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domingo, 19 de fevereiro de 2017

A mão por detrás dos arbustos

por estatuadesal

(José Sócrates, in Diário de Notícias, 18/02/2017)
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No livro lançado na quinta-feira sobre os seus anos em Belém, Cavaco Silva não poupou nas palavras sobre a governação de José Sócrates, com quem coabitou de 2006 a 2011. Depois de o DN pedir uma reação do antigo primeiro-ministro à obra de Cavaco Silva, Sócrates respondeu com um texto de opinião que publicamos nesta página.

Nunca um presidente ou primeiro-ministro relatou as conversas tidas entre ambos enquanto exerceram funções. Há boas razões para isso, que vão da boa educação até ao necessário sentido de Estado. A avaliar pelos relatos públicos e bem vistas as coisas, o livro agora publicado é um autorretrato perfeito das consequências que o ressentimento pode ter no carácter de um político.
Não desejo, nem nunca me ocorreu, seguir caminho tão indigno. Já no passado tive de suportar a indecente campanha de um partido da oposição contra mim, atacando-me por não ter falado com o seu líder, quando na verdade tivera com ele numa longa reunião. Fi-lo pelo escrúpulo de não revelar conversas que estava comprometido a não a divulgar.
Ponho de lado as vulgares opiniões políticas expressas no livro pelo autor, que aliás, sempre me enfastiaram. Ponho igualmente de lado outras conversas, na sua maioria distorcidas e falsas, que não passam de vulgar exercício de mesquinhez disfarçado de relato histórico. Mas não posso pôr de lado, pela sua importância e pelo que tem de paradigmático, o inacreditável relato que faz do chamado "episódio das escutas", sem outro propósito que não seja o de distorcer e falsear a verdade histórica.
Houve, é certo, uma reunião no dia 16 de setembro de 2009, que recordo muito bem. Como poderia esquece-la? Nessa reunião exprimi ao então Presidente o meu protesto por não ter visto desmentida uma grave acusação de escutas que o meu gabinete teria feito ao Palácio de Belém e que o Presidente sabia ser falsa. O Presidente respondeu-me, como aliás faria noutras ocasiões, que não interromperia as suas férias para responder aos deputados do meu partido que tinham criticado a participação de membros da casa civil do Presidente na elaboração do programa de governo do PSD. Retorqui, como é óbvio, que não percebia a ligação entre os dois assuntos. Lembrei também que os senhores deputados "não eram do meu partido", mas deputados à Assembleia da República, membros de um órgão de soberania, e que só eles poderiam responder por eles, não eu. Insisti no assunto: a notícia das escutas era pessoalmente ofensiva e, estando o país em campanha eleitoral, tinha provocado sérios prejuízos ao Partido Socialista, podendo ter sido evitados se o Sr. Presidente da República a tivesse desmentido. Agastado, o Sr. Presidente entendeu lembrar-me que eu estava a falar com o Presidente de República. Respondi que nunca me esquecia disso, mas que estava ali a falar-lhe como primeiro-ministro, eleito democraticamente e contra o qual se tinha lançado uma falsa e maldosa campanha para que perdesse as eleições. A conversa ficou por aí.
Uns dias mais tarde soube-se a verdade. A publicação de um e-mail permitiu saber que tais notícias tinham sido transmitidas a um jornalista pelo principal assessor de imprensa do Sr. Presidente da República. Estava identificado o executante. Mais tarde, quando este publica as memórias, denuncia o mandante: "Recebi uma indicação superior para o fazer" (pag. 146 do livro de Fernando Lima). Tudo isto é conhecido e está comprovado. Custa acreditar na perfídia que a recente versão do livro contém: afinal, as notícias sobre as escutas teriam sido intencionalmente colocadas na imprensa pela "tenebrosa máquina de propaganda do PS" para, claro está, afetar a credibilidade do Sr. Presidente.
Por mais desprezo que sinta - e sinto - por tal estilo e por tal literatura, não posso consentir que tal deturpação da verdade fique sem resposta. O que se passou foi, tão simplesmente, isto: pela primeira vez na história democrática do país ficou provado que um Presidente concebeu e executou uma conjura baseada numa história falsa, por forma a deitar abaixo um governo legítimo em funções.
Pela sua importância, não devo também deixar de fazer um último comentário. Todos os que acompanharam a vida política na altura da crise política sabem bem que a única preocupação do Sr. Presidente era aquela que revelou na noite da sua reeleição: vingança e desforra. O seu discurso de posse foi o sinal de que a direita precisava para atirar o governo abaixo e provocar eleições. Na Assembleia da República, e pela primeira vez na história democrática, chumbou-se um acordo e um compromisso com as instituições europeias que um governo legítimo tinha conseguido para que o país não fosse forçado a pedir ajuda externa. O Presidente da República de então não tem moral para dar lições de lealdade institucional. Na crise política de 2011, ele sempre foi a mão por detrás dos arbustos.
E por aqui me fico, por agora.
PS: Nunca tinha visto uma transmutação de personagens tão estrambólica: "As reuniões com Soares eram sonolentas." O livro não é uma prestação de contas, mas um ajuste de contas.
 
