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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Erguei as mãos para as alturas

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Público, 05/12/2017)

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Abra-se o champanhe: Mário Centeno é o novo presidente do Eurogrupo. Surpreendente? Sim, há meses houve quem suspeitasse, eu também, que era estratagema de propaganda. Não, era o início de um movimento vitorioso e Dijsselbloem (socialista, pois é) tinha de ser substituído por outro ministro da mesma família. Pois temos Centeno, champanhe.

Para o ministro, grande promoção. Para o governo português, sucesso total. Para o PSD e CDS, mais uma humilhação, vénia ao vencedor, acabou a conversa sobre os números orçamentais falsificados. Até Durão Barroso renasceu das profundezas do Goldman Sachs, qual Dona Constança para se juntar à festança. Para a esquerda, mais pressão. Mas, para a União Europeia, tudo igual.

Em todo o caso, vamos ter congratulações efusivas, evocações de Afonso de Albuquerque a espadeirar os indígenas. Sugiro, se me é permitido, alguma contenção e mais realismo. Primeiro, porque os festejantes se devem lembrar de quantos deles, e dos mais ilustres, anunciavam há parcos meses o “esboroamento a olhos vistos” e as “crises sufocantes” da União, ou até a “morte de um projecto”. Os mais afoitos marcavam datas, “o tempo para salvar a Europa acaba este ano, porventura o mais tardar no Outono” (faltam duas semanas), ou, já vai para dois anos, que “nos próximos dias” chega o “verdadeiro colapso moral por parte da Europa”, “abjurando todo o património de que tem sido portadora no campo dos direitos humanos”, ao passo que o mais eufórico anunciava, esse vai para dois anos e meio, que a crise do euro “começou a acabar”. Esta obsessão por marcar prazo da abjuração ou, vice versa, da redenção, diz muito do que por aí vai.

Há no entanto uma razão menos paroquial para alguma prudência. É que ninguém sabe o que vai ser o Eurogrupo, o euro, ou até a União Europeia. E bem se pode dizer que ela o merece. Veja o seguinte exemplo, convocado da solenidade dos grandes momentos, em que a Comissão Europeia resume o melhor dos cenários que propõe, o de “fazer muito mais todos juntos”, com este caso maravilhoso: “Os europeus que pretendam ter uma palavra a dizer sobre um projecto de implantação de turbinas eólicas na sua região, financiadas pela UE, terão dificuldade em identificar a autoridade responsável uma vez que lhes será dito para contactarem as autoridades europeias competentes”.

Ou seja, o risonho futuro da União será quando os cidadãos andarem em papos de aranha até para “identificar” com quem falar a propósito da turbina imposta no seu quintal. Devemos então estranhar que as democracias se sintam ameaçadas? Quem assim se apresenta perdeu a noção de que deve convencer ou até conversar com as pessoas, oferece-lhes somente o mistério da autoridade. É por estas e outras que a União se tornou um projecto falhado.

O que poderá então fazer o nosso Centeno, o último dos crentes no aprimoramento do euro? Um Orçamento para transferências entre os Estados (mas o orçamento está a diminuir)? Uma política que responda a cada recessão promovendo emprego em vez de austeridade (mas os tratados não mudaram)? Uma Merkel gentil, um Macron discreto? Sim, pode erguer as mãos para as alturas e esperar. Pois parece que a única reforma que está em cima da mesa é o título da função, ministro das finanças europeu. Para Centeno é confortável, para a Europa é pouco.

Da fomentação

por Telmo Azevedo Fernandes

Banco_Publico

O ainda recente processo de candidatura à relocalização da Agência Europeia do Medicamento teve o funesto efeito de me recordar que uma das instituições com sede no Porto é a aventesma do Banco de Fomento, poeticamente apelidado de “Instituição Financeira de Desenvolvimento” (IFD).

Eis algumas interrogações:

  • Os técnicos da IFD são melhores adivinhos que todos os seus colegas da banca privada para identificar empresas e projectos com probabilidade de sucesso a longo-prazo?
  • Que “falhas de mercado” são corrigidas por um núcleo de planeamento central de supostos sábios?
  • Sendo uma instituição pública, não será particularmente susceptível a que os “campeões nacionais” sejam selecionados com base em agendas políticas?
  • As garantias estatais que permitirão ao Banco de Fomento ter acesso a custos de capital mais baixos não criam factor de concorrência com a banca privada?
  • Embora tendo actividade grossista, sendo os fundos disponíveis na prática subsidiados, a alocação de recursos à margem do mercado não provocará ainda maiores distorções competitivas?
  • Os contribuintes não ficam expostos a mais um risco de crédito?
  • Das 1.162.069 PME e das 1.013 grandes empresas nacionais, quantas usufruirão da IFD e por que razão as restantes não retirarão dela benefício?
  • Por que motivo caberá aos decisores de um organismo público alterar a composição da carteira de créditos dando prioridade a determinados sectores de actividade e não a outros?
  • Não estaremos a mascarar a condução de uma política industrial do Estado à margem do Orçamento?
  • Dado o papel do Banco Europeu de Investimento nestes mecanismos de financiamento, não estaremos a prejudicar o princípio da subsidiariedade, entregando a tecnocratas a tomada das grandes decisões estratégicas?
  • A introdução de uma nova entidade grossista que canaliza por via da banca privada fundos subsidiados por garantias públicas não aumentará a carga burocrática e tornará mais opacas as decisões e escolhas?

