(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 04/12/2017)
Quando em 1 de Abril deste ano o Expresso colocou em manchete que Mário Centeno estava na corrida ao cargo de presidente do Eurogrupo, o ceticismo entre políticos e analistas foi geral e muita gente considerou que se tratava da nossa partida alusiva ao Dia das Mentiras. Como hoje, 4 de Dezembro, se comprova, era a mais pura das verdades. Mas será que esta eleição é boa para Portugal?
Bom, do ponto de vista do prestígio internacional, é indiscutível que este é um excelente resultado para Portugal. Um país que esteve sob resgate externo entre 2011 e 2015 consegue ter agora dois cidadãos em dois dos mais importantes postos internacionais: secretário geral das Nações Unidas e presidente do Eurogrupo. E se o primeiro tem bastante mais peso a nível mundial, o segundo é bem mais decisivo na Europa.
E é mais decisivo por duas razões: a primeira é que Mário Centeno foi olhado com bastante desconfiança quando se apresentou pela primeira vez numa reunião do Eurogrupo, sobretudo por ser o ministro das Finanças de uma solução governativa liderada por um partido de centro-esquerda apoiado por bloquistas e comunistas; e em segundo porque a política económica que desenvolveu foi, sob muitos pontos de vista, ao arrepio do pensamento dominante na União Europeia, nomeadamente a subida do salário mínimo, a reposição de salários e pensões, o fim de numerosos cortes que tinham sido impostos ao Estado social, a descida de impostos diretos.
É assim extraordinário que entre novembro de 2015 e Novembro de 2017, ou seja, em apenas dois anos, Centeno tenha passado de um ministro das Finanças marginal e olhado com desconfiança para uma quase unanimidade entre os seus pares, que o elegeram agora largamente para presidente do Eurogrupo. Tal só foi possível, como é evidente, porque o ano de 2017 provou por A+B que não havia só um caminho para lidar com a crise; pelo contrário, se houvesse crescimento (e em 2017 ele será de 2,5%, claramente acima dos 1,8% projetados) era possível compatibilizar a devolução de muito do que tinha sido tirado aos portugueses e ao Estado social entre 2011 e 2015 com a redução consistente e acima do esperado do défice e com a diminuição da dívida pública.
Foi isso que Comissão Europeia e FMI foram reconhecendo, corrigindo sempre em alta as suas previsões para a economia portuguesa ao longo do ano, o que culminou com saída do país do Procedimento por Défice Excessivo, para onde tinha caído há seis anos. E foi tudo isso que levou a agência de rating Standard & Poor’s a subir inesperadamente a notação da dívida portuguesa, retirando-a da classificação de “lixo” e levando a que provavelmente a Fitch ainda este ano e a Moody’s no início do próximo sigam o mesmo caminho. Foi ainda isso que permitiu a que, pela primeira vez na sua história, a República Portuguesa fizesse uma emissão de dívida a dez anos com uma taxa de juro inferior a 2%.
Dito isto, o que ganha o país com o facto de ter o presidente do Eurogrupo? Deve sublinhar-se que não houve uma mudança no pensamento neo-liberal que domina a Europa. Centeno chega ao cargo porque era necessário aliviar a pressão e o stress que se instalou entre os países do norte e do sul na sequência da crise das dívidas soberanas e dos programas de ajustamento que foram aplicados e que causaram enorme dor social. Também foi eleito porque o PPE tem representantes seus em quase todas as instituições europeias e era necessário que alguma delas ficasse nas mãos da família socialista. E foi ainda eleito porque não se apresentou nenhum candidato de peso, dos chamados grandes países, ao cargo.
Isso não retira mérito a Centeno e à diplomacia portuguesa mas não nos permite acalentar muitas ilusões. A ortodoxia dominante em matéria de pensamento económico é agora menos asfixiante mas não deixou de existir. Há, contudo, dois pontos onde Centeno pode ser determinante: é se decidir colocar em discussão entre os seus pares o debate sobre o défice estrutural, a sua falibilidade e a necessidade de o substituir por outro indicador bem mais preciso (por exemplo, o peso da despesa em percentagem do PIB); e o segundo é se conseguir colocar na agenda europeia o debate sobre a reestruturação das dívidas soberanas e a sua mutualização, algo para que o presidente francês Emanuel Macron se mostra disponível (embora para a frente e não para as dívidas que se acumularam até aqui) mas que depende da clarificação da situação política na Alemanha para que a discussão possa avançar.
Uma coisa, contudo, é certa: Mário Centeno chega a presidente do Eurogrupo porque demonstrou com resultados que era possível conciliar reposição de salários, pensões e apoios sociais, bem como o aumento do salário mínimo, com diminuição do défice e da dívida, crescimento económico e redução do desemprego. Tudo o que nos andaram a dizer desde 2011 que não era possível fazer.
E nesse aspeto, o Governo PSD/CDS teve o enorme respaldo do Eurogrupo, Comissão Europeia e FMI. Não se pense, pois, que só por Mário Centeno ter sido eleito estas ideias desapareceram ou deixaram de ser dominantes. E a pressão para Centeno actuar de acordo com elas vai ser enorme.
Internamente, o desafio também não será pequeno. Será que se Centeno já fosse presidente do Eurogrupo há dois anos teria conduzido a política económica que desenvolveu em Portugal? É esta a questão central que se vai colocar a Centeno nos dois próximos anos – porque não lhe será possível ser Dr. Jekyll cá por casa e Mr. Hyde no Eurogrupo.