Ovar, 19 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira


sábado, 18 de fevereiro de 2017

A propósito de mentiras

 

(In Blog O Jumento, 17/02/2017)
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A mentira está na ordem do dia. A direita vê petas em todas as esquinas. Mas esquece que o record do mundo da modalidade ainda não foi batido e vai continuar de pé, acredito que por largas décadas ainda. Pertence ao atleta Passos Coelho que o conquistou com grande gabarito e mérito. Aqui deixo alguns exemplos do alto nível que este português distinto conseguiu alcançar medalhas, levando o nome de Portugal aos quatro cantos do mundo.
Estátua de Sal, 17/02/2017

Compreende-se que Passos Coelho evite expor-se neste debate da CGD, não só está promovendo uma guerra suja e quer poupar a sua imagem, como sabe que em matéria de mentiras é um campeão na história da democracia portuguesa. Enganou tudo e todos, mentiu ao parlamento, enganou os portugueses, mentiu aos militantes do seu próprio partido. Passos tentou impor uma revolução económica digna de Pinochet sem que nenhuma das suas medidas constasse de qualquer proposta eleitoral.
Mas o grande campeão da mentira foi Passos Coelho. Aqui ficam apenas algumas das suas muitas mentiras, uma recolha que se refere apenas aos s«primeiros meses do seu governo, não consta aqui a promessa feita na campanha eleitoral de que as receitas fiscais estavam a correr tão bem que os idiotas iam receber um reembolso de uma parte significativa da sobretaxa do IRS.
1. "A haver algum ajustamento fiscal será nos impostos sobre o consumo" (Bruxelas, 24-03-2011) [Expresso]
2. "Em Miranda do Corvo, Pedro Passos Coelho admitiu que a população local «ficou a ver comboios» e prometeu que o «comboio vai voltar», muito embora tenha lembrado que «não há condições para nos comprometermos nesta fase com esta obra»."(Miranda do Corvo 31-05-2011) [TSF] O pessoal de Miranda do Corvo já anda de comboio?
3. "O PSD chumbou o PEC 4 porque tem de se dizer basta: a austeridade não pode incidir sempre no aumento de impostos e no corte de rendimento." [Twitter] [DN]
4. Perguntou a estudante: "Vai tirar os subsídios de férias aos nossos pais?", respondeu Passos Coelho: "Eu nunca ouvi falar disso no PSD. Eu já ouvi o primeiro-ministro dizer, infelizmente, que o PSD quer acabar com muitas coisas e também com o 13.º mês, mas nós nunca falámos disso e isso é um disparate" e acrescentou: "isso é um disparate" (Vila Franca de Xira81-04-2011) [TVI24]
5. "Já ouvi o primeiro-ministro dizer que o PSD quer acabar com o 13.º mês, mas nós nunca falámos disso e é um disparate." [Twitter][DN]
6. "Nós calculámos e estimámos e eu posso garantir-vos: Não será necessário em Portugal cortar mais salários nem despedir gente para poder cumprir um programa de saneamento financeiro" (30-04-2011) [JN]
7. "Quando digo que estou preparado para construir um Governo com não mais do que 10 ministros, falo evidentemente da possibilidade do PSD ter uma maioria absoluta e poder responder por esse resultado" [CM]
8. "Aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos." Promessa feita no Facebook. Cumpriu?
9. "Nas despesas correntes do Estado, há 10% a 15% de despesas que podem ser reduzidas.".  [Twitter][DN]. Cortou?
10. "Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português.". Quantos mandou para a mobilidade com vista ao despedimento?
11. "Se vier a ser necessário algum ajustamento fiscal, será canalizado para o consumo e não para o rendimento das pessoas." [Twitter][DN]
12. "Queremos transferir parte dos sacrifícios que se exigem às famílias e às empresas para o Estado." [Twitter][DN]
13. ""Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam. Se as coisas não estiverem bem temos que dizer que os que têm mais terão que ajudar os que têm menos em Portugal" (Oliveira de Azeméis 1-07-2011) [Público]
14. «Passos Coelho prometeu até final deste mês apresentar “um programa ambicioso” que passará por “acabar com institutos públicos fundações”, aquilo a que se chama a “gordura do Estado”. O plano de acção, garantiu, “até final de Outubro estará em grande medida concretizado”.» (Festa do pontal, 15-08-2011) [Público]. Alguém viu o famoso plano ambicioso?
15. A cereja em cima do bolo das mentiras de Passos Coelho foi a famosa fraude eleitoralista conhecida por reembolso da sobretaxa. Recordemos o que o traste de Massamá dizia:
"Reiterando que não se trata de um “anúncio” sobre a devolução da sobretaxa, Passos Coelho lembrou que todos os meses as pessoas podem fazer uma simulação de quanto vão receber no próximo ano. “O mês passado apontava para 25%, este mês para 35,7%, mas não é um valor fechado. Não é uma promessa, não é um anúncio para as eleições. A minha expectativa dada a evolução é ter fechado até ao final do ano um valor de devolução muito significativo”, afirmou." [Público]
Pois, não só se limitou a reembolsar um corno e a ponta do outro como foi o Centeno que teve que suportar os custos das fraudes na contabilização das receitas fiscais promovidas por Passos. Aliás, umas das razões que levavam Passos a ter esperança num segundo resgate estava nas vigarices fiscais que fez.
Nenhuma destas mentiras justificariam a demissão, isso apesar de o próprio ter em tempos escrito no Twitter que "Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?". Mas o mentiroso Passos Coelho nunca mentiu aos deputados de uma Comissão parlamentar e, como se sabe, uma coisa é mentir aos idiotas dos portugueses e outra, bem mais grave, é mentir a essas sumidades "parlamentícias".
Só é pena que Lobo Xavier não tenha tido acesso aos SMS trocados entre Portas e Durão a propósito dos submarinos, entre Portas e Passos acerca da irrevogabilidade da sua demissão, entre Maria Luís e Carlos Costa sobre a contratação de Sérgio Monteiro para caixeiro-viajante, ou entre a Maria Luís e Passos Coelho a propósito dos seus negócios com swaps.
Já que estamos em tempos de voyeurismo tenho de confessar que tenho gostos bem diferentes dos de Lobo Xavier, não aprecio os SMS entre gajos com barba. Mas , enfim, cada um tem as suas preferências em matéria de curiosidade mórbida.
 
Ovar, 18 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O último pote

 