O Irrevogável e a Geringonça

por João Mendes

Imagem via Geringonça

A 21 de Junho de 2011, Paulo Portas assumia oficialmente as funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo liderado por Pedro Passos Coelho, fechadas que estavam as negociações entre os dois partidos, que resultaram na atribuição de três ministérios aos centristas: para além do já referido Ministério dos Negócios Estrangeiros, Assunção Cristas assumia a tutela da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do território, e Pedro Mota Soares ficava com a pasta da Solidariedade e Segurança Social.

Tudo corria de feição, com privatizações a rodos, aumentos gorduchinhos de impostos, listas VIP e vistos dourados para qualquer mafioso que quisesse "investir" no país. Havia tachos para todos os boys e ia-se alegremente além do exigido pela Troika, que aquilo era uma data de bons alunos, com excepção do Relvas e do Passos, o primeiro pelos motivos que todos sabemos, o segundo porque andava muito ocupado a colar cartazes na década de 80 e só lhe deu para estudar no final da década seguinte. Prioridades. Ler mais deste artigo

Boa sorte, Mário!!!

Posted: 05 Dec 2017 06:20 AM PST

Se os sociais-democratas [os que ainda sobrevivem na Europa] querem mesmo reformar a zona euro, então têm de resolver um problema que os economistas (que não têm conflito de interesses) consideram insolúvel dentro de uma zona com moeda única: o agravamento dos desequilíbrios comerciais, e o consequente endividamento dos países menos desenvolvidos para com os mais desenvolvidos, seus credores, desde a entrada na zona euro. Toda a periferia da zona euro se desindustrializou a partir daí, e mesmo a França saiu prejudicada. A Alemanha acumulou excedentes (e portanto créditos) enquanto as periferias foram acumulando défices (e portanto dívida aos excedentários).

Sabendo nós, pela história económica e também por dolorosa experiência (os gregos ainda mais, porque quiseram fazer deles um caso exemplar para meter medo aos outros), que a redução dos salários não é uma solução estrutural, aliás não é solução para nada e só debilita o país, fico à espera da solução reformista dos sociais-democratas para este problema.
Entretanto, há uma coisa que os economistas (sem conflito de interesses) sabem: sem política cambial, sem política industrial, sem política comercial externa e sem política orçamental com moeda soberana, até hoje nenhum país se desenvolveu.
Acho melhor esperarmos sentados por essa reforma da zona euro. Boa sorte, Mário.

A sério???!!!

por Sérgio Barreto Costa

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Um destes dias, depois de rever o filme Os Homens do Presidente, fiquei algum tempo a reflectir sobre a importância do jornalismo. Não foi uma reflexão muito profunda, teve início durante os créditos finais e terminou três ou quatro minutos depois, quando a minha mulher, já cansada da cara de lorpa com que fico sempre que estou a pensar, me trouxe de volta à sala de estar. Felizmente, tal como em outros aspectos da vida, o que conta é a qualidade e não o tamanho da meditação.

Relembremos a história: Richard Nixon é eleito para um segundo mandato na Casa Branca com uma vitória absolutamente esmagadora e, dois anos depois, perante a total estupefacção dos americanos, é obrigado a resignar ao cargo por causa do escândalo Watergate. Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas do Washington Post, ficam para a história como os corajosos profissionais que desenvencilham a tramóia e resgatam os eleitores do mundo de inocência em que viviam.

Em Portugal, no passado fim-de-semana, passámos por uma experiência semelhante. Todo um povo, até essa altura mergulhado numa doce ilusão, ficou de boca aberta e em estado de choque quando olhou para a capa do Jornal Sol. Pelos vistos, e contrariamente ao que julgávamos, os órgãos da administração da pátria estão repletos de boys dos partidos políticos; e alguns deles são tão bem remunerados que podemos considerar terem sido presenteados não com aquilo que vulgarmente se designa como um “tacho”, mas com um trem de cozinha completo. Como se isto já não fosse surpresa suficiente, ficamos também a saber que este esquema de distribuição de chicha tenrinha foi inventado por António Costa para exercer com mais facilidade o poder; e que todos os partidos, por serem bem-educados e saberem que não se fala enquanto se mastiga, se mantiveram calados.

Algumas pessoas, para se distraírem, dedicam-se a construir castelos de cartas com os amigos. O nosso primeiro-ministro, por não ser distraído, prefere construir pontes de notas com a oposição.