Estrangeira radicada no nosso país a personalidade do ano em Portugal.

Mário Soares é uma figura ímpar e inesquecível da História de Portugal, um combatente pela conquista da Liberdade e pela consolidação da Democracia.

À sua família, em particular aos seus filhos João e Isabel e aos seus netos, e a todos os seus muitos amigos e camaradas, o Partido Socialista apresenta os mais sentidos votos de pesar, neste momento tão difícil que todos partilhamos.

“E livres habitamos a substância do tempo”.

Até sempre, Mário Soares.

Lisboa, 7 de janeiro de 2017

Livro de Condolências

Está presente no Largo do Rato um livro de condolências para quem quiser assinar durante os próximos dias. O Largo do Rato estará aberto (também) domingo, dia 8 de janeiro. O Largo do Rato estará aberto entre as 10:00 e as 19:00

 

Ovar, 8 de Janeiro de 2017

Álvaro Teixeira