(In Blog O Jumento, 16/02/2017)
um-artista    Um verdadeiro artista
A crer naquilo que se vai ouvindo a propósito do folhetim Domingues este senhor foi traído por um malandro chamado Centeno (o que se poderia esperar de um mafarrico com um apelido espanhol que em português é centeio? É óbvio que se teria de ouvir muito burro a zurrar com cheiro a palha) prometeu-lhe uma CGD com ordenados e prémios iguais ao do sector privado e sem ter de suportar a curiosidade da populaça, com vícios delegados em jornalistas do CM ou do Sol.
Vendo o seu amigo traído, surge um bom cristão, um tal Lobo Xavier que aparece sempre que cheira a palha, personalidade que como todos sabemos anda neste mundo movido pelo desejo de fazer as boas acções necessárias para ter pontos suficientes no seu cartão de cliente do Céu, a fim de poder abrir as portas do dito, dispensado de terços e penitências e outros bilhetes.
Toda a gente sabe que Lobo Xavier é o cristão mais franciscano que anda acima da terra, homem  despojado de riquezas e mais isolado dos vícios do mundo do que os monges da Cartuxa.
Os nossos deputados, gente que cada vez que dizem uma mentirita a primeira coisa que fazem quando chegam a casa é apertar as partes íntimas com o cilício devidamente certificado e desinfectado, estão indignados com a hipótese de o mafarrico espanhol ter dito uma mentira dentro desse santuário da verdade que é o nosso parlamento. Num hemiciclo onde metade das intervenções resultam de pedidos da palavra em nome da defesa da honra, o pecado da mentira é um pecado mortal, e não admira a reacção digna de meretrizes ofendidas a que temos assistido.
Não, o Domingues e os seus amigos, gente que como se sabe pertence a essa nobre estirpe de banqueiros portugueses, verdadeiros exemplos de honestidade e competência, como se pode ver pela situação brilhante em que estão todos os bancos portugueses ou que o eram em tempos mais recuados, não iam gerir a CGD para ganharem prémios chorudos, como fizeram muitos gestores da nossa impoluta banca. Iam servir o país e como gestores franciscanos e só se sentiam obrigados a prestar contas a Deus porque só a isso está obrigado um bom cristão.
Não, o Lobo Xavier não tem o mais pequeno interesse nos muitos milhões da CGD, nem ele nem os muitos interesses que representa teriam interesse nos créditos, na litigância, nos PER ou nos muitos negócios da CGD. A sua presença no processo foi apenas para divulgar os emails e os SMS privados do Centeno, às mijinhas, porque o seu amigo Domingues é muito envergonhado e não se sente à vontade com jornalistas e políticos da direita, até porque o pobre banqueiro começou a sua escolinha no MRPP.
Não, os muitos milhões da CGD seriam um fardo para qualquer um, um trabalho muito penoso. A má cobrança de muitos milhões em dívida e os muitos milhões disponíveis para muitos créditos não interessavam a ninguém. A própria presença de Lobo Xavier e de muitos dos deputados esganiçados da direita são a maior garantia de que qualquer relação entre aquilo que se passa e a vontade de ir ao pote é pura coincidência.
Enfim, por este andar até me vou tornar um devoto do Paulo Macedo, comecei por defender esse Domingues e dou comigo a sentir-me na obrigação de uma pesada penitência, dando graças a Deus por terem metido o Macedo na CGD; ou estou muito enganado ou com essa mudança salvei o que me resta dos subsídios de férias e de Natal.
 
Ovar, 17 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Uma Primavera americana?

 

(António Gil, in Facebook, 13/02/2017)
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Segundo algumas opiniões que vou lendo, os EUA correm o risco de uma guerra civil.
Segundo outras opiniões, essa guerra civil já começou e mantém-se ainda a níveis de baixa intensidade: carros incendiados, montras partidas, confrontos nas ruas. (nada que chegue aos nossos queridos jornais, mas que são reportados numa base diária, em várias cidades).
A falha tectónica que atravessa os EUA enquanto realidade política é geral. Os dois partidos principais rachados a meio. No PD, entre sanderistas e hillaristas, no PR entre trumpistas e anti trumpistas.
Entre as multinacionais, há também interesses divergentes: o «big oil» quer um entendimento com a Rússia, para poder explorar seus enormes recursos na Sibéria. As guerras não os entusiasmam: imaginem então no Médio Oriente, por onde passam todos os petroleiros. Uma chatice.
Os jornais e TVs querem guerras e portanto a diabolização da Rússia: parece que os cidadãos consomem mais (e logo os anunciantes televisivos pagam mais) quando se mostram imagens como as que CNN mostrou de uma cidade lá longe, submetida a uma chuva de misseis, em directo.
No caso dos jornais idem: o café da manhã deve saber melhor a muitos se lerem as crónicas reportagens dos jornalistas «embedded» nas colunas militares. Um pouco como a nós, cidadãos pacíficos deste lado, nos sabe melhor ficar na cama com o ruído da chuva caindo lá fora. :(
Mc Donalds, Coca Cola etc, não gostam de países que os correram de seus mercados. Gostam portanto da guerra como medida punitiva contra esses estados (how do they dare?), mas se tal destabilizar toda uma região, incluindo países mais amigáveis, fica mau para o negócio. Guerra sim, portanto, mas só um bocadinho.
O aparelho militar industrial, o mais luxuoso do planeta e um sorvedouro de dinheiros públicos, precisa de guerras, claro. De preferência porém se outros países as assumirem: é melhor vendê-las do que usá-las em proveito próprio. Parece que nesta última situação, até os aliados têm relutância em pagar por «fogo de artifício» que não encomendaram.
O exército está dividido também: guerras sim, até porque elas justificam a existência da «classe guerreira». Mas de preferência atirar «pedras» (das explosivas) de longe. Pôr os «boys» no terreno já não os entusiasma desde o Iraque: é chato, pá, voltam em caixões, os seus camaradas de armas e famílias levam isso a mal.E mesmo os soldados que se safam, depois da merda que viram, ficam traumatizados. E engrossam o nº dos niilistas, sem abrigo ou pior ainda: tornam-se em perigosos pacifistas militantes, o que enfraquece a nação.
Querem saber a minha opinião? os EUA arriscam-se a não viver - unidos, quero dizer - os tais dez anos que Bannon previu para uma inevitável guerra com a China. Porque os sinais de desunião estão aí todos, com todo o seu potencial conflituoso.
Depois das primaveras árabes, talvez tenhamos em breve uma primavera americana que mais parecerá um inverno. Ou um inferno. Quem semeia tempestades no deserto, arrisca-se a colher sismos nas cidades.

estatuadesal | Fevereiro 14, 2017
 
Álvaro Teixeira
 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Ao mau cagador até as calças empatam

 

 

(In Blog O Jumento, 08/02/2017)

cagador

Para conseguir défices bem acima dos 3% a direita inventava desvios colossais para justificar cortes de vencimentos e de pensões, acusava o povo de consumir acima das possibilidades, difamava o país sugerindo que por cá erramos, mais gandulos dos que os outros, cortavam-se férias e feriados, fazia-se de tudo.

As escolas tinham salas empanturradas de alunos para poupar nos professores, morria-se à porta das urgências, os pilares de uma futura ponte perto de Ferreira do Alentejo foram convertidos em postes para ninhos de cegonhas, o Metro deixou de renovar a sua frota, todas as obras pararam. Não havia dinheiro para nada, criou-se um ambiente de terror, não se sabia quanto se iria receber de ordenado no mês seguinte. Não gastar um tostão era símbolo de rigor, competência e amor à nação.

A direita que sempre se afirmou com o dom da competência e do rigor orçamental apostou no falhanço de António Costa, deixou armadilhas montadas nas receitas fiscais, recusou-se a dar contributos para o OE e os seus deputados recebiam o ordenado para roçar o cu no veludo das cadeiras parlamentares, apelaram à direita reunida em Madrid para que condenassem o governo português, exigiram que Bruxelas impusesse um plano B.

A tese era a de que o défice proposta era aritmeticamente impossível de alcançar, já não seria um problema de rigor, a funcionária da Arrows dizia que Centeno nem sabia fazer as contas mais elementares. Ainda esperaram pelo Diabo em Setembro, e cada vez que uma agência de rating se ia pronunciar toda a direita se excitava, sendo o momento mais alto foi quando chegou a vez da canadiana DBRS; se esta desse a notação de lixo viria aí o desejado segundo resgate.

Mas o país sobreviveu à DBRS e às diatribes fiscais da Maria Luís, a esperança deles passou a ser uma armadilha deixada por Passos Coelho, a situação da CGD e do BANIF. As agências rating deixaram de falar no défice, o problema era a banca. A cada subida nas taxas de juro da dívida sentia-se a excitação colectiva da direita. Mas o tal governo que não respeitaria os compromissos internacionais cumpriu com tudo, o défice foi reduzido a mínimos e a CGD vai ser recapitalizada.

Agora o problema já é o crescimento, todos exigem crescimento. Esquecem-se de que era uma palavra proibida por Passos Coelho; e os mesmos jornalistas e comentadores que hoje exigem crescimento no passado elogiavam o Gaspar, o tal ministro que transportava os valores da avó Prazeres, mulher da Serra da Estrela.

Quando o Sôr Pereira exigia medidas para promover o crescimento o Gaspar respondia “não há dinheiro”, perante a insistência perguntou ao colega “qual das três palavras não percebeu”. Os que hoje exigem crescimento numa economia que deixaram descapitalizada elogiavam na altura o traste que era ministro das Finanças.